Por que a tecnologia é tão viciante, e como evitar o cansaço tecnológico
Nós vivemos rodeados por gadgets que exigem a nossa atenção, constantemente fragmentando nossa capacidade de manter o foco no que precisamos fazer. Mas conviver com a tecnologia não significa que precisamos viver um vício. Este texto é sobre como vencer o cansaço tecnológico.
Quando visitas vêm ao meu apartamento, geralmente chega um momento em que elas perguntam "espera aí, quantas telas você tem aqui?". Essa é a hora que eu proponho a brincadeira "Adivinhe quantas telas o Adam tem". Todo mundo tem receio de chutar muito alto, por isso sempre chutam menos. Além de ser meio ridículo, estar cercado por tanta tecnologia causa um problema: como se manter focado quando há tantas coisas ao seu redor projetadas para que você interaja com elas?
A maioria de nós não vai optar pelo tecnominimalismo e jogar fora metade dos nossos eletrônicos. Em vez disso, vamos primeiro analisar por que o cansaço tecnológico, o vício e outros problemas homem-máquina ocorrem. Depois a gente descobre junto como evitá-los.
O problema
Desenvolvendo um vício
Não é novidade que estudos estão descobrindo que videogames causam liberação de dopamina no cérebro. A dopamina tem suas utlidades, mas a que importa aqui é que ela é usada pelo cérebro como uma espécie de recompensa pelo que fazemos. Por exemplo: a dopamina é liberada quando nós comemos e fazemos sexo, porque o corpo considera que estas coisas são necessárias para a nossa sobrevivência enquanto espécie. Alguns tipos de jogos de videogame conseguem a proeza de fazer o nosso cérebro liberar a substância, assim como muita coisa que achamos estimulante. A Nicotina também causa liberação de dopamina, assim como a cafeína (de modo meio indireto).
Assim como os videogames, podemos desenvolver uma liberação de dopamina relacionada a muitos tipos de comportamento vicioso. Verificar emails é um em particular. Você pode não gostar de passar muito tempo lidando com a sua caixa de entrada, mas provavelmente pensa em verificá-la com bastante frequência. Quando você ouve aquele sonzinho (ou a vibração do smartphone), sabe que tem algo lá esperando por você. Para piorar as coisas, já que você não recebe emails em um intervalo fixo e nunca sabe se um email que chegou é algo que você quer, a sua curiosidade é ativada no exato instante que você ouve o som ou a vibração, porque você quer saber se aquilo que recebeu é algo importante ou uma perda de tempo.
Ná época em que estávamos presos pelos computadores de mesa, isso não era um problema tão grande. Primeiro porque a tecnologia não havia ainda se proliferado na sociedade no modo em que conseguiu atualmente. Mas principalmente porque não tínhamos mini computadores que podíamos levar no bolso (smartphones). Antes nós poderíamos verificar nossos emails em alguns momentos convenientes do dia. Agora estes pequenos multitarefas ficam pedindo a nossa atenção em qualquer lugar que estivermos. Nós temos mais oportunidades de interagir com a informação, então nós enfrentamos mais dois dilemas: filtrar uma sobrecarga de informação e usar a tecnologia de modo apropriado.
Filtrando a sobrecarga de informação
Nós consumimos três vezes mais informação hoje do que há 50 anos, mas o problema de sobrecarga de informação não é novo. Graças à prensa de Gutemberg, lá pelo ano 1500 já havia mais livros impressos do que qualquer cidadão letrado poderia ler em uma vida inteira. Nós temos uma quantidade aburda de informação disponível para o consumo há muito, muito tempo, e ela continua aumentando. A gente observa o crescimento, e a crescente taxa de crescimento, como se fosse uma epidemia. Na realidade, nós estamos permitindo que a sobrecarga de informação aconteça com a gente. Como fala Clay Shirky, o problema tem mais a ver com uma falha de filtros:
Como o palestrante ilustra, os filtros que usávamos antes da internet estão falhando, porque eles não se aplicam à quantidade massiva de informações que encontramos online. A sobrecarga de informações não é um problema novo, e talvez nem mesmo seja um problema – nós é que precisamos encontrar novas formas de filtrar isso tudo para poder ter foco.
