A OMS acaba de declarar guerra à gordura trans

A Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou um plano abrangente para eliminar ácidos graxos trans produzidos industrialmente do suprimento global de alimentos até 2023. É uma boa ideia — mas o objetivo de cinco anos pode ser ambicioso demais. • O ebola está de volta — por que ainda não temos uma cura para ele? • Empresa […]

A Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou um plano abrangente para eliminar ácidos graxos trans produzidos industrialmente do suprimento global de alimentos até 2023. É uma boa ideia — mas o objetivo de cinco anos pode ser ambicioso demais.

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O plano, chamado de REPLACE, pede que governos globais eliminem o uso de gorduras trans industrialmente produzidas, também conhecidas como óleos parcialmente hidrogenados (PHOs, na sigla em inglês), nos próximos cinco anos. É um próximo passo lógico, considerando que muitas jurisdições, particularmente aquelas em países mais ricos, já tomaram medidas parecidas — mas o desafio agora será em fazer com que países de baixa e média rendas sigam o exemplo, uma tarefa mais difícil devido a alimentos e controles de segurança mais fracos.

As gorduras trans, que são produzidas quando o óleo vegetal se endurece em um processo chamado hidrogenação, podem ser encontradas em margarina, sorvetes, salgadinhos e biscoitos. A margarina era super popular nos anos 1970 nos Estados Unidos, sendo tratada como uma alternativa mais saudável à manteiga na época em que as gorduras saturadas eram, talvez injustamente, ligadas a doenças cardíacas. As gorduras trans também são usadas em algumas frituras por imersão e podem ser frequentemente encontradas em alimentos assados e processados.

O consumo de gordura trans aumenta o risco de uma pessoa desenvolver doenças cardíacas em 21% e o de morte prematura em 28%, segundo a OMS. Óleos parcialmente hidrogenados também levam ao aumento da inflamação e da disfunção endotelial, uma condição que precede a aterosclerose e o entupimento de artérias. Globalmente, cerca de 500 mil pessoas morrem todos os anos devido à doenças cardiovasculares causadas pela gordura trans. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA diz que uma redução no consumo de gordura trans evitaria, a cada ano, entre dez mil e 20 mil ataques cardíacos e entre três mil a sete mil mortes por doenças coronárias  nos Estados Unidos.

A indústria alimentícia diz que os óleos parcialmente hidrogenados aumentam a validade dos alimentos e que eles são mais baratos do que as alternativas, mas a OMS contesta ambas alegações.

“A OMS pede aos governos que usem o pacote de ação REPLACE para eliminar os ácidos graxos trans produzidos industrialmente do suprimento de alimentos”, disse o diretor geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, em um comunicado. “A implementação das seis ações estratégicas no pacote REPLACE ajudará a alcançar a eliminação da gordura trans e representará uma importante vitória na luta global contra as doenças cardiovasculares.”

Essas seis ações estratégicas são projetadas para garantir a “eliminação imediata, completa e sustentada” das gorduras trans industrialmente produzidas do suprimento global de alimentos:

REver fontes alimentares de gorduras trans produzidas industrialmente e a paisagem para a mudança política necessária.

Promover a substituição de gorduras trans produzidas industrialmente por gorduras e óleos mais saudáveis.

Legislar ou promulgar ações regulatórias para eliminar gorduras trans produzidas industrialmente.

Avaliar e monitorar o teor de gorduras trans no suprimento de alimentos e mudanças no consumo de gordura trans na população.

Criar conscientização sobre o impacto negativo na saúde das gorduras trans entre legisladores, produtores, fornecedores e o público.

E fazer cumprir as políticas e regulações.

Conversando com repórteres, Ghebreyesus disse que o anúncio desta segunda-feira marca a primeira vez que a OMS pediu a eliminação de um fator de estilo de vida significativo responsável por uma doença não transmissível.

Como apontado, alguns países praticamente eliminaram os ácidos graxos trans produzidos industrialmente, impondo limites à quantidade que pode ser adicionada aos alimentos embalados. Alguns países e jurisdições tomaram a iniciativa de impor proibições aos PHOs — a principal fonte de ácidos graxos trans produzidos industrialmente.

A Dinamarca foi o primeiro país a impor restrições à gordura trans, há mais de uma década, e, em 2015, a FDA (Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA) tomou medidas para eliminar os PHOs da oferta de alimentos americana até este ano. A cidade de Nova York decretou restrições há dez anos, e estudos sugerem que a medida já está trazendo resultado na forma de taxas reduzidas de doença cardiovascular — uma alegação que segue controversa.

“Proibir gorduras trans na cidade de Nova York ajudou a reduzir o número de ataques cardíacos sem mudar o sabor ou o custo dos alimentos, e a eliminação do seu uso em todo o mundo pode salvar milhões de vidas”, disse Michael R. Bloomberg, prefeito de três mandatos na cidade embaixador global da OMS para Doenças Não Transmissíveis, em um comunicado nesta segunda-feira. “Uma abordagem abrangente do controle do tabaco nos permitiu fazer mais progresso globalmente na última década do que quase todos imaginavam — agora, uma abordagem parecida em relação à gordura trans pode nos ajudar a fazer esse tipo de progresso contra doenças cardiovasculares, outra das principais causas do mundo de morte evitável.”

As gorduras trans parecem ser insalubres porque aumentam os níveis de lipoproteína de baixa densidade (LDL, ou colesterol “ruim”), que tem sido associado a doenças cardiovasculares, derrame e diabetes tipo 2. Ao mesmo tempo, as gorduras trans diminuem o colesterol da lipoproteína de alta densidade (HDL, ou “bom”), que tem o efeito benéfico de transportar o colesterol das artérias para o fígado para processamento. Enquanto isso, a ingestão de ácidos graxos insaturados diminui o risco de doenças cardíacas, compensando os efeitos negativos dos PHOs sobre os lipídios no sangue — as substâncias gordurosas encontradas no sangue, incluindo o colesterol e os triglicérides.

Em suas diretrizes, a OMS recomenda que as pessoas reduzam seu consumo total de gordura trans para menos de 1% de sua ingestão diária total de energia. Portanto, para uma dieta de 2.000 calorias por dia, isso não passa de 2,2 gramas de gorduras trans por dia.

As recomendações da OMS são exatamente isso: recomendações. Como Walter Willett, professor de epidemiologia e nutrição da Escola de Saúde Pública T.H. Chan, de Harvard, disse à CNN, a OMS não tem capacidade de execução, então os governos nacionais e locais terão que fazer o trabalho pesado em relação a isso.

“A indústria alimentícia não é monolítica. Algumas partes da indústria eliminaram a gordura trans proativamente, uma vez que a evidência ficou clara de que ela era prejudicial, mas outras partes da indústria provavelmente resistirão, a menos que sejam legalmente forçadas a remover gordura trans de seus produtos”, disse Willett à CNN. “No longo prazo, estou confiante de que a gordura trans industrial será eliminada.”

A eliminação de todas as gorduras trans manufaturadas industrialmente da oferta mundial de alimentos até 2023 é um objetivo ambicioso, talvez irrealista. Também é importante ressaltar que as gorduras trans naturais de mamíferos como vacas e ovelhas continuarão aparecendo em produtos alimentícios, como leite, manteiga e iogurte. Mas é bom ter um prazo, pois isso dá urgência. Como a OMS corretamente aponta, não há desculpa para continuar usando gorduras trans nos produtos. A questão agora é de vontade.

[World Health Organization]

Imagem do topo: Chmee2/Wikimedia

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