Por que as cobras têm “sangue frio”? Entenda como funciona a temperatura corporal desses animais
Reportagem: Aline Tavares/Instituto Butantan
Assim como outros répteis (e os anfíbios), as serpentes são conhecidas por terem “sangue frio” – ou, cientificamente falando, por serem ectotérmicas. Mas, diferente do que se imagina, isso não significa que elas estão sempre frias: o que acontece é que as cobras dependem do ambiente externo para regular sua temperatura corporal, pois não conseguem produzir calor suficiente sozinhas.
Por outro lado, os animais endotérmicos – aves e mamíferos (incluindo nós, humanos) – usam calor gerado internamente por reações metabólicas para manter sua temperatura estável, tanto no verão como no inverno, além de contarem com recursos fisiológicos, como transpiração ou tremor, que ajudam nessa regulação.
A temperatura corporal influencia diversos aspectos comportamentais e fisiológicos das serpentes, como locomoção, função imunológica, alimentação e crescimento. Elas buscam o calor para ativar a circulação, produzir hormônios e até para ajudar na digestão – por isso, são fãs de pegar um solzinho após o almoço.
Sem fontes de calor, as cobras não conseguem cumprir suas funções metabólicas. Assim, no inverno, tendem a ficar mais letárgicas e podem até evitar se alimentar, passando por um processo de dormência semelhante à hibernação dos mamíferos, chamado de brumação. Diferente dos amigos de “sangue quente”, que se alimentam bastante antes de hibernar, as serpentes podem brumar sem se nutrir. Elas ficam em locais expostos ao sol e reduzem o ritmo da respiração e dos batimentos cardíacos.
O oposto também acontece: quando está muito quente, a cobra pode se abrigar em um lugar fresco e entrar em um estado de dormência conhecido como estivação, que a ajuda a sobreviver às altas temperaturas.
O calor também dita a reprodução: muitas serpentes se reproduzem de acordo com a época do ano. Entre as espécies brasileiras, o acasalamento geralmente acontece no outono ou inverno, mas é somente na primavera que as fêmeas entram em período fértil. Elas armazenam o esperma masculino até que os óvulos estejam prontos para serem fecundados. Os filhotes costumam nascer no verão, época mais propícia para seu desenvolvimento, com clima favorável e maior disponibilidade de alimentos.
Algumas cobras, no entanto, desafiam “as leis da natureza” e conseguem produzir calor sozinhas. É o caso das mamães pítons e cascavéis, que elevam a temperatura interna do corpo em prol de seus descendentes. Enquanto a píton, ovípara, se enrola em seus ovos e vibra diferentes músculos para aquecê-los, a cascavel, vivípara, gera calor quando está prenhe para ajudar no desenvolvimento dos filhotes.
Referências:
https://www2.ifsc.usp.br/portal-ifsc/hibernacao-torpor-e-sono-distinguir-os-animais-que-de-fato-hibernam-daqueles-que-passam-por-um-estado-de-torpor-diario/
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4843938/
https://bioone.org/journals/south-american-journal-of-herpetology/volume-23/issue-1/SAJH-D-18-00081.1/Effects-of-Pregnancy-on-the-Body-Temperature-of-the-South/10.2994/SAJH-D-18-00081.1.full
https://bioone.org/journals/journal-of-herpetology/volume-47/issue-3/12-050/Revisiting-Python-Thermogenesis–Brooding-Burmese-Pythons-Python-bivittatus-Cue/10.1670/12-050.full
Essa matéria contou com a colaboração do biólogo e tecnologista do Laboratório de Ecologia e Evolução (LEEV) Fabiano Morezi.