Você vive e então você morre e então você apodrece em um buraco — ao menos é o que dizem as elites, com seus óculos e seus doutorados em neurociência. Nos Estados Unidos, esta realidade chata nunca convenceu tanto os cidadãos, 72% dos quais acreditam em algum tipo de vida após a morte. É relativamente mais raro, embora ainda em número considerável, o tanto de americanos que acredita em algum meio-termo espectral, no qual, ao invés de apodrecer ou ir para o inferno, você flutua por aí, enlouquecendo os seus filhos, ou os novos moradores da casa onde você foi brutalmente assassinado cem anos atrás.
De acordo com o Pew Research Center, quase um quinto dos americanos acredita ter visto um fantasma – uma estatística surpreendente, dadas todas as outras crenças antigas que já foram caindo por terra (a sangria, por exemplo, quase não existe mais). Para o Giz Asks desta semana, entramos em contato com um número de psicólogos e neurocientistas para descobrir o motivo disso – e, no processo, aprendemos que, dado o número de maneiras como nosso cérebro tem de nos enganar sobre ter visto coisas, é impressionante que essa estatística não seja maior.
Christopher French
Fundador da Unidade de Pesquisa de Psicologia Anomalística na Goldsmiths, University of London
Na maioria das vezes, quando as pessoas pensam que tiveram um encontro fantasmagórico, elas não necessariamente viram alguma coisa de verdade. Muitas vezes, você vai ver que aquilo a que as pessoas estão se referindo é um pouco mais vago do que isso, uma forte sensação de presença, por exemplo. Pessoas em luto podem pensar que sentem o cheiro do perfume que o falecido costumava usar, ou o tabaco que fumava.
As pessoas tendem a presumir, quando você sugere que talvez elas estivessem tendo alucinações, que você está dizendo que elas são loucas, e isso simplesmente não é verdade – alucinações são muito mais comuns entre a população não-clínica do que é geralmente reconhecido. Todos nós podemos ter alucinações nas condições adequadas.
Um dos fenômenos no qual estamos particularmente interessados é uma coisa chamada paralisia do sono. Na sua forma mais básica, a paralisia do sono é muito comum. As estimativas variam, mas normalmente é estimado que cerca de 8% da população em geral sofre de paralisia básica do sono pelo menos uma vez em suas vidas, e alguns grupos de pacientes psiquiátricos e alunos mostram uma taxa muito mais elevada.
O que quero dizer com paralisia do sono básica é: você está meio acordado e meio adormecido, seja pegando no sono ou talvez saindo dele, e começa um período de paralisia temporária. Ele normalmente dura alguns segundos antes de acabar. Na maioria das vezes, isso não é grande coisa – é um pouco desconcertante e só.
Em uma porcentagem menor de pessoas, você tem sintomas associados que podem criar uma experiência muito mais presente e assustadora. Você tem uma sensação muito forte de que algo está ali. Você pode também ter alucinações; pode ouvir vozes ou passos ou sons mecânicos, ou pode ver sombras escuras em movimento ao redor da sala, luzes, figuras monstruosas ou pessoas feitas de sombras. Você pode ter alucinações táteis – pode sentir como se estivesse sendo segurado ou sentir a respiração de alguém no seu pescoço. E tenha em mente que, enquanto tudo isso acontece, você não consegue se mover.
Portanto, não é muito surpreendente que muitas pessoas que tenham essa experiência, se nunca ouviram falar de paralisia do sono como um conceito científico e médico, acabam acreditando em algum tipo de interpretação sobrenatural. E por ser uma experiência tão comum, você só precisa de uma pequena porcentagem de pessoas que estejam tendo paralisia do sono para desenvolver esses tipos de interpretações sobrenaturais.
Michael Nees
Professor assistente do Departamento de Psicologia, Laboratório de Fatores Humanos, Percepção e Cognição, Lafayette College
Nossas experiências fenomenológicas do mundo — as coisas que acreditamos ver e ouvir — são ativamente construídas a partir de nossas percepções limitadas e incompletas do mundo físico. A luz que cai sobre nossos olhos e as ondas sonoras que atingem os nossos ouvidos muitas vezes poderiam ter vindo de várias fontes físicas possíveis. Por exemplo, um objeto vagamente humano no canto de uma sala escura pode ser uma pessoa ou um fantasma, mas também pode ser apenas um casaco pendurado num cabide. Para resolver essas ambiguidades, nós ativamente construímos uma versão interna mental do mundo físico que reflete nossos próprios vieses e expectativas. Às vezes, nossas percepções não refletem representações precisas do mundo físico. “Pareidolia” é o nome para uma categoria comum de equívocos que ocorrem quando uma experiência perceptiva aleatória (isto é, inerentemente sem sentido) é interpretada como tendo significado. Uma versão comum de pareidolia é perceber rostos humanos em configurações aleatórias de objetos físicos; um exemplo clássico é quando as pessoas afirmam ver o rosto de Jesus em uma torrada.
