Pesquisadores do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP e da Universidade de Harvard desenvolveram uma bateria a partir de gelatina vegetal que pode ser utilizada na área da saúde sem riscos ao paciente, além de ser sustentável.
Revestida de silicone e feita à base de agarose, composto que pode ser extraído de algas marinhas, a nova microbateria é ideal para uso médico por ser “amplamente disponível, mecanicamente versátil, segura para consumo humano, estável à temperatura corporal e de baixo custo”, segundo comunicado do IQSC. Para se ter uma ideia, com apenas R$ 4 de agarose é possível produzir até 700 microbaterias.
As baterias convencionais, feitas de prata ou lítio, representam sempre um risco. Caso vazem dentro do paciente, elas podem causar perfuração do esôfago e intestino, além de graves queimaduras, explica Graziela Sedenho, doutoranda do IQSC e uma das autoras do estudo, em comunicado. Dessa forma, um substituto que pode ser ingerido sem riscos é mais do que bem-vindo.
Inicialmente, a ideia é que a tecnologia seja aplicada a uma nova linha de dispositivos em desenvolvimento que busca tornar exames tradicionais menos invasivos e mais precisos. Como exemplo, a microbateria poderia alimentar pílulas ingeríveis em exames de endoscopia e biossensores e microchips implantáveis, capazes de avaliar a flora intestinal, detectar bactérias e monitorar os níveis de glicose no sangue. No futuro, segundo o IQSC, a expectativa é que essas baterias possam ser utilizadas em equipamentos maiores, como marca-passos e aparelhos eletrônicos em geral.
Apesar de ser pequena e feita de compostos naturais, a microbateria consegue gerar cerca de 0,75 volts. Isso significa que, com apenas uma carga, ela é capaz de fornecer eletricidade para um biossensor ingerível por até 100 horas. Além disso, os pesquisadores afirmam que é possível ajustar a voltagem e a corrente elétrica facilmente de acordo com cada tipo de aplicação.
Como funciona
Para começar, os cientistas estudaram o desempenho de duas moléculas eletroquimicamente ativas compostas principalmente por carbono, nitrogênio e hidrogênio. Em parceria com os pesquisadores de Harvard, as moléculas foram sintetizadas e inseridas na gelatina, onde começaram a reagir e gerar eletricidade.
Para aplicações médicas, os cientistas tiveram que se certificar que as moléculas eram solúveis em água, quimicamente estáveis e com reação química reversível (ou seja, deveriam favorecer o carregamento e descarregamento da bateria). Sedenho explica que, no fim, eles superaram o maior desafio, que era desenvolver uma bateria com compostos químicos similares aos encontrados no corpo humano. A pesquisadora passou um ano em Harvard trabalhando no projeto com outros cientistas norte-americanos e teve sua pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
Os resultados do estudo foram apresentados no artigo “Non-corrosive, low-toxicity gel-based microbattery from organic and organometallic molecules” (“Microbateria à base de gel, não corrosiva e de baixa toxicidade, proveniente de moléculas orgânicas e organometálicas”, e, m tradução livre), publicado na revista britânica Journal of Materials Chemistry A. A nova microbateria é descrita como uma “bateria verde”, pois pode ser devolvida de volta à natureza, de onde se originam seus compostos.
Frank Crespilho, professor do IQSC e coordenador do estudo, afirmou no comunicado da instituição que a nova bateria já está pronta para ser fabricada e que algumas empresas já estão entrando em contato com os pesquisadores para viabilizar a tecnologia comercialmente. A partir desses resultados, os cientistas agora pretendem explorar a utilização de novos compostos cada vez mais baratos e abundantes, além de trabalhar no design e miniaturização da microbateria.
“Esperamos transferir essa tecnologia para a sociedade o mais breve possível. Já estamos recebendo contatos de algumas empresas visando sua comercialização, ou seja, ela está muito próxima da aplicação no dia a dia”, diz Crespilho.