Vai nos libertar da masmorra opressiva da moeda fiduciária! Mas criminosos e policiais corruptos a usam para fazer coisas terríveis! A moeda digital geralmente só aparece para o público geral quando vira notícia. Porém a sua característica menos conhecida e mais promissora é o sistema de contabilidade chamado “blockchain”.
Mas o que diabos é isso?
O básico do blockchain
O blockchain é uma plataforma digital simples para gravar e verificar transações, para que outras pessoas não possam apagá-las mais tarde – e qualquer um pode vê-las. “Você pode pensar no blockchain como um registro onde você só pode adicionar. Você só consegue escrever nele, não pode apagar nada”, disse Peter van Valkenburg, diretor de pesquisa da Coin Center, ao Gizmodo.
Mas é o que o blockchain não tem é o que o torna controverso e propenso a animar a ganância dos capitalistas de risco. Ferramentas de contabilidade geralmente exigem um contador, mas com o blockchain, não precisamos de um contador chefe. É uma planilha descentralizada, apoiada pelos usuários, que usa a criptografia ao invés de uma autoridade central.
Entusiastas fervorosos da criptografia, nunca muito ambivalentes, dizem que a tecnologia de blockchain, criada para sustentar o bitcoin, tem um potencial genuíno de mudar a dinâmica do poder no setor bancário, na política, na internet e em todas as áreas onde as autoridades, bem, autorizam as coisas. Os críticos vêem isso como irremediavelmente impraticável ou como um rápido caminho para um futuro infernal impiedoso e anárquico.
Mas como funciona exatamente?
O blockchain é projetado para tornar as transações seguras e confiáveis, mesmo se as pessoas que as fazem não confiarem umas nas outras.
A matemática blockchain de Satoshi Nakamoto, considerado um dos criadores da tecnologia, é uma solução para um famoso quebra-cabeça da teoria dos jogos chamado Problema dos Generais Bizantinos, no qual os oficiais do exército planejam um ataque, mas eles estão preocupados com traidores no meio deles. Não acredite em ninguém! Mas, claro, um exército precisa se comunicar para lançar um ataque. Portanto, o general precisa encontrar uma maneira de transmitir uma mensagem de maneira que não possa ser sabotada.
É aí que entra o blockchain. Toda vez que você faz uma transação no blockchain, essa transação é enviada para muitos pontos na rede bitcoin. Basicamente, todos que participam do processo bitcoin também possuem uma cópia desse registro e podem verificar inconsistências. É um registro em conjunto. A ordem das transações também é verificada por um processo criptográfico que depende do poder computacional combinado de muitos. Então, se você tentar registrar uma transação falsa, você será pego – porque os usuários do bitcoin podem rastrear quaisquer alterações e transações que acontecem.
O Bitcoin.org resume isso muito bem em sua introdução ao bitcoin:
O blockchain é um registro público compartilhado no qual toda a rede bitcoin se baseia. Todas as transações confirmadas são incluídas no blockchain. Dessa forma, as carteiras de bitcoin podem calcular seu saldo disponível e novas transações podem ser verificadas como sendo bitcoins que são realmente de propriedade do remetente. A integridade e a ordem cronológica do blockchain são asseguradas pela criptografia.
Existem diferentes tipos de blockchains, com diferentes graus de complexidade, então a matemática da criptografia é sempre diferente. Mas o princípio geral – um grupo descentralizado de máquinas capazes de verificar as transações – é o mesmo.
A ganância das multidões
A ideia de um registro compartilhado não é nova, mas Satoshi trouxe uma inovação – os membros da comunidade são incentivados a verificar as transações porque ganham bitcoins por seus esforços. As pessoas que já estão “minerando” (ou emprestando capacidade computacional para as operações) o bitcoin são selecionadas para que suas máquinas se juntem ao blockchain e verifiquem que nada de errado está acontecendo.
“Mineradores” de bitcoin usam o poder de seus computadores para resolver quebra-cabeças; se eles resolvem corretamente um quebra-cabeça, eles recebem uma parcela de bitcoin como prêmio. Para que a tecnologia blockchain funcione, a comunidade bitcoin precisa do inteligente programa de incentivo de Nakamoto. Se você quiser minerar o bitcoin, você precisa usar um pouco de poder computacional para verificar o blockchain quando for a sua vez. As regras do blockchain são incorporadas ao software de mineração para garantir que os mineradores verifiquem o registro quando for a vez deles.
