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Planos de combate às mudanças climáticas em regiões costeiras ignoram desigualdades sociais, aponta livro

Políticas públicas de adaptação não priorizam localidades de periferia

Planos de combate às mudanças climáticas em regiões costeiras ignoram desigualdades sociais, aponta livro

Texto: Agência Bori

Highlights

  • Livro destaca a importância de fornecer proteção prioritária às pessoas mais vulneráveis aos eventos climáticos extremos
  • Obra reúne estudos sobre injustiças climáticas em regiões costeiras, relatos de experiências e análises de iniciativas
  • Políticas públicas de adaptação não priorizam localidades de periferia como Brasília Teimosa (PE), suscetível a inundações, e Vila Sahy (SP), atingida por fortes chuvas em 2023

No litoral brasileiro, a população mais pobre, que vive em áreas suscetíveis ao aumento do nível do mar, a inundações e a deslizamentos de terra, sentirá de forma mais intensa os impactos das mudanças climáticas. Por isso, as ações de adaptação e mitigação devem ter foco nessas comunidades – o que não acontece atualmente. É o que aponta o livro “Justiça Climática em Regiões Costeiras no Brasil”, organizado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), lançado na segunda (5).

A obra identifica, por exemplo, a vulnerabilidade da comunidade Brasília Teimosa, de Recife (PE), frente a uma maior recorrência de eventos climáticos extremos na cidade. Tradicionalmente ocupado por construções populares como palafitas, o bairro é apontado por políticas públicas municipais de adaptação às mudanças do clima como uma área que pode sofrer com erosões costeiras e inundações. Porém, os planos oficiais ainda carecem de metas eficazes para proteger a população local e garantir justiça climática – ou seja, o direito de habitarem o território com segurança, conservando suas tradições e cultura.

O livro começou a ser produzido em agosto de 2023, motivado por uma lacuna de informações sobre o tema no Brasil. Os organizadores acompanharam os desdobramentos de casos de  racismo ambiental evidentes após episódios de chuvas intensas, como as que atingiram o litoral de São Paulo no início de 2023. A obra foi concluída durante a ocorrência de outro evento climático extremo: as fortes chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul em maio de 2024. Além de relatos de experiências de injustiças climáticas na costa brasileira, o livro analisa a presença do assunto em documentos e planos para lidar com as consequências do aquecimento global em nível local.

O pesquisador da USP Pedro Henrique Campello Torres, um dos organizadores da obra, explica que os capítulos dão visibilidade aos casos de injustiça climática na zona costeira considerando os registros e denúncias da população e a proposição de alternativas. “O livro possibilita o fortalecimento de uma agenda que articule teoria e prática e que una atores acadêmicos e não-acadêmicos, como gestores públicos, povos e comunidades tradicionais e movimentos sociais”, afirma o especialista, que também ressalta a importância da publicação como aliada no planejamento de medidas de mitigação.

A publicação é organizada em sete capítulos escritos por 21 autores, com foco na demonstração de que os efeitos das mudanças climáticas são sentidos de formas diferentes e desencadeiam reações distintas para cada parcela da população. “O capítulo sobre a Vila do Sahy, em São Sebastião, São Paulo, exemplifica isso: passados seis meses da tragédia-crime que aconteceu na região, os territórios periféricos atingidos estavam ainda com escombros e marcas do evento climático, enquanto, na parte mais nobre, à beira mar, a realidade era oposta”, relata Torres.

Segundo o organizador, a produção do livro evidenciou a necessidade de ações institucionais que andem juntas com as demandas da sociedade. Conforme Torres, é preciso garantir uma maior participação da população na construção da agenda climática, “aproximando essas inovações da vida cotidiana e, principalmente, dos saberes locais e dos territórios”. Para o pesquisador, a população deve ser incluída nas diversas esferas da formulação e aplicação de iniciativas pró-justiça climática, desde o planejamento até a fiscalização. “Não existem políticas públicas para promoção dela sem a participação popular como centralidade”, conclui.

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