Alguns pesquisadores sugeriram que podemos ter a inclinação para perceber estímulos ambíguos como um humano ou semelhante a um humano, porque perceber outros seres humanos em nossa presença tem um valor adaptativo — o que significa que, a partir de uma perspectiva evolucionária, outras pessoas são estímulos especialmente importantes para notarmos. De acordo com esse argumento, um alarme falso (perceber erroneamente um objeto, talvez inanimado e aleatório, momentaneamente como um ser humano) é menos prejudicial do que uma falha (deixar de notar um outro ser humano real em sua presença. Assim, quando confrontados com a incerteza, os nossos sistemas perceptivos são calibrados para reconhecer mais vezes um objeto como um humano do que para não reconhecer.
Algumas pesquisas indicam que as pessoas propensas a crenças paranormais são especialmente propensas a atribuir características humanas a estímulos ambíguos, e pesquisadores sugeriram que um contexto assustador ou a sugestão de uma situação paranormal podem aumentar a propensão de interpretar estímulos ambíguos como fantasmas ou poltergeists.
Neil Dagnall e Keith Drinkwater
Neil Dagnall é professor de Psicologia Cognitiva Aplicada da Manchester Metropolitan University, pesquisando psicologia anormal e psicologia cognitiva; seu laboratório está realizando vários projetos centrando-se em crença no paranormal
Ken Drinkwater é professor titular no Manchester Metropolitan University e estuda crença paranormal
A hipótese de sobrevivência propõe uma consciência sem corpo (alma) que sobrevive à morte do corpo. Enxergar fantasmas, neste contexto, confirma a crença na vida após a morte e produz confiança.
Outras explicações recorrem a fatores ambientais, tais como campos eletromagnéticos e infrassom. O neurocientista canadense Michael Persinger demonstrou que a aplicação de diferentes campos eletromagnéticos para os lobos temporais do cérebro poderia produzir experiências parecidas com assombrações (percepção de uma presença, sensação de Deus, sensação de ser tocado etc).
Percepções parecidas com assombração também podem surgir a partir de reações a substâncias tóxicas. Albert Donnay (Toxicólogo) levantou a hipótese de que a exposição prolongada a uma variedade de substâncias (monóxido de carbono, formaldeído, pesticidas etc) pode produzir alucinações consistentes com assombrações. Da mesma forma, Shane Rogers (Professor Associado de Engenharia Civil e Ambiental) informou que as alucinações fúngicas causadas por mofo tóxico poderiam estimular percepções relacionadas com assombração.
O professor Olaf Blanke demonstrou recentemente que as ilusões parecidas com assombração poderiam surgir da desorientação perceptiva. Especificamente, em conflito de sinais sensoriais-motores. Participantes vendados realizaram movimentos de mão em frente de seus corpos. Um robô imitava os movimentos em tempo real, harmoniosamente tocando as costas dos participantes. O movimento sincronizado do robô permitiu aos participantes se adaptarem à discrepância espacial. No entanto, o atraso temporal entre o movimento do participante e o toque do robô produziu uma desorientação acompanhada de um forte sentimento de uma presença.
Terence Hines
Professor de neurologia na Universidade Pace e autor de Pseudoscience and the Paranormal
O cérebro humano evoluiu para encontrar padrões. Se você estiver no deserto e ouvir algo atrás de você, é melhor você pensar que é realmente um leão ou um tigre dente de sabre chegando pra cima de você – atribuir aquele som a alguma agência, algo que tem um propósito. Porque se ele tem propósito e você foge, melhor assim. E se for apenas um ruído aleatório e você fugir, não tem problema, não teve nenhum custo. Então, nós evoluímos até experimentar o que os neurocientistas chamam de falsos positivos. É melhor prevenir do que remediar.
[Outra explicação] envolve expectativas, e temos algumas belas demonstrações deste efeito. Alguns anos atrás, para um projeto de longo prazo, um dos meus alunos levou algumas pessoas a um cemitério local. Em uma condição, pessoas foram levadas para um túmulo particular e lhes foi dito que aquele era o túmulo de um velho que morreu em 1972 de causas naturais. Nada estranho nisso. Era tarde da noite, meia-noite. E eles perguntavam: o que você sente? Você está tendo alguma sensação? E as pessoas diziam: bem, não, não realmente. E depois, na outra condição, que levou as pessoas para a mesma sepultura aproximadamente na mesma hora, tarde da noite, e foi dito que se tratava de uma sepultura de uma menina adolescente que morreu tragicamente – ela teria se matado depois que seu namorado a deixou –, que a garota assombrava a sepultura à meia-noite e que era o aniversário de seu suicídio. As pessoas ficavam apavoradas. Elas a viam, a ouviam – e era tudo de acordo com suas expectativas. Eu não estou dizendo que as pessoas que teriam visto o fantasma de uma adolescente inexistente estavam mentindo, ou loucas, ou histéricas, elas não estavam. Seu cérebro estava apenas fazendo o que cérebros fazem: estavam usando as informações que lhes foram dadas, que na verdade eram incorretas.
