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Num dia para falar de mestre Telê

"Telê Santana, como a maioria das pessoas, não escolheu morrer em 21 de abril, mas foi nessa data, em 2006, que ele morreu". Leia na coluna de Cassiano Gobbet para o Giz Brasil

Telê Santana, como a maioria das pessoas, não escolheu morrer em 21 de abril, mas foi nessa data, em 2006, que ele morreu acompanhado de gente como Mark Twain, o Barão Vermelho (o de verdade, não o grupo), John Maynard Keynes, Tancredo Neves e Tiradentes. Ou seja: até nisso ele está bem acompanhado. 18 anos atrás, não perdemos só um brasileiro daqueles que dava orgulho até em adversário (como os frequentemente ranzinzas – como Telê – Johan Cruyff e Marcelo Bielsa). O futebol brasileiro perdeu uma referência que não encontrou mais. Coincidência ou não, a respiração por aparelhos na qual a Seleção e o São Paulo se encontram definitivamente deveriam fazer parar para pensar na zona em que estamos todos metidos de um jeito ou de outro por conta de gente que é o oposto exato de Telê.

Vamos começar pelo São Paulo (que é a bola da vez na boca do povo). Se os dados da Wikipedia estão corretos, Milton Cruz dirige o futebol do clube pela 12ª vez, e desde que Telê nos deu adeus, já foram 22 cristãos sentando no banco que um dia foi dele (sem contar as recaídas de quem fracassou mais de uma vez). A conversa de boteco de planejamento e crítica em cima da saída do auto-demitido Thiago Carpini foram, como sempre, um espetáculo de falta de foco e de resignação de um futebol e país que encarna a vida com uma síndrome de vira-lata rodrigueana. O planejamento, execução, pressão, fritura, crítica, cobertura e demissão do #30 do pós-Telê foram mais uma vez, como diria Boris Casoy, uma vergonha.

O São Paulo de hoje, assim como a Seleção, não sente falta de talento. Talento ainda jorra. Essa capacidade de desperdiçar talento por um misto de preguiça e falta de comprometimento sempre foram os inimigos mortais de Telê. Ele não mudou depois de perder uma Copa com a Seleção mais perfeita que eu vi. Virou o “perdedor”. Era xingado em estádios. A mídia esportiva, de um modo geral, o dava por acabado. Afinal, o futebol era moderno e jogar bonito fazia parte do passado. De vez em quando, dar umas botinadas era necessário. E sem dúvida, receber aquela propina, ganhar com gol impedido tomando uma cerveja era mais gostoso, especialmente do rival. Certo?

Nada poderia ser mais errado. O amor pela trapaça é compreensível em um país onde presidentes, senadores, e outros corruptos conseguem exércitos de fanáticos, mas essa é a âncora amarrada na nossa perna. Talvez a aversão a isso seja o cromossomo zero de Telê Santana. Ele foi o símbolo de um Brasil que consegue fazer 2 + 2 virarem 20. Não é por acaso que torcedores de todos os clubes abrem uma concessão na rivalidade se Telê estiver no meio. Num país em que a desonestidade remunera, ele encantou não só pela capacidade técnica, mas pela decência e pela postura radical por essa decência, a ponto de abrir espaço para um fumante e cervejeiro inveterado como Sócrates depois de conhecer o “homem-e-cidadão” Sócrates.

Nesses 18 anos, o Brasil perdeu quase todas as suas lideranças. Tivemos escândalos de sobra, vitórias de Pirro, casos de corrupção comprovada que não viraram nada por conta de fanatismos e conchavos, a maior derrota da história do esporte global, uma pandemia que matou como uma guerra e agora, a única luz no fim do túnel é o trem carregado de intolerância, fanatismo e uma atração perpétua pelo fracasso. Lembrar do mestre é, para todo mundo, um sentimento de perda, sem dúvida, mas também de uma esperança dormente de que a coisa pode funcionar, que uma hora, os vagabundos caem do cavalo e a gente consegue o que quer.

Faltou falar da nossa atual Seleção, ou do que sobrou dela. Hoje não sabemos mais exatamente o que ela é. Pelé também se foi e os “ídolos” que conhecemos se alternam entre ostentação, machismo, individualismo e uma antítese de Telê. O tacho já estaria raspado só pela dantesca gestão de tudo na CBF, mas ainda temos dois desses “ídolos” condenados por estupro. O Brasil que Telê nos deixou não existe mais, mas por mais que estejamos divididos, com ódio, frustrados e sem esperança, a ideia que ele tinha desse Brasil nunca vai sair da nossa cabeça. Se ele tivesse feito só isso, já seria um mito. E foi muito mais que isso. Valeu, Telê.

Point Blank

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