O que há por trás do vazamento do LulzSec e do Anonymous sobre a Operação Satiagraha?

Depois de muitos ataques inofensivos, os dois principais grupos hackers da atualidade, Anonymous e LulzSec, avisaram que divulgariam um enorme vazamento da Polícia Federal no Brasil. No último fim de semana, colocaram no ar um site com boa parte dos documentos gerados pela Operação Satiagraha e pelo então delegado Protógenes Queiroz, hoje deputado federal por […]

Depois de muitos ataques inofensivos, os dois principais grupos hackers da atualidade, Anonymous e LulzSec, avisaram que divulgariam um enorme vazamento da Polícia Federal no Brasil. No último fim de semana, colocaram no ar um site com boa parte dos documentos gerados pela Operação Satiagraha e pelo então delegado Protógenes Queiroz, hoje deputado federal por São Paulo. Estaríamos finalmente diante de um caso de hackers desmascarando governos através de suas habildades, como sempre pedimos? A história é bem mais complicada que isso.

Aparentemente, os documentos não foram obtidos por nenhuma brecha da Polícia Federal. Nada de ataques, senhas crackeadas e coisas do tipo. Os arquivos vieram de um pendrive do delegado Protógenes — um Kingston de 8GB, se você quer saber. Esse dispositivo, inclusive, já foi fonte de informação para diversos jornais e há informações de que boa parte da mídia teve acesso ao conteúdo há meses. O Estadão, por exemplo, já utilizou informações do vazamento muito antes de eles se tornarem públicos. E em fevereiro de 2011, trechos dos documentos foram publicados no site Golpe Abaixo da Cintura (atualmente fora do ar). Como Protógenes “perdeu” seu pendrive e o deixou cair nas mãos de jornalistas, e agora de hackers, ainda é um mistério.

Rápida contextualização para lembrar e entender a Operação Satiagraha: em 2008, uma enorme operação da Polícia Federal causou a prisão do banqueiro Daniel Dantas, do grupo Opportunity, do ex-prefeito de São Paulo, Celso Pitta, do investidor Naji Nahas e de mais um punhado de engravatados que, a se guiar pela investigação de Protógenes, estavam envolvidos em negócios escusos que iam de privatizações combinadas a evasão de divisas para paraísos fiscais, contando para isso com a corrupção ativa e passiva de políticos graúdos e jornalistas.

Porém, no mesmo ano, todas as provas obtidas durante quatro anos foram anuladas. Protógenes foi acusado de grampos ilegais nos envolvidos, e uma série de erros nos documentos colaboraram para que o material apresentado pelos hackers fosse desconsiderado pela Justiça. Protógenes acabou saindo da Política Federal e foi condenado no fim do ano passado por crimes como abuso de poder e fraude processual. No mesmo mês, com 91 mil votos, foi eleito para o cargo de deputado federal por São Paulo, conseguindo a vaga através do quociente eleitoral da chapa e os votos de candidatos como Tiririca.

Mesmo com o caso congelado, e com parte da mídia já tendo acessado tais documentos, surge a dúvida: por que o vazamento foi pouco comentado pela mídia? Trata-se de dois dos principais grupos hackers do mundo vazando dados concretos da Polícia Federal diretamente para o público, com um site acessível e prático. Apenas Terra e Folha, em notas rápidas no online, falaram sobre o assunto. Por quê?

Provavelmente por causa do conteúdo.

O conteúdo

Protógenes agrupou incontáveis áudios, fotos, documentos e informações do caso em seu pendrive vazado. Há incontáveis menções a jornalistas de diversos veículos, como Veja, IstoÉ, Folha e Carta Capital. A paranoia de Protógenes com a mídia rende pastas específicas para a jornalista Andrea Michael, da Folha de São Paulo, que o delegado tentou prender alegando que ela vazava informações da Operação para defender Dantas. Em um áudio, consultores da Opportunity citam uma jornalista confiável que estaria colaborando ao repassar informações, mas não há citação de nomes.

Há ainda um áudio de uma possível conversa entre Daniel Dantas e uma jornalista não identificada (que, segundo o nome do arquivo, seria Elvira Lobato, também da Folha), pedindo que o assunto fosse abafado aos poucos, que recebesse uma cobertura por cima, por receio da retaliação de seus inimigos. Ele cita Diogo Mainardi, o recuo da Veja no caso e pede o mesmo para a jornalista. Em outro dos grampos considerados ilegais, envolvidos discutem de que “lado” Mainardi e Lauro Jardim, da Veja, estariam.

