_Google

O Google tem alguma habilidade no social?

O Google apresentou um monte de coisas no Google I/O: um estiloso tablet a um bom preço, uma orb musical sci-fi, uma pesquisa realmente sofisticada e o Jelly Bean. E também uma inquietante incapacidade de compreensão do ser humano. Já tínhamos preocupações com privacidade anteriormente, mas havia como elas crescerem? Será possível que o Google […]

Sergey Brin com Google Glass.

O Google apresentou um monte de coisas no Google I/O: um estiloso tablet a um bom preço, uma orb musical sci-fi, uma pesquisa realmente sofisticada e o Jelly Bean. E também uma inquietante incapacidade de compreensão do ser humano.

tínhamos preocupações com privacidade anteriormente, mas havia como elas crescerem? Será possível que o Google não entende pessoas de verdade?

A apresentação soou como uma chamada futurística atrás de outra: Glass, o computador de colocar no rosto; Google Now, um sistema no smartphone que provê informações cuidadosamente adaptadas à vida do usuário; Nexus Q, o streamer de mídia social; e um novo jeito curioso de organizar festas no Google+. Mas por baixo de cada uma dessas novidades tecnológicas você pode sentir um oco, uma atmosfera de esquisitice que o faz questionar: quem usará essas coisas além dos atores do Google nos vídeos promocionais?

Tudo o que é novo do Google é à primeira vista fantástico e servido com as melhores intenções. O Google é uma empresa monolítica, claro, mas está cheio de gênios que querem tornar a sua vida mais fácil através da tecnologia. Ninguém culpa essa ambição, ou questiona seus motivos. Mas temos que pensar: essas novidades são feitas para pessoas comuns ou para a vanguarda nerd obcecada por dados do Vale do Silício? Embora nós realmente quiséssemos que a resposta fosse a primeira, ela parece muito, mas muito mesmo ser a segunda. Aquela empresa responsável pelo Android ainda está construindo coisas com robôs em mente. Em cada caso, o Google tem se mantido a constante de entregar produtos (claramente com um caminhão de dinheiro e tempo por trás) que simplesmente parecem não bater com a maneira com que vivemos — assim, de verdade. Não é o caso de falta de esforço ou inovação, mas sim uma falta de conexão entre a maneira com que os geeks de dados e o resto de nós veem o mundo.

Tome por exemplo o Nexus Q. É um objeto bem bonito, com luzes pulsantes, uma cara que é ao mesmo tempo futurista e amigável e com o nobre objetivo de tornar mais fácil ouvir música e ver vídeos com nossos amigos. Quem poderia se opor a isso? Só algum tipo de monstro! Mas olhe a forma com que o Google nós imagina usando-o: você vai até a casa de um amigo,  toca o Q com seu Nexus para o acesso via NFC, então senta no sofá e fica mexendo no aparelho para transmitir conteúdo ao home theater. Uhhh.

É uma abordagem estranha para a antiga prática de relaxar ao som de uma música ou para assistir a um filme. Ele está destruindo a ideia central da coisa? O Nexus Q nos pede para olhar e contemplar software, para estarmos sempre conscientes e ligados a nossos celulares e tablets e nos tira da diversão pela interação com esses. Dane-se tudo isso — as pessoas não querem apenas botar uma playlist do Pandora para tocar e tomar alguma coisa? Injetar tantos menus, não importa o quão graciosos e modernos, entre seus amigos e as coisas que você gosta, parece muito antissocial. É pouco provável que a maioria das pessoas comprará ou usará o Q porque ele não parece divertido a menos que você seja um engenheiro que trabalhe no Android.

O mesmo vácuo de empatia ameaça o restante das novidades do Google. O Glass é tremendamente bacana, no sentido de que ele pega cenas de filmes e vislumbres futuristas comuns a todos nós e os tornam reais em uma coisa de plástico e metal. Vídeos em primeira pessoa são uma ideia genuinamente legal. Mas o Google acha que estamos prontos para andar por aí usando aquelas coisas. Você sabe, não estamos. Nem todo mundo é um bilionário excêntrico aficionado por dados, super rico e perdido em um mundo de grandes ideias para se importar sobre como ele se parece andando por aí com aquilo o dia todo. Você é? O Glass representa não só um salto tecnológico, mas um cultural.