É o tipo perfeito de crowdsourcing para os fãs libertários da criptografia, porque é inteiramente baseado no interesse próprio.
As transações são verificadas com frequência e, depois de verificadas, são estabelecidas e guardadas digitalmente. As pessoas encontraram todos os tipos de maneiras diferentes de usar o bitcoin para esquemas ilegais, ou hackear plataformas de criptomoedas. Mas nenhum deles conseguiu destruir sua base, o blockchain.
Isso não quer dizer que é infalível. A Interpol e a Kaspersky Labs apresentaram pesquisas sobre como as pessoas poderiam teoricamente inserir malware em transações blockchain. Isso é uma notícia brutal para os apoiadores do blockchain, já que o ponto principal é que a criptografia é sólida o suficiente para que você não precise confiar em ninguém.
De Satoshi à Samsung
Com o bitcoin, a tecnologia blockchain é usada para transferir dinheiro. Mas tem o potencial de fazer muito mais: funcionaria para qualquer processo de verificação, e pode até mesmo ser usado como uma ferramenta de comunicação. É por isso que empresas, investidores e fãs da criptografia estão começando a ver usos potenciais para os blockchains em todos os lugares.
Seus defensores dizem que a tecnologia blockchain poderia revolucionar os sistemas de votação e tornar os cartórios e bancos redundantes, embora ainda estejam nos estágios iniciais de transformar suas idéias em realidade. A tecnologia está longe de estar pronta para uma aplicação tão generalizada. Mas empresas estão trabalhando em aumentar a gama de usos para a criptografia.
A IBM e a Samsung já estão desenvolvendo uma base em blockchain para produtos da internet das coisas chamado ADEPT. Essas empresas estão adotando o conceito de registro central e transformando-o em uma maneira de ajudar os dispositivos a se comunicarem de maneira barata. Outros projetos, como o Ethereum e o Ripple, pegam a ideia do blockchain e também usam o conceito para uma ampla gama de aplicações.
Entusiastas falam de uma lista imensa de usos: microfinanças, registro de veículos, autorizações de armas, testamentos, dados de genoma, boletins, DRM – tudo isso seria mais seguro se os blockchains fossem usados para verificá-los.
O ADEPT ainda está em estágios iniciais, e usa uma criptografia mais complicada do que o blockchain original usado no bitcoin, mas é um exemplo de como as empresas estabelecidas estão tentando capitalizar o conceito.
Como acontece com todas as novas tecnologias com grandes intenções, muitas startups estão aparecendo. O Namecoin é basicamente uma alternativa baseada no blockchain para o (péssimo) sistema de registro de domínio da ICANN, e planeja fornecer serviços de cartório no futuro. Van Valkenberg gosta especialmente da BitMesh, uma startup de blockchain que quer ajudar as pessoas a venderem sua banda larga extra estabelecendo redes que servem como mercados locais e alternativas a usar somente grandes provedores, e é fácil enxergar o porquê: Se a BitMesh conseguir fazer do seu conceito uma realidade, daria às pessoas uma maneira melhor e mais barata de compartilhar os custos de internet.
Cadeia de tolos ou cadeia de ouro?
Há uma razão pela qual as pessoas usam bancos, contratam advogados e vão ao cartório para garantir que seus documentos sejam legítimos. A sociedade é organizada em torno da ideia de que existem autoridades que podem ser confiáveis. E sim, as pessoas são falíveis e as empresas regularmente têm enormes falhas de segurança usando os modelos atuais. Mas esvaziar a autoridade das figuras centrais e confiar totalmente em uma solução matemática desenvolvida por um pseudônimo que é mais um símbolo do que uma pessoa, também é bastante aterrorizante.
Isso não quer dizer que os projetos nos quais os apoiadores do blockchain estão trabalhando não possam ter sucesso, ou não deveriam ter sucesso. Eles estão procurando maneiras de melhorar as coisas. No mundo ideal controlado pelo blockchain, nós viveríamos em uma sociedade em que a fraude seria impossível. Mas é importante ter ideia de quanta fé o mundo coloca nas máquinas em vez de botar fé na humanidade.
Arte do topo por Tara Jacoby