Em janeiro e fevereiro deste ano, dois peixes-remo foram encontrados mortos na Ásia — mais especificamente na Tailândia. Meses antes, Taiwan, outro país asiático, enfrentou um terremoto de magnitude 7,4, em abril, deixando nove mortos e mais de 900 feridos. Mais uma vez especulou-se o “mito do peixe-remo”. Coincidência? O Giz Brasil ouviu um especialista e explica essa lenda. Acompanhe.
Lenda japonesa
Segundo uma lenda japonesa, o avistamento de um peixe-remo está relacionado a fenômenos naturais como terremotos, tsunamis ou ciclones, por exemplo. Algumas pessoas acreditam que os animais da espécie sobem à superfície antes de um tremor iminente.
Vale observar que os animais vivem em águas profundas, de cerca de 200 a mil metros abaixo da superfície do oceano. Além disso, outras de suas características são ossos grandes, pele viscosa de cor prateada, ausência de escamas, barbatana dorsal avermelhada e boca pequena e saliente. Eles têm cerca de três metros de comprimento, mas podem passar de 10.
O mito se disseminou em 2011, após um animal da espécie aparecer na costa do Japão pouco antes do desastre de Fukushima. O megaterremoto seguido de tsunami provocou o derretimento de reatores nucleares da usina. No entanto, ele não tem base científica e se trata apenas de uma crença popular. Alguns registros, aliás, afirmam que a crença remonta, na verdade, do século 17.
Já apareceu no Brasil e não aconteceu nada
Embora as aparições do “peixe do fim do mundo” já tenham coincidido com alguns registros de terremoto, elas, muitas vezes, não precedem nenhum evento catastrófico. Em março deste ano, por exemplo, um pescador disse ter avistado um deles na praia de Jaconé, em Saquarema, no Rio de Janeiro. Porém, as opiniões dos especialistas divergem em relação à real espécie do animal, que pode se tratar de um peixe-unicórnio.
Até agora, não houve nenhum registro de abalo sísmico. Vale lembrar que terremotos no Brasil são raros, já que o país não está localizado em uma região de encontro de placas tectônicas.
O Brasil é diferente, por exemplo, do Chile, que está em uma das zonas de atividade sísmica mais intensas do mundo, aumentando as chances de coincidências relacionadas ao peixe-remo, como em 2022. Além disso, o país ainda está no encontro das placas tectônicas de Nazca e da placa sul-americana.
É diferente também, aliás, do Japão, localizado entre quatro placas tectônicas (Pacícifo, Filipinas, Eurásia e Norte-Americana).
Por que a lenda do peixe-remo não é real?
De acordo com o biólogo e oceanógrafo Marcelo Melo, coordenador do DEEP Lab (Laboratório de Diversidade, Ecologia e Evolução de Peixes), do Instituto Oceanográfico da USP (Universidade de São Paulo), que estuda peixes de oceano profundo, os peixes-remo são uma espécie difícil de ser vista, mas amplamente distribuída em todos os oceanos, inclusive no Brasil.
Segundo disse ao Giz Brasil, é normal que, em caso de terremotos, os animais mudem seu comportamento. Isso pode levar peixes de águas profundas à superfície — algumas vezes, inclusive, já mortos ou desorientados. No entanto, isso não significa que haverá um fenômeno natural.
“Quando acontece um terremoto muito forte, seguido de tsunami, é natural que os organismos marinhos também sejam afetados. No caso dos organismos de profundidade, as ondas causadas pelo terremoto podem desorientar e até matar organismos. Isso acontece com peixes, crustáceos, lulas, e, até mesmo os cetáceos. Uma onda de um terremoto causado pela tectônica de placas ou explosão de um vulcão gera muita quantidade de energia. Então, existem registros de organismos de mar profundo que apareceram mortos na praia após tsunamis. Às vezes, antes de grandes terremotos acontecem pequenos tremores que podem alarmar aves e mamíferos, que mudam o seu comportamento e entram em estado de alerta”, explicou ao Giz Brasil.
No caso dos peixes-remo, por exemplo, não existe explicação definida para esse comportamento, que foi registrado em algumas ocasiões. Porém, devido ao seu tamanho, eles podem chamar a atenção das pessoas mais do que outros peixes.
“Ninguém sabe ao certo porque eles se deslocam de águas mais profundas para a superfície e vão encalhar nas praias. É um comportamento relativamente raro, mas existem vários registros em diferentes partes do mundo. Provavelmente são indivíduos moribundos carregados por correntes marinhas. Alguns chegam a nadar com a cabeça fora da água. Podendo chegar até 11 metros de comprimento, o peixe-remo Regalecus glesne é um dos maiores peixes ósseos existentes, então chama a atenção das pessoas. Mas, é normal aparecerem peixes, golfinhos, baleias, tartarugas, aves, etc, mortos na praia… acontece direto, até mesmo com espécies raras”, completou.
Para Melo, a origem da lenda é apenas parte da cultura japonesa, que tem outros monstros causadores de desastres naturais, como o Namazu, por exemplo.
“Os povos originários do Brasil também tinham diversas lendas, como o Ipupiara (uma espécie de demônio d’água que levava os pescadores), e o M’boi (um deus em forma de serpente que criou o rio Iguaçu e as cataratas). Infelizmente, essas culturas originárias sucumbiram e foram substituídas pelas dos colonizadores, como a Cuca e o Saci Pererê pelo Lobisomem e o Halloween”, diz.