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O que a desinformação faz para a sua saúde?

Você já sabe ou ouviu falar que a desinformação é a doença dos nossos tempos - em sentido figurado. Mas talvez você não saiba que o excesso de "fake news" pode te deixar mental e fisicamente doente - literalmente.
Imagem: Reprodução/Cassiano Gobbet (feita com IA)

Em 2020, uma mensagem viralizou no Irã nos primeiros meses da epidemia de Covid. Usando o WhatsApp como plataforma, a mensagem dizia que a ingestão ou aplicação de metanol nos olhos eliminaria o vírus imediatamente. Mais de 5 mil pessoas foram internadas com intoxicação ou queimaduras severas, 700 morreram e 90 perderam a visão, incluindo ao menos uma criança de dez anos. Essa é a parte “social” da doença das fake news e como elas são letais e dividem sociedades. Mas você – sim, você que me lê aqui – pode acabar física ou mentalmente doente por exposição à desinformação.

Estudos comprovaram de diversas formas que o contato de audiências com “fake news” podem levar a condições clínicas porque elas ativam mecanismos de autopreservação primários que levam o indivíduo a níveis de estresse altíssimos. Esse estresse não vai só gerar uma sensação muito incômoda de ansiedade, medo e depressão, mas eventualmente até doenças mentais.

Isso não é coincidência. Quando somos “informados” dos riscos que estamos correndo, nosso cérebro gera alertas para que nosso corpo e mente sejam preservados. A vulnerabilidade aumenta em certos grupos de risco: indivíduos que vivem sozinhos, e aqueles com níveis de educação mais baixos e, por consequência, menos recursos para detectar as inverdades.

Ataques de pânico, fobias, transtornos obsessivo-compulsivos, perda de memória podem afligir você, mas coisas ainda mais surreais são possíveis. Num dado ponto, a mente da pessoa exposta a grandes volumes de desinformação que trazem “provas” de como sua vida ou país estão ameaçados vão fazer com que seu cérebro “produza” verdades para justificar aqueles comportamentos. Você vai acreditar nas mentiras que você mesmo criou (ainda que inconscientemente)

O impacto emocional é devastador, especialmente quando sua dieta de “mentiras” gera indignação, medo e afins, e não raro, leva a comportamentos extremos como suicídio ou tentativas de homicídio. E não pense que isso só ocorre com quem já tinha distúrbios anteriormente: pessoas completamente sãs podem se deixar levar pelo caráter “identitário” das mensagens e começar a interagir com elas mesmo sem perceber.

Isso não é coincidência. Os agentes de desinformação contam com algumas características quando produzem seu conteúdo. Informações que causem medo ou incerteza vão pegar você em níveis subconscientes, onde as chances de você conseguir raciocinar e separar o joio do trigo são muito menores. Além disso, o caráter de emergência daquelas notícias (como por exemplo que um exército inimigo está para entrar na sua cidade ou que os adeptos de uma religião diferente da sua estão montando milícias para te atacar) aumenta sua disseminação exponencialmente. E mesmo que você se dê conta de que aquela notícia era falsa e mande uma a seguir com a correção, somente uma fração das pessoas que viram a mensagem de alerta vai ver a correção. Ah, sim: os canais mais comuns de disseminação de desinformação são os messengers criptografados como WhatsApp ou Telegram, vindos de grupos familiares.

“Mas eu sei diferenciar quando é mentira ou não”. Não, você não sabe. Na verdade, se você acha isso, segundo alguns estudos, você está mais suscetível a acreditar em fake news do que a pessoa cética, que não acredita imediatamente em nada. Especialmente em situações de pressão social – como a participação em uma comunidade religiosa manuseada por um partido ou agrupamentos de estudantes fervorosamente dedicados a um espectro político. A grande maioria dos participantes da rede de disseminação não tem escolha, na verdade, porque a combinação de atitudes inconscientes com manipulação repetitiva de mensagens cria uma armadilha da qual é difícil escapar.

Nos últimos anos, especialmente após a pandemia (e a duas campanhas presidenciais venenosas), é provável que você tenha sentido algum dos sintomas acima. Se for o caso, existem formas de se cuidar. A primeira é procurar orientação médica e ser bastante franco com sua médica(o) para tentar chegar à causa do problema. A segunda é tentar se informar com publicações de opiniões diferentes, mas que sejam sabidamente sólidas (num exemplo bem simples, ler a Folha e o Estadão). Evitar o isolamento e seguir as recomendações para uma vida saudável – alimentação, exercício, hidratação – ajudam a saúde no geral e certamente fazem diferença na sua condição.

E quando você disser que ficou “doente de raiva” daquele candidato ou político, lembre-se: há uma boa chance de que você possa estar doente de verdade.

Cassiano Gobbet

Cassiano Gobbet

Jornalista, vive na trilogia futebol, tecnologia e (anti) desinformação. Criador da Trivela, ex-BBC, Yahoo e freelancer em três continentes. Você o encontra no Twitter, Bluesky ou por aí.

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