Pesquisas preliminares publicadas esta semana descobriram que pacientes que tomam opioides para dores crônicas podem produzir anticorpos para os medicamentos, o que poderia ajudar a explicar alguns dos efeitos colaterais do uso de opioides a longo prazo.
Esses anticorpos também podem dificultar os esforços para criar vacinas a opioides, que os cientistas esperam que possam tratar o distúrbio e vício nessas substâncias de uma maneira mais efetiva do que os medicamentos existentes.
Pesquisadores da Universidade de Wisconsin-Madison e do Instituto de Pesquisa Scripps na Califórnia coletaram amostras de sangue de 19 voluntários que haviam tomado analgésicos opioides para dores lombares crônicas.
Em seguida, eles analisaram essas amostras procurando por anticorpos contra o opioides, expondo o sangue a proteínas que estavam ligadas aos opioides hidrocodona e oxicodona, comumente usados.
Em 10 desses pacientes, eles encontraram anticorpos específicos para opioides. Aqueles que recebiam uma dosagem mais alta de opioides tinham níveis mais altos desses anticorpos, enquanto três pacientes do grupo de controle que não estavam tomando opioides para suas dores não tinham nenhum ou níveis muito baixos.
Os resultados foram apresentados nesta semana na Reunião Virtual da American Chemical Society Fall 2020. Isso significa que os resultados são baseados em dados preliminares que ainda não passaram pela revisão de pares. O tamanho da amostra de 19 pacientes também é muito pequeno, portanto estas conclusões estão longe algo bem estabelecido.
Mas se comprovarem a existência dos anticorpos, dizem os autores, essa pode ser parte da razão pela qual as pessoas que tomam opioides podem desenvolver sintomas como a hiperalgesia, onde a sensibilidade de uma pessoa à dor se torna tão extrema que até mesmo sensações normalmente inofensivas se tornam dolorosas.
Uma teoria que os pesquisadores estão explorando é que os subprodutos metabólicos que vêm do consumo de drogas opioides podem se ligar aos carboidratos no corpo, criando coisas chamadas produtos finais avançados de glicação (AGEs). Estes AGEs têm sido ligados a condições inflamatórias crônicas como diabetes e artérias entupidas, que também envolvem o sistema imunológico.
“Pensamos que os anticorpos podem ser produzidos em resposta aos opioides que modificam algumas proteínas que já fazem normalmente parte do corpo. Assim, embora os anticorpos possam reconhecer os opioides, em alguns casos eles também podem reconhecer elementos de ‘si mesmos’, causando inflamação e dor adicional”, disse o autor do estudo Cody Wenthur, professor da Escola de Farmácia da UW-Madison, em um e-mail. “Estamos muito interessados em acompanhar este conceito por meio da identificação direta e determinação estrutural das proteínas modificadas.”
Os autores também especulam que estas respostas imunes nativas podem diminuir a eficácia das vacinas potenciais para o transtorno de uso de opiáceos. Alguns cientistas, incluindo os autores do estudo, esperam criar vacinas que possam induzir uma resposta temporária de anticorpos aos opiáceos que as pessoas tomam, sejam eles por meio de pílulas prescritas ou por drogas ilícitas.
Os anticorpos se apegariam às moléculas dessas drogas quando elas entrassem no sistema, bloqueando-as de entrar no cérebro e de causar os efeitos associados ao abuso de opioides, tais como uma euforia viciante.
Na teoria, essas vacinas poderiam prevenir melhor os sintomas de dependências do que outras drogas atualmente disponíveis, embora elas também pudessem ser usadas em conjunto com a atual terapia assistida por medicamentos.
No estudo, os voluntários produziram anticorpos IgM para opioides, que são anticorpos de curto prazo que normalmente duram algumas semanas. Mas as vacinas que esses pesquisadores e outros esperam desenvolver estão tentando produzir anticorpos IgG, que normalmente duram mais do que os IgM. A preocupação é que ter essa resposta nativa mais fraca tornará mais difícil para o corpo responder à vacina e produzir um exército de anticorpos mais eficaz.
As vacinas opioides não são universalmente vistas como uma boa ideia, com alguns defensores da redução de danos argumentando que os recursos necessários para desenvolvê-las deveriam ser utilizados para apoiar outras medidas para ajudar as pessoas que lutam contra o uso de drogas, tais como proporcionar moradia acessível e maior acesso aos tratamentos existentes.
Mas se os autores estiverem certos, para chegarmos ao ponto em que uma vacina contra o abuso de opiáceos seja eficaz será mais difícil do que o esperado. As tentativas anteriores de criar vacinas para a dependência da nicotina e da cocaína também fracassaram, embora por diferentes razões.
Wenthur e sua equipe não acham que estas descobertas afundarão a ideia de uma vacina para a dependência de opioides, no entanto. E ao estudar estes anticorpos mais de perto, os pesquisadores esperam entender melhor os efeitos do uso de opioides a longo prazo, bem como como desenvolver uma vacina de sucesso que avance.
“A possibilidade de gerar uma vacina opioide eficaz ainda está muito viva. Estes resultados destacam um possível desafio e uma oportunidade futura; a concentração de anticorpos anti-opioides na corrente sanguínea de uma pessoa antes da vacinação poderia ajudar a prever sua relativa sensibilidade à eficácia da vacina e talvez até ajudar a informar a dose de vacina que ela deve receber”, disse ele.
Wentur acrescentou que uma pesquisa relacionado a esse trabalho foi aceito por uma revista que fará o processo de revisão por pares e deve ser publicado em questão de semanas. Eles também planejam continuar estudando mais pessoas, inclusive aquelas sem histórico de uso de opiáceos, para validar suas descobertas.