Pequenos e perigosos: atlas mapeia acidentes com escorpiões e ajuda na prevenção
Texto: Denis Pacheco/Jornal da USP
Aconteceu sem que ela percebesse. Uma turista brasileira, retornando da Europa, inadvertidamente trouxe um pequeno escorpião em sua mala de viagem para São Paulo. Desprevenida, ela não notou a presença do aracnídeo. O escorpião, agora um intruso em ambiente urbano e parte de uma espécie não nativa do Brasil, camuflou-se nas sombras da metrópole, representando o perigo oculto que pode surgir ao trazermos elementos selvagens para a cidade.
A história real acima foi descrita por Sérgio Cominato Ferraz, autor do Atlas escorpiônico de São Paulo, que é fruto de uma pesquisa de mestrado defendida na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP e orientada pelo professor Francisco Chiaravalloti Neto. O trabalho foi disponibilizado em formato de e-book gratuito pelo Portal de Livros Abertos da USP neste link.
Ferraz, que é biólogo no Lab-Fauna, o Laboratório de Identificação e Pesquisa da Fauna Sinantrópica da Prefeitura Municipal de São Paulo, conta que a pesquisa e o livro surgiram como “uma resposta a uma demanda urgente das Unidades de Vigilância em Saúde (Uvis)”, onde Ferraz, anteriormente gerente da Vigilância Ambiental de Parelheiros – distrito localizado na zona sul do município de São Paulo -, identificou lacunas no conhecimento e na infraestrutura disponível.
Ele ressalta a complexidade enfrentada pelas equipes de vigilância, que, sobrecarregadas com diversas responsabilidades, lutam para lidar eficazmente com o escorpionismo. “Quem trabalha nas Uvis não trabalha apenas com escorpiões, ele cuida da dengue, cuida da malária, febre maculosa, tudo toma muito tempo”, explica Ferraz, ao reforçar os desafios enfrentados por esses profissionais.
Por isso, o livro visa suprir essa brecha, oferecendo uma visão detalhada da situação do escorpionismo em São Paulo entre os anos de 2013 e 2018. Baseado em dados de notificações de escorpiões coletados pela Prefeitura de São Paulo e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), o atlas apresenta mapas e gráficos que delineiam a distribuição dos escorpiões e acidentes escorpiônicos ao longo do tempo.
Comparação de espécies de importância médica
Fonte: Atlas escorpiônico de São Paulo
Espécies de escorpiões mais encontradas na capital paulista
Fotos: Wikimedia Commons
Ao fornecer essa análise abrangente, o material pretende dar suporte às atividades das equipes de vigilância em saúde, capacitar profissionais da saúde e pesquisadores, além de orientar órgãos governamentais na implementação de medidas preventivas eficazes. “O trabalho mostra onde os acidentes com escorpiões aconteceram, o que a vistoria detectou”, sumariza ele.
Uma das características distintivas da obra é o foco na acessibilidade e utilidade prática. O biólogo enfatiza que, embora a Lei de Proteção de Dados impeça a exposição de informações privadas, os mapas fornecidos no livro oferecem uma compreensão geral da distribuição dos escorpiões, sem comprometer a privacidade dos cidadãos. “Os mapas dão uma noção geral de como se chegou a essa situação, como foi no passado.”
Considerando que os ataques de escorpiões atingiram um recorde histórico no Estado de São Paulo em 2023, com 49.381 casos registrados, de acordo com a Secretaria Estadual de Saúde, na opinião do biólogo, o Atlas escorpiônico de São Paulo não é apenas uma publicação científica relevante, mas também uma ferramenta importante na luta contra o escorpionismo.
Por fim, o especialista enfatiza a importância de disponibilizar gratuitamente o conteúdo do atlas no Portal de Livros Abertos. De acordo com Ferraz, o acesso gratuito é essencial para garantir que profissionais da saúde, pesquisadores e até mesmo a população em geral tenham acesso ao conhecimento necessário para lidar com o escorpionismo. “A ciência é feita para melhorar a vida das pessoas. Eu acho imprescindível que ela seja gratuita, de fácil divulgação”, defende.
O e-book pode ser baixado gratuitamente no Portal de Livros Abertos da USP neste link.
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