A “pausa” no aquecimento global nunca aconteceu de verdade
Muito foi debatido nos últimos anos sobre a causa de um suposto “hiato” no aquecimento global – uma pausa no aumento geral da temperatura da Terra, devido ao resfriamento da superfície do Oceano Pacífico desde o começo dos anos 2000. O aquecimento global realmente parou?
Não é bem assim – a gente é que não estava olhando para o lugar certo. O calor extra da Terra passou os últimos 10 anos mergulhado nas profundezas dos Oceanos Pacífico e Índico.
Essa é a conclusão de um estudo conduzido por cientistas do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA que foi publicado na Science. O estudo, que examinou duas décadas de dados observacionais, oferece evidências bastante fortes de que o maior oceano da Terra vem redistribuindo calor desde 2003.
Além disso, um artigo científico publicado na Nature Climate Change usou dados observacionais e modelos para demonstrar o aumento do transporte de calor do Pacífico para o Índico ao longo da década passada. Pelo menos uma dúzia de outros estudos científicos chegaram à mesma conclusão: a forma como os oceanos da Terra processam o calor está mudando.
A camada superior de 100 metros do Oceano Pacífico foi resfriada, mas isso foi compensado com o aquecimento de camadas de 100 a 300 metros tanto no Pacífico quanto no Índico, que, juntos, representam 40% da superfície do nosso planeta.
A temperatura média global da superfície dos oceanos vem aumentando desde 2003 em 0,001ºC por ano, de acordo com o Painel Intergovernamental de Mudança Climática. O aumento dessa temperatura é notoriamente mais lento do que os 0,006ºC registrados anualmente desde 1880. Cientistas passaram os últimos anos tentando entender se esse hiato era resultado de uma redistribuição de calor pelo oceano, ou uma absorção global do calor na superfície do oceano.
Mas um cenário mais provável surgiu recentemente. Estudos de modelos mostraram que o resfriamento da superfície do Pacífico provavelmente é equilibrado por um aquecimento mais rápido nas partes mais profundas dos oceanos Pacífico e Atlântico.
Esse novo estudo da Science, no entanto, é o primeiro a incluir uma análise compreensiva dos dados do mundo real coletados ao longo das duas últimas décadas. Da mesma forma que acontece em estudos de modelagem, as descobertas dos pesquisadores apontam para uma redistribuição do calor que está na superfície para o fundo do oceano. Juntos, os oceanos e a atmosfera da Terra continuaram absorvendo calor à mesma taxa desde 2003:
Estimativas observacionais oferecem um meio mais preciso de avaliar as mudanças da temperatura oceânica e mostram sinais claros de décadas que são robustos em todas as análises distintas e claramente significativa em relação a erros de observação. Nossas descobertas suportam a ideia de que a interação Indo-Pacífica na água superior (0 a 300 metros de profundidade) regulou a temperatura da superfície global ao longo das duas últimas décadas e pode ser totalmente responsabilizada pelo hiato recentemente observado.
Além disso, como anteriormente mostrado em flutuações interanuais, o hiato de uma década iniciado em 2003 é resultado de uma redistribuição de calor pelo oceano, em vez de uma mudança na taxa de aquecimento líquido.
O debate científico sobre o aquecimento global acabou há muito tempo: em 2013, um relatório compilado por 259 cientistas de 39 países afirmava ser “extremamente provável” – com 95% de certeza – que o aquecimento global é causado pelo homem.
Equívocos sobre o “hiato”, no entanto, continuam dando corda para um debate político nem um pouco científico, que envolve parlamentares e governantes do mundo inteiro. Esperamos que, com a solução desse enigma, podemos deixar isso de lado e nos preparar para reduzir as emissões de combustíveis fósseis e também para um futuro mais quente.
Foto por Sergio BR/Flickr; imagens por NASA Earth Observatory