Texto: André Julião | Agência FAPESP
Estudo conduzido na Universidade de São Paulo (USP) revela que a brilacidina, uma nova droga testada para moléstias que vão de infecção cutânea por bactérias até COVID-19, pode matar cepas resistentes de fungos quando combinada a duas classes de antifúngicos disponíveis no mercado.
A nova potencial aplicação do medicamento, agora patenteada e descrita na revista Nature Communications, foi descoberta por pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP-USP) apoiados pela FAPESP.
O problema da resistência a medicamentos é um desafio reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), mas o processo de desenvolver uma nova droga é muito caro e demorado.
“Por isso, buscamos identificar a atividade antifúngica de moléculas químicas já conhecidas, mas até então não estudadas quanto a seus efeitos no controle do crescimento de fungos. Nesse caso, começamos explorando 1.400 compostos químicos até chegarmos neste”, conta Thaila Fernanda dos Reis, pós-doutoranda na FCFRP-USP e primeira autora do artigo.
Graças ao uso de diferentes métodos, os pesquisadores concluíram que a combinação da brilacidina com duas drogas antifúngicas distintas (caspofungina ou voriconazole) tem a capacidade de matar cepas resistentes de várias espécies de fungo que causam infecções em humanos, como o Aspergillus fumigatus, agente causador da aspergilose pulmonar invasiva.
A aspergilose é uma infecção comum em pacientes internados em unidades de terapia intensiva (UTIs), podendo levar a óbito entre 60% e 90% dos indivíduos. Afeta também pacientes com certo grau de comprometimento imune, como aqueles que estão passando por tratamentos oncológicos (leia mais em: agencia.fapesp.br/39432/ e agencia.fapesp.br/36228/).
Além das combinações com antifúngicos para infecções pulmonares, a brilacidina sozinha bloqueou o crescimento do A. fumigatus e o desenvolvimento da doença num modelo animal de queratite, uma infecção que afeta a córnea.
A doença ocular impacta de 1 a 2 milhões de pessoas por ano no mundo todo, sobretudo em países tropicais com grande atividade agrícola. Nos Estados Unidos e outros países desenvolvidos, o uso de lentes de contato contaminadas com fungos é o principal fator de risco.
Mecanismo de ação
A resistência a medicamentos se dá quando o microrganismo (fungo, bactéria ou vírus) encontra uma forma de sobreviver e continuar a se multiplicar mesmo na presença da droga que deveria conter seu crescimento.
Por isso, é importante ter opções de fármacos que atuem de diferentes formas sobre o patógeno, a fim de debelar a infecção mesmo quando a cepa é resistente a alguma droga. Contudo, enquanto existem nove classes de antibacterianos, há apenas quatro de antifúngicos disponíveis comercialmente.
A caspofungina, por exemplo, é um antifúngico disponível há bastante tempo no mercado. Seu mecanismo de ação consiste em inibir a síntese da parede celular, uma estrutura que envolve a membrana plasmática e que mantém a integridade da célula fúngica.
Quando em contato com a droga, porém, não raro, o fungo ativa um sistema de reparo, que dribla a ação da droga e permite que ele sobreviva na sua presença. Daí o potencial da combinação entre caspofungina e brilacidina. Nos testes, a presença da nova molécula desativou o sistema de reparo acionado pela caspofungina.
“A caspofungina não mata o fungo A. fumigatus, mas atrapalha sua multiplicação. Isso, muitas vezes, é suficiente para que o sistema imune do hospedeiro controle a infeção, mas nem sempre. Por isso é importante identificar drogas capazes de atuar em sinergia com ela. Uma das opções seria criar um único medicamento que reunisse simultaneamente caspofungina e brilacidina, de forma que pudessem atuar em conjunto”, resume Gustavo Henrique Goldman, professor da FCFRP-USP que coordenou o estudo.
Superfungos
Outra vantagem da brilacidina é que a combinação com a caspofungina ou com o voriconazole teve ação contra diferentes espécies de fungo.
Nos ensaios com modelos animais, além de A. fumigatus, a combinação da brilacidina com caspofungina foi eficaz em inibir outras espécies fúngicas como Candida albicans, Candida auris e Cryptococcus neoformans.
Chamadas de “superfungos”, por conta de sua alta resistência a medicamentos, algumas dessas cepas têm sido responsabilizadas por infecções hospitalares graves. Recentemente, tornaram-se mais comuns devido ao grande número de hospitalizações em UTIs por conta da pandemia de COVID-19 (leia mais em: agencia.fapesp.br/39977/ e agencia.fapesp.br/35923/).
A ação sinérgica da brilacidina com voriconazole, por sua vez, foi eficaz tanto contra A. fumigatus quanto contra Mucorales, um fungo que ocorre sobretudo na Índia e no Paquistão e causa graves deformações no rosto.
Para que os efeitos sejam comprovados em humanos, porém, testes clínicos são necessários. Junto com a empresa proprietária da patente da brilacidina, a norte-americana Innovation Pharmaceuticals Inc. (IPI), os pesquisadores buscam agora uma empresa brasileira que possa licenciar o medicamento no país e realizar os testes clínicos, necessários para comprovar os efeitos em humanos e, em caso de sucesso, disponibilizar a droga no mercado.
O trabalho envolveu ainda outro projeto apoiado pela FAPESP.
O artigo A host defense peptide mimetic, brilacidin, potentiates caspofungin antifungal activity against human pathogenic fungi pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41467-023-37573-y.