Não me lembro de outra ocasião onde uma aquisição bilionária entre dois gigantes da indústria pôde ser classificada como “pró-competição”. Mas foi assim que David Drummond explicou os 12,5 bilhões que o Google gastará comprando a Motorola Mobility – e faz sentido. A jogada foi feita antes de tudo para assegurar o futuro do Android, o sistema que ajudou a popularizar o smartphone e trouxe importantes inovações para os celulares. Com a guerra de patentes, o futuro do robô estava em risco. O Google percebeu isso e agiu. Agora, há vários caminhos possíveis pela frente, alguns arriscados. Mas qualquer que seja a trilha adotada, hoje é um dia feliz para a tecnologia.
A primeira análise da compra estampou manchetes apressadas de “Google finalmente entra no ramo de hardware.” Sobre esta premissa, alguns falaram que agora finalmente o Google poderia casar hardware e software intimamente, como a Apple, retirando o famigerado Motoblur e criando Androids mais refinados. Por essa lógica, parceiros como HTC, Samsung e Sony Ericsson estariam em uma posição desconfortável. Apesar de ser uma teoria sedutora que certamente redundaria em melhores aparelhos, o Google tratou de descartá-la, de forma indireta, em seus primeiros pronunciamentos.
O fato de as fábricas e expertise da Motorola em hardware pertencerem à estrutura do Google agora são uma fortíssima carta na manga que algum dia poderá ser usada. Mas ela passa longe de ser o ponto principal da compra. Se essa ideia fosse ser levada a sério, só poderíamos esperar que empresas parceiras que lucram com a fabricação de smartphones com Android reclamariam da “preferência”, e fossem desvalorizadas no mercado. Não é isso que parece acontecer, se analisarmos os comunicados das “concorrentes, como registrados pelos amigos do ZTop:
“As notícias de hoje são bem-vindas e demonstram o grande comprometimento do Google para defender o Android, seus parceiros e o ecossistema” – J.K. Shin, presidente da divisão de comunicações móveis da Samsung.
“O compromisso do Google em defender o Android e suas patentes é bem-vindo” – Bert Nordberg, presidente e CEO da Sony Ericsson.
“As notícias de hoje sobre a aquisição são bem-vindas e demonstram que o Google está profundamente comprometido em defender o Android, seus parceiros e todo o ecossistema” – Peter Chow, CEO, HTC Corp.
“Nós saudamos o compromisso do Google em defender o Android e seus parceiros” – Jong-Seok Park, Ph.D, presidente e CEO, LG Electronics Mobile.
“Nós não poderemos detalhar a estratégia legal hoje, mas estaremos em uma posição boa para proteger todos os parceiros”, explicou Drummond em um conference call mais cedo. “Eu falei ontem com os 5 principais fabricantes licenciados de Android, e todos eles se mostraram bastante entusiasmados com o negócio. O Android nasceu como uma plataforma open-source e não faz sentido pra gente virar uma única fabricante. Nós queremos ter o maior alcance possível”, deixou claro Andy Rubin, o pai do Android, hoje VP de mobile do Google.
Crescendo a passos largos e se estabelecendo, em termos de dominância, como espécie de Windows do mundo Mobile (bom, gratuito para fabricantes e com capacidade de abastecer uma ampla gama de aparelhos), o Android estava sendo atacado especialmente por Microsoft e Apple por patentes que as empresas que utilizavam o sistema estariam (de acordo com estes) violando. A cada rodada de leilão de patentes que o Google perdia, como o da Nortel, ficava mais difícil proteger o Android (verbo muito usado hoje) de possíveis processos. Pelos riscos de royalties e processos envolvidos, do jeito que a coisa andava, chegaríamos a um ponto onde adotar o sistema gratuito do Google seria algo mais caro que, por exemplo, o Windows Phone 7 – HTC que o diga. E o que o Google menos quer na vida é ver pessoas usando o Bing ao invés de Google.
A Motorola tem 12,5 mil patentes (e o negócio custou 12,5 bilhões. Curioso não?), e 7.500 em processo de registro, o que aprentemente é suficiente para proteger os fabricantes de Android. O negócio ainda tem que ser aprovado pelo FTC, órgão de proteção à concorrência dos EUA, e pelas comissões europeias de concorrência, mas a princípio é difícil achar motivos para temer que ele não o seja.
No conference call de hoje, o Google reforçou que a Motorola irá operar de maneira independente e que o Android continuará completamente aberto (o que significaria que a Motorola não teria privilégios, o que é algo bizarro). É claro que declarações são medidas para acalmar HTC, Samsung, Sony Ericsson e os outros parceiros. De novo: a lógica comum nos levaria a crer que estas empresas deveriam estar furiosas com o Google, temendo o futuro (como muitos analistas acreditam). Mas, ao menos em comunicados oficiais, isso está longe de ser verdade.
A ideia de que o Google privilegiaria a Motorola (inclusive na importante questão de updates) e poderia fazer dispositivos totalmente bem integrados como a Apple, ou Nexus realmente Nexus, só faria sentido se pensássemos o Google como um novo fabricante de smartphones. Coisa que ele não é e nem quer ser, mesmo com a aquisição. Acompanhe: quem faz o Android? O Google. Não é ele quem faz smartphones e tablets, mas empresas como Samsung, SE, LG, Asus e etc. Então, quem é o cliente do Google? Essas empresas? Eu e você? Nenhuma das anteriores. Os clientes do Google são anunciantes, e é deles que vem 97% do seu faturamento. E o principal produto do Google para estes clientes não é o Android, mas você. São as buscas que você faz através dele e o conhecimento que o Google tem sobre você através do seu comportamento no Android Market, no Gmail e no Google+, que ele vende para os seus clientes.
Neste sentido, o Android é melhor para o Google porque garante que você use mais todos os seus serviços – o Android é uma experiência googliana. Mas gente buscando no Google Maps e no Google em seus iPhones tá bão também, como diriam os mineiros. O Google não quer que a Apple morra, mas sim que o modelo de smartphones caros não seja o único.
O mercado de ações pode dizer o contrário hoje, mas a Apple não sofre exatamente com a compra. Posso estar bastante errado nisso (e intimamente eu gostaria de estar, de certa forma), mas o Google+Motorola não quer dizer que veremos o Ultimate Nexus com um hardware de ponta e software lindamente integrados tão cedo. Mas sim que os smartphones mais vendidos no Brasil como FlipOut, Galaxy 5, Optimus Me, X10 Mini e outros continuarão sendo relativamente baratos, por estarem defendidos de litígios com as patentes adquiridas. E mais gente podendo comprar smartphone mais baratos, de um sistema aberto e gratuito, de uma nova plataforma para inovação, é melhor não só para o Google, mas pra todo mundo.
Isso, é claro, é uma análise minha. O que pensam os nobres comentaristas? Discutam.