Etiqueta tech
Não é só a informação que precisamos filtrar. Nosso comportamento também pode ser um problema frequente quando puxamos o laptop ou o smartphone. A última década nos bombardeou com novos aparelhos e não há muitas regras conhecidas sobre quando devemos ou não devemos utilizá-los. Mandar SMS ao volante parece um dos exemplos mais óbvios de "péssimo momento para usar tecnologia", mas muitos de nós fazem isso mesmo assim.
Se você está passando tempo com outra pessoa, a etiqueta sempre ditou que você deve dar a sua atenção àquela pessoa. Mesmo assim, ainda existe muita discussão tentando determinar se é apropriado ou não verificar emails na hora do jantar. Não se deve conversar no cinema, mas não tem problema desconcentrar os outros com a sua tela luminosa naquela sala escura? Existe uma solução sensata? A tendência parece estar se tornando dar atenção prioritária para os nossos gadgets, e isto não é um problema apenas social, mas também um que anda de mãos dadas com aquele outro problema, o da liberação de dopamina.
A etiqueta tech não é importante apenas para saber lidar com as pessoas ao seu redor. Ela também serve como meio de limitar e governar o uso que você faz das coisas. Nós não precisamos responder qualquer mensagem imediatamente em qualquer momento do dia, mas os nossos novos costumes trouxeram uma obrigação social de responder assim que for humanamente possível. Se a vida real atrapalhar, a gente esconde ela atrás dos nossos telefones. Não dar prioridade ao real sobre o virtual só faz os problemas piorarem ainda mais.
As soluções
Então o que fazer a respeito? Superar um vício em tecnologia e evitar o cansaço tecnológico requer esforço. Não há truques de mágica que te conduzam pelo caminho da liberdade, mas aqui estão algumas ideias para te fazer começar.
No que os olhos não vêem, o cérebro não quer mexer
Pode parecer maravilhoso ter um aparelhinho que pode fazer quase qualquer coisa, mas confiar em uma única máquina traz alguns problemas. Considere esta possibilidade: você quer ver que os horas são e tira o celular do bolso para fazer isso. Já que o telefone já está na sua mão mesmo, você resolve aproveitar para verificar o seu email. Você faz isso e acaba gastando alguns minutos para se decidir se responde a um deles agora mesmo ou deixa para depois. Isso pode continuar por muitas e muitas etapas (daí para o Twitter, por exemplo, é um pulinho), transformar o que deveria ser um ato simples e ligeiro – ver que horas são – em várias coisas que você não necessariamente precisava fazer. É por casos assim que diz-se não ser sempre uma boa ideia ter um aparelho que realiza várias funções. Mas a verdade é que isso é uma conveniência de que ninguém abre (ou deveria abrir) mão, então o melhor seria se nós conseguíssemos nos treinar para decidir fazer uma coisa e fazer só aquilo. Para que, quando tirarmos o telefone do bolso para ver as horas, vejamos só as horas e coloquemos o telefone de volta no bolso. Mais realisticamente, porém, é nos treinar para tirar o telefone do bolso menos vezes. Descubra outras maneiras de ver as horas. Decida verificar seu email poucas vezes ao dia. Em último caso, desligue o telefone completamente, ou nem leve-o com você, quando for sair à noite. A tecnologia existe para tornar as coisas mais fáceis, mas se você está usando-a para dificultar a sua vida, isso não está certo. Pense em maneiras de evitar usar a tecnologia para tudo e você vai acabar se acostumando a usá-la menos.