Nos inquéritos (que provavelmente foram escritos pelo próprio Protógenes) há diversas incongruências entre análise de conteúdo e conclusão. Os tais “delírios” de Protógenes seriam uma das razões para a anulação das informações. As práticas utilizadas pelo delegado também. Raimundo Rodrigues Pereira, jornalista da revista Retrato do Brasil, escreveu longo texto sobre Protógenes na Piauí de setembro de 2010, e deu detalhes de como as análises eram pobres:

Por exemplo: [Protógenes] desconfia da existência de um pagamento em paraíso fiscal para o ex-ministro José Dirceu. E justifica a suspeita com a interpretação da transcrição de um grampo de um sócio de Dantas, Humberto Braz. Este último fala com um “Giba” – e Protógenes acha que é Gilberto Carvalho, secretário do presidente Lula. Na conversa surge o nome de Andréa – ela se transforma em Andréa Michael, da Folha de S.Paulo, que o delegado queria prender. Na transcrição, aparece também o pagamento em nome de um “ele” e uma “conta curral”. O “ele” vira José Dirceu – porque Protógenes supôs que “conta curral” é um termo cifrado para um pagamento no exterior.

Só que o delírio é inspirado por uma transcrição malfeita. O que se diz na gravação não é “conta curral”; é Ponta do Curral, um local no sul da Bahia onde Daniel Dantas e Braz tinham um projeto. Andréa não é a repórter; é o nome da secretária de Humberto Braz. O delegado vislumbra, ainda, junto com as quadrilhas de Dantas e de Nahas, uma quadrilha mais acima, sugerindo que se trata do Palácio do Planalto.

Esse conjunto de hipóteses sem fundamento só adquiriu credibilidade perante a opinião pública porque os procuradores e o juiz que as leram, ou deveriam ter lido, não se deram conta do seu absurdo. São hipóteses de fraudes homéricas. Se comprovada qualquer uma delas, estouraria um megaescândalo nacional, e mesmo global. E o delegado poderia, com muita razão, prender os culpados e expô-los à execração pública. Mas não se fez nada para efetivamente comprovar o valor dessa manada de suposições levianas ou mal-intencionadas. Lamentável é que, graças à ajuda da imprensa, esse trabalho ruim adquiriu ares de verdade.

Mas, independente dos erros, dos exageros e da visível teoria conspiratória  com pouco fundamento de Protógenes, é possível concluir que mídia e partidos — tanto de esquerda quanto de direita, principalmente PT e PSDB — estavam envolvidos até o pescoço no caso. Pela abrangência, não parece ser do interesse de muitos que tais dados cheguem ao grande público, ou que sejam reverberados e novamente analisados pela imprensa.

 

E os hackers?

Os hackers do LulzSec e do Anonymous, aparentemente, não tiveram que agir como hackers — derrubando e fuçando sistemas — para encontrar tais informações. A coisa é bastante nebulosa. Como eles chegaram a elas? Não é curioso que a operação menos secreta da história da PF Brasileira tenha sido o alvo? O caminho foi facilitado ou o conteúdo já estava escondido nos confins da internet? E qual o objetivo do vazamento neste momento? Quando colocou o site no ar, o LulzSec disse que “a caixa de Pandora estava aberta”, mostrando o que “as Organizações Globo escondem”. Mas, até agora em nossas análises, o conglomerado de mídia não aparece nos documentos.

O mais irônico? Uma das maiores bandeiras dos cyberativistas é o fim do “vigilantismo” da internet, tendência maligna que estaria representada, no Brasil, pela tal Lei Azeredo. Pois bem, talvez sem o devido conhecimento, eles escolheram para o “vazamento” justamente uma operação que contou com escutas ilegais e contratação de 60 agentes da Abin e foi classificada como “a apuração de um método, próprio de polícia secreta, empreendido sob a égide da Constituição, mas à margem das mais comezinhas regras do Estado democrático de Direito” pelo juíz Ali Mazloum, da 7ª Vara Criminal Federal em São Paulo, que condenou o ex-delegado.

O “pendrive de Protógenes” continua no ar neste link, e nós continuaremos analisando o conteúdo, acompanhando a repercussão na imprensa e tentando entender qual o verdadeiro papel do LulzSec e do Anonymous no caso. Se você estiver disposto a decifrar o que tem nos arquivos e achar provas concretas de corrupção e envolvimento da mídia, para além das elocubrações do ex-delegado, mande dicas pra gente.

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