Strasbourg é uma cidade rica no leste da França, famosa pelos vinhos e cervejas produzidos numa área que já pertenceu aos franceses e aos alemães, hoje sede do Parlamento Europeu, da Corte dos Direitos Humanos e do Conselho da Europa. Não é famosa pelo seu futebol. Contudo, mesmo tendo uma área similar a Itaquaquecetuba (80km²), e uma população similar à de Limeira (290 mil habitantes), Strasbourg tem 80 clubes registrados na Federação Francesa de Futebol. Quem é mesmo o país do futebol?
Strasbourg fica numa região chamada Alsácia (que tem uma área pouco menor que o dobro do Distrito Federal, com 8000 km2). Num espaço de terra assim limitado estão registrados cerca de 566 clubes (segundo dados da FFF em 2018). Para efeito de comparação, em 2022 a CBF anunciou com pompa que o Brasil estava com os clubes “em alta”, com 1276 clubes registrados. No total, a França tem quase 19 mil clubes e 2.1 milhões de jogadores registrados.
Não precisa de ciência nem adivinhação para entender que a diferença está na federação em si. Enquanto a CBF mal consegue manter a Granja Comary, há quase três décadas a federação francesa investe nas divisões de base, treinamento de profissionais e ajuda os clubes a criarem os seus próprios jogadores. A França conta com uma vantagem “desonesta”: uma infinidade de jogadores oriundos de ex-colônias como Costa do Marfim e Argélia tenta a sorte na França, que é a nacionalidade mais “presente” nos Mundiais (em 2018, eram 60 os jogadores com passaporte francês no torneio).
A urbanização e a especulação imobiliária fizeram com que os “campinhos” do passado, onde os Pelés e os Zicos aprendiam a jogar bola, desaparecessem ou quase. Campos de tamanho oficial, em São Paulo ou RJ, são raríssimos, e quase todos ficam dentro de clubes com poucos milhares de sócios. O problema se reproduz em muitos lugares, mas na França, existe um cuidado por parte da federação para garantir que haja espaço para novos jogadores crescerem. Mbappé (PSG), Maignan (Milan), Pogba (Juventus) e Coman (Bayern) são todos nascidos em Paris. Ou seja: o problema não é insolúvel.
Strasbourg tem somente um clube na primeira divisão, mas na sua região metropolitana, existem mais de 100 campos públicos gramados com dimensões oficiais. A maior parte deles tem alguma forma de custeio dividida entre a FFF e a prefeitura (que é dona do estádio local usado pelo Racing Strasbourg, prestes a passar por uma maxi-reforma de R$511 milhões para deixá-lo 100% ecológico). As redes de ensino locais “conversam” com a federação e meninos (e meninas) que sejam notados pelos técnicos e professores entram no radar do sistema.
Strasbourg fica na divisa entre França e Alemanha. Se você pegar uma bicicleta no sábado ou domingo e cruzar o rio que separa os dois países (o Reno), vai notar que, no lado alemão, a paisagem de campos gramados oficiais não muda, mesmo com o lado alemão sendo muito menos populoso e rico do que o francês do outro lado do Rio e dezenas de ligas amadoras movimentam jogadores de todos os tipos, muito parecido com o que acontecia em São Paulo ou RJ até os anos 80.
Ao contrário do que acontece no Brasil, outros esportes têm também incentivo por parte do Estado e o reflexo se vê nas Olimpíadas, onde a França, com 67 milhões de habitantes, ganhou 33 medalhas contra as 21 do Brasil e seus 215 milhões de habitantes. Por conta disso (mas não só), o país vai receber uma Olimpíada em algumas semanas.
Todo menino brasileiro vai ter contato com futebol inúmeras vezes, enquanto uma fração terá a chance de conhecer outros esportes olímpicos, mesmo tendo sediado uma Olimpíada a menos de uma década (cujo legado está nas contas dos financiadores de campanhas políticas). Isso diz muito sobre o respeito que o povo francês exige do seu governo (porque respeito só se arranca na unha). Mas também explica muito porque o futebol francês vem tendo um desempenho com muito menos 7 a 1 do que o nosso.