Quando entrei no Facebook, em 2008, o site era pouco mais do que um clube com cheiro de tinta nova, onde era possível encontrar os amigos estrangeiros. Só eles usavam aquela geringonça azul, sem painel de scraps e sem comunidades engraçadas. Minha página ficou por lá, mais ou menos inativa, até meados de 2009, quando me mudei para a Inglaterra. Como todo mundo usava o Facebook e o inverno não é fácil para ninguém, não teve jeito. Não haveria comunidades engraçadas, como “Passei minha língua na bateria de Litium”. Mas, em compensação, todos os meus amigos geograficamente próximos teriam uma conta no Facebook, as atualizações apareceriam numa lista razoavelmente bem organizada e era simples e rápido criar grupos de amigos e mandar mensagens para um número bastante grande de pessoas sem necessariamente conhecer seus emails. Bem mais prático do que o Orkut – a rede social que completou 10 anos neste mês de janeiro e que aparenta bem mais idade do que de fato tem.
Porque o Orkut e sua cor azul bebê mudaram tanto a internet no Brasil que é difícil imaginar como a rede era antes dos scraps animados e dos testemunhos. E, diferente de outros produtos digitais, o Orkut continua pairando sobre nós, como um morto vivo tão familiar que nos visita no café da manhã sem causar susto ou assombro – nós insistimos em não deixar que ele morra. Mas, de fato, o Orkut virou um zumbi amigo. E isso aconteceu mais ou menos em algum momento entre a Copa do Mundo de 2010 e as eleições presidenciais daquele ano. De longe, aos poucos, vi os amigos brasileiros também entrarem no Facebook e usarem os joguinhos instalados no site de Zuckerberg. Depois, entraram os amigos distantes. Por fim, entraram os familiares. Em pouco tempo, o Facebook explodiu.
Naqueles meses, não passava um dia sem que eu lesse “Fulano de Tal começou uma amizade com XX pessoas”. E XX eram sempre dezenas de pessoas. Houve, claramente, uma migração em massa para o Facebook, como se todas as pessoas estivessem abandonando um lugar decadente em busca de um mundo mais bonito. O Facebook passou a ser uma espécie de revista para te inspirar, para ser o lugar onde alguém bem sucedido deveria estar. Mas, naquela época, cumpriu-se a profecia de um grande amigo, o Fernando Vives (o @Sorryperiferia, no Twitter): não adianta fugir do Orkut. Todo mundo vai chegar ao Facebook um dia. E isso aconteceu.
Porque se, no começo, o Facebook concentrava a classe média dos internautas do Brasil e o Orkut era o espaço dos amigos que tinham um conhecimento muito utilitário da internet, com aquelas exóticas aplicações animadas e sonoras, hoje a cidade virtual não tem mais fronteira de classe nem de conhecimento. Ao menos na internet, você pode até morar em Higienópolis, mas não terá como escapar da convivência com as pessoas do Jardim Ângela. Você pode ser um gênio de programação, mas não terá como se isolar em comunidades. Em algum momento, a sua mãe, a sua tia, o seu primo vão te mandar um email, ou uma mensagem via Facebook, perguntando como faz para impedir que alguém entre no seu gmail sem avisar. Não há ilhas. E o Orkut foi o primeiro site onde nós nos demos conta, ao menos no Brasil, de que a internet seria usada e transformada por milhões de pessoas.
Por sua própria popularidade (e falta de algumas funcionalidades), aos poucos o Orkut acelerou rumo à irrelevância. Algumas comunidades, especialmente dos clubes de futebol, continuam funcionando. Num movimento curioso, o esvaziamento do Orkut permitiu que algumas comunidades do site funcionassem como oásis de tranquilidade em meio ao barulho de outras redes sociais. Mais ou menos como aquele grupo de amigos que aluga um apartamento no centro velho do Rio ou de São Paulo para jogar dominó ou videogame, sem pensar nem por um instante em quem está passando na rua, sem se preocupar em ver e ser visto, sem ter de prestar contas para o mundo.