Para muitos de nós, um computador que está literalmente na frente dos nossos olhos para cada momento em que estamos acordados soa muito como um alienador social. Diga o que quiser sobre as mudanças que os smartphones trouxeram às interações cotidianas, mas pelo menos essas coisas voltam para os nossos bolsos quando não estão em uso. O Glass está aí para ficar, tornando-se parte do seu rosto e o transformando em um ciborgue-wannabe assustador. A menos que todas as pessoas do mundo recebam um par desses óculos e simultaneamente decidam que isso não é mais esquisito, que funcionalidade vale o sacrifício de ser o cara que se parece com o Vegeta? Enquanto estamos quebrando a cabeça para imaginar o Glass adaptado à vida normal, o Google não parece se incomodar — a vida normal não é problema. A pergunta é: devemos admirar o seu comprometimento futurista, ou tremer ante as desconfortáveis perspectivas?

O Google faz declarações semelhantes sobre como devemos conduzir nossas vidas com o seu novo software também. Ninguém realmente usa o Google+ e a novidade da semana — uma nova maneira de organizar e compartilhar festas — dificulta muito achar que isso algum dia vá mudar. O novo Google+ será apenas o esforçado e bem intencionado de sempre,  feito para compartilhar momentospensamentosideias com pessoas com que você se importa. Se ele pelo menos funcionasse assim… Em vez disso, o “modo festa” do Google+ é tão babaca quanto parece, e bizarramente oposto à ideia basilar de uma festa. Onde está a humanidade nisso?

Os convites de eventos do Facebook podem ser mais simples, mas está tudo bem — tudo o que queremos é espalhar a informação e fazer o mundo saber do evento. Um meio para um fim (diversão). Não queremos gastar o nosso tempo agonizando sobre GIFs ou memes ou montagens engraçadinhas para enviarmos aos nossos desertos círculos do Google+ para que os convidados possam, em troca, subir fotos em tempo real, provendo uma função horrível que não é nem uma festa, nem uma sessão de fotos. Não precisamos de imagens em tempo real do churrasquinho com os amigos. Nossas vidas sociais não precisam de análises de dados. As pessoas em nossos eventos não devem nunca ser igualadas ou superadas por um software avançado que as levaram até lá — mas o Google corre o risco de colocar um Hangout via Internet no mesmo nível que uma reunião IRL, na vida real. Nós, pessoas normais, não queremos um software que nos coloque em um círculo social via telas LCD como o clímax de uma festa; queremos estar juntos uns dos outros, certo? O Google deveria estar fazendo coisas que facilitem isso, não um cansativo sistema de convites mais complexo do que o planejamento da festa em si. É o bastante para deixá-lo um pouco desconfortável.

O mesmo ocorre com o Google Now, que é incrível, mas que também nos deixa com um pé atrás. Ele é provavelmente o melhor sistema de pesquisa móvel de todos — e certamente derruba a Siri —, mas o que acontece quando a empolgação inicial se vai? O Google disse que a pesquisa do Android seria fenomenal porque ela saberia tudo sobre das nossas vidas — onde comemos, onde vivemos, onde trabalhamos, constantemente seguindo nossos movimentos e gostos para prover respostas complexas para quando precisarmos delas. Mas essa ideia como um todo parte do pressuposto de que estamos confortáveis sendo seguidos e assimilados dessa forma. Para o Google, não é um problema. Quem se importaria? Por que você desligaria um computador que sabe os detalhes da sua vida pessoal e é capaz de prever o próximo?

O Google pode estar cego pela sua própria esperteza. Ele é honesto nisso e tem muitas pessoas que querem fazer o futuro. Mas eis uma coisinha sobre o futuro: ele deve tornar o modo que vivemos melhor, não ditar o modo como vivemos. Não é intencional — a empresa realmente acha que o Google+ é super legal. E talvez seja, para os engenheiros por trás dele. Mas para todos nós que não somos gênios malucos por dados, é uma imposição nerd.

Precisão e poder não devem suplantar a personalidade nas coisas que usamos e se há uma oportunidade de receber informação, não deveríamos correr para dizer sim. Mas o Google é ansioso para dizer sim por todos nós: mesmo que isso nos faça parecer ridículos, ou solitários. Mesmo que isso tenha o efeito oposto do pretendido. O ídolo da tecnologia e as maravilhas que podem criar barreiras entre nós mesmos, usando um computador no rosto, deixando o celular determinar a hora do almoço e sentando no canto de uma festa vendo fotos de outas pessoas se divertindo. O Google está fazendo um monte de coisas impressionantes — mas elas são coisas impressionantes que qualquer um gostaria de ter de verdade? [Foto: Paul Sakuma/AP]

Sair da versão mobile