Tapani Riekki
Neurocientista cognitivo do Departamento de Psicologia e Logopedics da Faculdade de Medicina da Universidade de Helsinque
O importante parece ser a interpretação. Sabemos a partir de vários estudos que o nosso processamento de informação não é “da base para cima” – nós não simplesmente vemos/ouvimos/sentimos nossos ambientes. Em vez disso, nossa percepção da realidade é uma complexa interação entre processos de base e de cima para baixo. Processos de cima para baixo referem-se às expectativas, crenças e contextos que moldam nossas percepções e influenciam nossas interpretações. Mesmo os processos básicos de baixo para cima não são cópias exatas da realidade, mas aproximações em forma do contexto. A maneira como podemos experimentar o nosso ambiente é uma simulação complexa de nossa mente que deixa muito espaço para interpretação e peculiaridades.
Frank McAndrew
Professor de psicologia no Knox College e um Fellow eleito da Association for Psychological Science
Enxergar fantasmas pode ser desencadeado pelos “mecanismos de detecção de agência”, propostos pelos psicólogos evolucionistas.
Esses mecanismos evoluíram para nos proteger do mal nas mãos de predadores e inimigos. Se você está andando por uma rua escura e ouve o som de algo se movendo em um beco escuro, você vai responder com um nível elevado de excitação, focar sua atenção e se comportar como se houvesse um “agente” intencional presente que está prestes a lhe fazer mal. Se for apenas o vento passando ou um gato de rua, você perde pouco por ter exagerado, mas se você não conseguir ativar a resposta de alarme quando uma verdadeira ameaça está presente, o custo do seu erro de cálculo pode ser elevado. Assim, evoluímos para exagerar no caso de reações ambíguas.
Em outras palavras, se um indivíduo acredita que um encontro com um fantasma é uma possibilidade, então fantasmas podem ser a explicação usada para resolver a incerteza.
Um estudo recente realizado por Kirsten Barnes e Nicholas Gibson (2013) explorou as diferenças entre os indivíduos que nunca tiveram uma experiência paranormal e aqueles que tiveram. Eles confirmaram que as experiências de fenômenos sobrenaturais são mais prováveis de ocorrer em ambientes ameaçadores ou ambíguos e também descobriram que aqueles que tiveram experiências paranormais pontuaram mais em escalas de medição de empatia, além de mostrar uma tendência a ficar profundamente absorto em sua própria experiência subjetiva.
Benjamin Radford
Benjamin Radford é pesquisador do Committee for Skeptical Inquiry, uma organização educacional sem fins lucrativos com sede em Buffalo, nos EUA. Ele pesquisou fenômenos fantasmagóricos e “inexplicáveis” por quase 20 anos e é autor de vários livros sobre o tema, incluindo “Investigating Ghosts”, deste ano.
Ao pesquisar fenômenos fantasmagóricos, uma das primeiras coisas que você percebe é que muitas vezes “fantasma” é simplesmente um rótulo conveniente (embora desleixado) para “uma experiência que alguém não entende”. Relatos de aparições de corpo inteiro (o tipo que você pode ver na casa assombrada da Disney, por exemplo) são muito raros. Em vez disso, você descobre que muitas experiências “fantasmas” são muito mais ambíguas: cheiros ou sons estranhos, a sensação de estar sendo observado, variações de temperatura, animais agindo estranhamente e assim por diante. Mesmo tais experiências mundanas, como perder suas chaves, podem ser e já foram identificadas como espíritos travessos.
Já que existe uma ampla variedade de experiências atribuídas a espíritos, não há nenhuma explicação única para todos os relatos de fantasmas. Alguns podem ser causado por leves alucinações — não estou falando de alucinações completas, como uma viagem de LSD de elefantes voadores coloridos, mas algo muito mais sutil aos olhos e à mente, especialmente que podem ocorrer tarde da noite. O cérebro humano é maravilhoso, mas também capaz de errar, e nós nem sempre percebemos e interpretamos o mundo ao nosso redor corretamente – e pelo fato de muitas experiências “fantasmas” serem pequenas e passageiras (não do tipo grande e óbvio retratado nos filmes de terror), é fácil imaginar que um som estranho ou uma luz são muito misteriosos. Isso leva ao segundo fator comum a respeito de por que as pessoas acreditam que estarem diante de fantasmas: geralmente, elas são influenciados pelas ideias da cultura pop sobre o que os fantasmas são e como agem. As pessoas assistem a programas de TV como Ghost Hunters (que já chegou à sua 10ª temporada sem encontrar fantasmas) e são influenciadas por esses programas em termos do que os psicólogos chamam de sugestão. Nossas expectativas muitas vezes orientam nossas percepções e interpretações, e, assim, muitas vezes vemos ou ouvimos o que esperamos ver e ouvir, mesmo se aquilo não está lá. As razões psicológicas por trás das pessoas afirmarem ter visto (ou acreditarem que viram) fantasmas é bem compreendida – e isso é verdade independentemente dos fantasmas existirem ou não!
Imagem do topo: Angelica Alzona/Gizmodo