Por que o futebol italiano não vai melhorar
O campeonato italiano era, sem dúvida, o mais forte da Europa até a virada do milênio. A sorte do país, contudo, foi condenada quando se revelou o maior esquema de arbitragem da história do esporte. De lá para cá, o país só tem quatro vagas na Liga dos Campeões por conta do poder político via Aleksander Ceferin e Gianni Infantino e afins, mas nenhum poder no mundo consegue ser mantido artificialmente por muito tempo. Os sinais estão aí. Vamos ver os que você pode ter deixado de prestar atenção.
Se você tem idade ou curiosidade o bastante, lembra do esquema de Calciopoli, de 2006. Uma longa e inescapável rede de influências fazia com que Luciano Moggi, então diretor esportivo da Juventus, controlasse da arbitragem aos destinos das contratações no país. Semanas depois da explosão do esquema, a Itália se sagrou campeã mundial ao bater a França em Berlim, e a investigação perdeu força até desaparecer. Fast-forward nesses 18 anos, a Juventus venceu nove títulos em seguida, a Inter seis, o Milan duas vezes, e o Napoli, uma – mas ninguém venceu na Europa. A quantidade de punidos no esquema foi de zero pessoas, e todas as sanções contra Moggi foram revogadas. Seu comentário sobre o assunto: “Ter poder não é crime”. Moggi ainda é a eminência parda no futebol italiano, ainda que não opere mais dando a cara para bater.
O presidente da Lazio, Claudio Lotito, é seu intermediário hoje, e o substituiu diante das câmeras. Não coincidentemente, a Lazio foi muito consistente no período, e pôde fazer contratações que não poderia sem a ajuda do establishment, como Milinkovic e Immobile. As milanesas tiveram altos e baixos, com a Inter conseguindo cinco títulos (quatro imediatamente após a “queda” momentânea de Moggi), e o Milan, fortemente redimensionado de 2010 para cá, por conta da perda de caixa que um decadente Berlusconi teve em função da perda de um processo que lhe custou quase €1 bilhão.
Você não vê, mas ainda hoje, os bastidores mandam muito mais do que o campo. Por exemplo: Inter e Milan querem fazer um estádio novo, mas o prefeito de Milão quer que o estádio de San Siro siga sendo a casa dos dois clubes, porque senão, a prefeitura terá um elefante branco que custa €50 milhões por ano. As negociações se arrastam porque os clubes sabem que não podem aceitar, ou ficarão eternamente em desvantagem contra os grandes europeus. Daí, quando o dono americano do Milan, Gerry Cardinale, bate o martelo e compra um terreno no subúrbio de Milão por €20 milhões, “coincidentemente”, o clube se acha numa investigação da federação italiana (a mesma que não puniu Moggi) acusando Cardinale de não ter notificado a mudança de propriedade do clube. Por mais surreal que pareça, no papel, isso poderia valer o rebaixamento ao clube. A construção do novo estádio sumiu da mídia, mas isso se deve ao braço de ferro entre o prefeito de Milão e os clubes.
A Inter, inegavelmente o melhor time na Itália hoje, se prepara para garantir o título enquanto o grupo chinês que é seu dono, segue em frenética busca por um sócio. A família Zhang é dona da maior empreiteira da China, mas está sob alta pressão do governo por conta de um endividamento gigante. Na prática, Zhang não tem dinheiro para pagar uma parcela do empréstimo para comprar o clube, e também de modo surreal, pode começar a temporada com o scudetto na camisa e à beira de um colapso financeiro (que, misteriosamente, pode ou não ser sanado por stakeholders italianos, caso haja necessidade, claro).
Na Europa, apesar da randômica chegada de Inter e Milan à semifinal da LC, e da participação interista na final, seu nível técnico é baixo a ponto da futura campeã (mais de 99% de chances) conseguir ser eliminada por um Atlético de Madrid médio. Os clubes italianos estão mantendo uma sobrevida por conta de um subsídio fiscal que permite contratações de jogadores vindos de outros países com um desconto de 50%. Exceção feita ao Milan (que está com cobertor curto há mais de uma década), quase todos os grandes italianos têm dívidas que no médio e longo prazo não são sustentáveis.
Por fim, a Itália. O governo de quase-extrema-direita do país está fazendo com que a economia seja a que mais cresce entre as grandes europeias. O bom resultado, contudo, bem à brasileira, está rolando por conta de uma mistura de subsídio estatal ao setor de construção e energia, onde o governo arca com quase 10% do valor da obra, pagos com títulos que estão sendo emitidos e que já elevaram o déficit do país em quase 10%. Some-se a isso uma avalanche de fundos vindos da União Europeia no pós-Covid (cerca de €250 bilhões em cinco anos) – o maior pacote de ajuda entre os 27 membros. Tradução: a Itália está vendendo o almoço de amanhã para pagar a janta de hoje.
Note que não há nenhum crime acontecendo além de tráfico de influências – que, como disse Moggi, não é crime no país. Todos os movimentos acima são legais. Ninguém quebrou a lei, segundo a justiça italiana. Apesar da melhora do nível técnico geral com a Juventus tendo de se redimensionar depois de uma década torrando dinheiro, o sistema Calcio não tem como se sustentar. O país fez zero de uma reestruturação fiscal que é crucial (o país pode entrar numa espiral de recessão antes do fim da década), há uma grande resistência para que o poder político no futebol continue na mão de italianos (e não de investidores de outros países). Isso, mais a atávica vocação para terminar tudo em pizza que se vê nos escândalos semestrais que eclodem no país (indo do problema de apostas de jogadores até a manipulação contábil que alguns chamam de “contabilidade criativa”) garantem que o poder maquiavélico italiano no background ainda dê as cartas, mesmo que para isso esteja assegurando uma grande crise futura. Esqueça a tática e preste atenção na política. Nenhum Gegenpress vai superar o poder que reina há dois milênios na península.
Point Blank
Campeão sob suspeita O dono do Napoli, Aurelio De Laurentiis, está sendo investigado por irregularidades na compra do atacante nigeriano Osimhen. ADL diz que a culpa é do ex-diretor Giuntoli (que trocou Napoli por Turim).
Il Potere… O Torino, que viveu a maior parte dos últimos 30 anos indo e voltando para a segunda divisão, tem sido estável na última década. “Coincidentemente”, isso se confirmou depois que seu patrono Urbano Cairo comprou o grupo dono da Gazzetta dello Sport e do Corriere della Sera com uma holding que detém os espanhóis Marca e El Mundo. Detalhe: a ascensão do Torino via Cairo faz parte de um projeto antigo de Luciano Moggi, que dizia (e ainda diz, até onde eu sei) que a Juventus precisa de uma rival local à altura para fazer frente às milanesas.
Dias difíceis No lado mais rico de Turim, o clube se livrou de punições maiores de uma irregularidade contábil e do apaziguamento de relação com a Uefa por ter apoiado a Superliga que até aqui, não vingou, mas vai acontecer (nada que tenha o fundo americano Goldman Sachs e €5 bilhões por trás pode dar errado).
Siamo tutti amici Gianni Agnelli saiu de cena depois de brigar com Aleksandar Ceferin, presidente da Uefa. Ceferin é padrinho da filha de Agnelli. Gianni Infantino, presidente da Fifa. Infantino recebeu a maior honraria esportiva italiana, o Collare d’oro al merito sportivo, em 2017, e a maior honraria esportiva russa, a Ordem da Amizade.