Texto: André Julião | Agência FAPESP
Estudo publicado na revista Science descreve uma técnica que pode facilitar descobertas relacionadas tanto a mecanismos de doenças quanto a possíveis tratamentos.
Batizada de MIDAS (sigla em inglês para diálise acoplada a espectrometria de massas para a descoberta alostérica sistemática), a metodologia permitiu detectar 830 interações consideradas de baixa afinidade entre proteínas e metabólitos (produtos do metabolismo das células), que dificilmente poderiam ser descobertas pelos métodos até então existentes.
“As diferentes vias metabólicas trocam informações entre si e se regulam, o que é muito importante para o metabolismo. No entanto, essas interações são de baixa afinidade, muito difíceis de se detectar com as técnicas usadas atualmente. É uma conversa muito sutil, como um cochicho”, ilustra Maria Cristina Nonato, professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FCFRP-USP) e coautora do artigo.
A pesquisadora foi convidada a fazer parte do estudo por conta do seu trabalho – apoiado pela FAPESP – com a fumarase, uma enzima com potencial para ser alvo farmacológico contra parasitas como Leishmania e Trypanosoma. A proteína também tem relação com alguns tipos de câncer e doenças genéticas (leia mais em: agencia.fapesp.br/24367/).
Segundo Nonato, as técnicas atualmente usadas foram desenvolvidas para captar interações dentro de uma mesma via metabólica, onde são muito mais evidentes ou esperadas. A MIDAS tem uma sensibilidade maior e pode encontrar mesmo as interações inesperadas, que passariam despercebidas por outras metodologias.
A MIDAS é baseada numa técnica bioquímica clássica conhecida como diálise de equilíbrio, que faz medidas de afinidade de ligação para interações entre receptores e ligantes. O grupo de Jared Rutter, professor da Universidade de Utah e coordenador do estudo atual, publicou o primeiro piloto da metodologia para estudo de interações entre proteínas e metabólitos em 2012.
A plataforma publicada agora tem uma série de melhorias, que permitiram identificar sistematicamente interações de metabólitos com mais de 200 proteínas humanas em um tempo relativamente curto.
Caminho promissor
Para Kevin Hicks, primeiro autor do estudo e pesquisador da Escola de Medicina da Universidade de Utah, nos Estados Unidos, o trabalho, junto com outros realizados recentemente por outros grupos, demonstra que existe uma profunda e até então pouco valorizada rede conectando o metabolismo de pequenas moléculas e proteínas funcionais.
“À medida que aprendemos mais sobre essa rede de interações, obtemos uma nova compreensão de como as células respondem ao seu estado metabólico. Essas interações, até então desconhecidas, vão proporcionar uma profunda compreensão sobre o que é saúde e doença, além de contribuir para a descoberta de novos tratamentos”, afirma à Agência FAPESP.
No trabalho publicado agora, os pesquisadores focaram no metabolismo de carboidratos, importante para a obtenção de energia por todos os seres vivos. No entanto, a ferramenta tem potencial para o estudo do metabolismo de modo geral.
“Uma das estratégias para a busca de novos tratamentos se baseia na modulação da atividade de proteínas e enzimas pela interação com pequenas moléculas. Essa é uma busca constante da ciência que pode ser facilitada com esses estudos, uma vez que revela não somente novas interações, mas novos mecanismos de modular a ação de proteínas. Isso pode ser explorado desde já com os resultados obtidos, mas ainda há muito espaço para ser ampliado”, explica Nonato.
Entre todas as proteínas analisadas no estudo, em apenas duas delas foi possível determinar a estrutura tridimensional, um passo importante para descobrir possíveis moléculas que possam regulá-las. Uma delas foi justamente a fumarase humana, para a qual foi descoberta e caracterizada a interação com o metabólito AP-3, um componente do metabolismo de fosfonato.
Para a determinação da estrutura 3D, foi utilizada a linha de luz Manacá, da nova fonte de luz síncrotron brasileira do Sirius, localizada no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas.
Com o trabalho, não apenas o grupo de Nonato pode seguir num caminho promissor para o estudo de doenças causadas por parasitas, como outras equipes terão a possibilidade de usar a biblioteca de interações resultante do estudo. Pesquisadores podem ainda usar a MIDAS para encontrar novas interações no metabolismo das células tanto em condições normais quanto frente a diferentes patologias.
O artigo Protein-metabolite interactomics of carbohydrate metabolism reveal regulation of lactate dehydrogenase pode ser lido em: www.science.org/doi/10.1126/science.abm3452.