Mas, a longo prazo, provavelmente, terá o mesmo destino do disquete, do ICQ e do Geocities: uma ideia inovadora que foi superada não por um produto novo, mas por um produto melhor. Só que o Orkut, diferente do disquete, do ICQ e do Geocities, desempenhou um papel muito mais importante na sociedade brasileira. Nelson Rodrigues costumava dizer que o Fla-Flu inventou as multidões, as aglomerações, as impressionantes massas urbanas que se locomoviam como um ser informe. Na Internet, o Orkut inventou as multidões digitais. Ele tornou a internet popular mesmo para quem era avesso a tecnologia. O Orkut hoje vive no panteão onde estão os heróis que podem bater no peito e dizer “vim, vi, venci – e agora me aposentei jogando dominó”.
Antes do Orkut, as pessoas estavam espalhadas, isoladas, presas ao email, às salas de bate-papo e aos programas de mensagens instantâneas. Era como se todo mundo, antes do Orkut, vivesse dentro de um condomínio fechado, conversando apenas com as pessoas conhecidas. Era uma cidade sem ruas, sem calçadas, uma espécie de zona rural em que todo mundo vivia muito longe um do outro. Com o Orkut, os perfis formaram uma multidão enorme que se procurava, se trombava, se adicionava, se deletava, brigava, se descontrolava. O Orkut criou avenidas, ruas, bairros e prédios. Promoveu encontros e desencontros. Casais foram feitos e desfeitos por conta do Orkut. Amizades nasceram. As pessoas se esbarravam em comunidades de interesse, trocaram mensagens. A internet, ao menos no Brasil, ficou mais próxima do que é o mundo real – e os scraps animados são apenas a evolução das telemensagens, dos cartões de Natal, dos papéis de carta. Em uma comparação simples, o Orkut foi para a internet o que a urbanização foi para o Brasil: aproximou as pessoas de uma maneira muito rápida, tirou milhões de pessoas do isolamento e criou possibilidades e problemas que seriam inimagináveis antes dele.
Aos poucos, essa multidão se mudou para o Facebook. Talvez seja só a primeira de muitas que ainda vão existir. No mundo real, é difícil migrar de um país para o outro. Na internet, é só abrir uma nova conta – e esperar que as pessoas que você gosta também se mudem para lá. É a urbanização em escala, agressiva, muito rápida. O Orkut nos lembra, no seu apogeu e na sua lenta agonia, que a internet é um espelho, às vezes atrasado, às vezes adiantado, das mudanças do mundo. E até um sujeito como eu, que não é muito afeito às multidões, não tem como escapar. Ficar fora do Facebook, hoje, imaginando que vai encontrar a paz, é tão inútil quanto se enfiar em uma comunidade hippie – mas ter de ir à cidade para comprar maçãs orgânicas. Uma hora ou outra, você volta para a “civilização” – onde estão as pessoas, os serviços, o que está sendo discutido… Tanto é que o exclusivismo do Facebook acabou, e não à toa tantos adolescentes estão migrando para o Whatsapp e para o Snapchat para ficar longe dos parentes.
Porém, a busca por um lugar exclusivo, só seu e dos seus amigos, parece não ter fim. Na verdade, exclusividade e multidões se completam. Onde há multidões há gente querendo atendimento exclusivo. E onde há atendimento exclusivo há multidões querendo se tornar VIP. Uma hora, sempre, as multidões vão chegar. Sua mãe ainda vai ter uma conta do Whatsapp. E é questão de tempo para que seus tios criem um bate-papo família ali. E logo as mudanças vão começar de novo, para criar uma nova cidade, em outro lugar. E la nave va…
Parafraseando o Sorry Periferia: não adianta ficar contando vantagem porque só você conhece aquele cantinho exclusivo da internet. Em um momento, tudo vira mainstream. Tudo o que é alternativo, e legal, passa a ser objeto de desejo. E, na internet, a escala da popularização é gigantesca – e rápida, muito rápida. Graças ao Orkut, as multidões chegaram à internet porque, para muita gente, o Orkut tornou a internet útil. A internet deixou de ser uma galáxia distante e virou trem, congestionamento, show do U2, jogo de futebol. A internet foi tomada por todas as pessoas. Goste ou não, uma hora tudo será mainstream naquela que, em 2004, ainda era chamada de “rede mundial de computadores”. Tanto no presente quanto no futuro, tudo será orkutizado. E a palavra que tinha um sentido tão negativo passou a apontar uma tendência inescapável, vista daqui, do alto deste janeiro de 2014…
Uma versão deste texto foi publicada no meu blog, o The Pompeia Times, em 2011.