Pare de ser multitarefa
A esta altura, já deve ter ficado claro que ser multitarefa é só um mito. Nós podemos fazer de conta que estamos fazendo várias coisas ao mesmo tempo, mas na verdade só estamos constantemente e rapidamente voltando a nossa atenção a diferentes tarefas individuais. Ouvir música enquanto faz exercícios é o tipo de coisa que pode ser combinada facilmente, mas quando mais tecnologias entram no jogo, a coisa muda de figura.
Talvez você já tenha tentado matar seus emails enquanto assistia TV. Se sim, você provavelmente notou a dificuldade em se concentrar em ambos. Se a televisão só está ligada para fazer um pouco de barulho, provavelmente não há maiores problemas, mas se você está assistindo a algo que gosta enquanto tenta trabalhar, certamente se vê pausando frequentemente o serviço. Felizmente a tecnologia atual permite muitas vezes que gravemos os programas de TV para assistir depois, permite interagir com o nosso entretenimento na hora que nós quisermos. Um sentimento de imediatismo nos faz pensar que tudo tem que acontecer agora mesmo, mas esse não é o caso. Geralmente nós somos muito mais produtivos quando fazemos uma coisa de cada vez.
Fazer qualquer coisa enquanto se tenta prestar atenção em outra já é problemático, mas incluir tecnologia aí nessa equação pode piorar tudo ainda mais, visto que isso aumenta o tempo sem foco que passamos com os nossos gadgets. Esta sobreposição cria um padrão de comportamento que nos comanda a simplesmente puxar nossos gadgets sempre que quisermos. Ao fazer isso nós negligenciamos a fragmentação que isso causa na nossa capacidade de manter o foco no que quer que deveríamos estar fazendo. Traga isso para um ambiente social e temos os problemas de etiqueta tech citados antes. Se você quer formar bons hábitos com o seu uso de tecnologia, considere interagir com um aparelho de cada vez, para evitar o efeito multitarefa e a má priorização da interação digital sobre a real.
Nunca se desculpe
Talvez você já tenha dito algo como "ah, desculpa que eu não te respondi aquela ligação/mensagem. Lá na academia o sinal é péssimo". Neste caso, você estaria se desculpando não apenas pela incapacidade do seu celular ou da sua operadora de fazer a mensagem ou ligação aparecer no seu celular, como também pela má recepção da sua academia. Se você pede desculpas por coisas assim com frequência, você é um escravo do imediatismo. Pare de pedir desculpas e aproveite a liberdade de poder responder quando puder, ou até mesmo quando quiser. Se você começar a criar a expectativa de que você nem sempre responde no exato momento que recebe uma ligação/mensagem/email, as pessoas vão começar a assumir que você vai simplesmente responder quando puder. Você não vai querer negligenciar sua família, amigos ou colegas ao não responder por um longo período, mas sim deixar claro que você responde sim, mas na hora em que for mais confortável para você. Ao fazer isso, você vai começar a sentir menos necessidade de ficar verificando o celular ou o email constantemente.
Organize-se
Uma maneira efetiva de lidar com a sobrecarga de informação é organizar esta informação. Pode ser óbvio, mas muitos de nós pensam muito e fazem pouco sobre isso. Você vai acabar se organizando em algum momento, então nada melhor que começar agora, caso você ainda não tenha começado. O email é uma das coisas mais difíceis de controlar, já que existem muito mais ferramentas para te ajudar com isso do que você teria tempo de testar. A nova Priority Inbox do Google é uma maneira nova e efetiva de focar nas mensagens mais importantes da sua caixa de entrada. Uma extensão do Firefox e Chrome chamada Boomerang permite agendar quando você vai receber e enviar emails. Comunicar-se por canais de velocidade mais apropriada em vez de canalizar todas as comunicações via email também pode ajudar. Também dá para desviar as distrações para um iPad, ou outro aparelho que você tenha, para que você possa se focar em coisas específicas em gadgets específicos. O importante é organizar-se alguma forma – e estar ciente de que todo método de organização precisa estar pronto para evoluir e se modificar de acordo com as mudanças no fluxo de informações.