Precisamos estudar os efeitos do pornô de vingança na saúde mental

Leah Juliett tinha 14 anos quando suas fotos íntimas circularam pela escola onde estudava, sem o seu consentimento. Ela tinha enviado as fotos para um garoto, que compartilhou com alguns colegas. “Realmente foi como um torpor emocional. Eu me desliguei completamente”, disse Juliett ao Gizmodo. Durante vários anos após a ocorrência do crime, ela sofreu […]

Leah Juliett tinha 14 anos quando suas fotos íntimas circularam pela escola onde estudava, sem o seu consentimento. Ela tinha enviado as fotos para um garoto, que compartilhou com alguns colegas.

“Realmente foi como um torpor emocional. Eu me desliguei completamente”, disse Juliett ao Gizmodo. Durante vários anos após a ocorrência do crime, ela sofreu com ataques de pânico, depressão, pesadelos, ansiedade e outros sintomas de estresse pós-traumático. Na universidade, quando o trauma “se tornou insuportável”, ela sofreu com alcoolismo e pensamentos suicidas.

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“Você sente um trauma após casos de pornô de vingança”, disse ela. “Você sente vergonha, você sente estresse pós-traumático, em muitos casos. Pelo menos eu senti. Esses pesadelos, essa ansiedade, andar pelos corredores de sua escola sentindo como se todos tivessem visto você nua. Realmente é uma forma duradoura de abuso sexual, então eu vejo que algumas respostas emocionais à pornografia de vingança são similares às respostas que vemos em pessoas que sofreram violência sexual”.

Abuso sexual físico e pornô de vingança

É essencial, aponta Juliett, que pessoas reconheçam que os atos de ciber violência sexual como pornô de vingança – disseminação de fotos ou vídeos íntimos de alguém, sem o seu consentimento – e a violência sexual física são experiências muito diferentes. “Eu não quero pegar a narrativa de alguém que passou por algo diferente daquilo que eu passei”, disse ela, mas adicionou que com frequência chama o pornô de vingança de “ciber assédio sexual” ou “ciber violência sexual”.

Juliett, que fundou a organização de ciber direitos cíveis March Against Revenge Porn, disse que a poesia – ao compartilhar sua experiência sobre a exploração sexual online – salvou a sua vida. Isso a ajudou a quebrar o ciclo de auto-abuso e silêncio. “Agora eu me vejo vivendo uma vida longa, feliz e bem sucedida. Antes eu não me via passando dos vinte anos por causa do peso da dor que eu estava suportando”.

Não educar as pessoas sobre as consequências traumáticas do pornô de vingança não é apenas um desserviço para a conversa sobre o tema, como pode literalmente custar a vida das pessoas. Pesquisas da campanha End Revenge Porn descobriram que 51% das sobreviventes de pornô de vingança nos EUA “tiveram pensamentos suicidas”.

Embora o compartilhamento não consensual de imagens íntimas de alguém seja uma ofensa que acontece exclusivamente na internet, o ato tem efeitos offline muito reais. A compreensão da gravidade dessas consequências é essencial para lidar com a recuperação.

Efeitos do pornô de vingança na saúde mental

Não há muitas pesquisas sobre os efeitos na saúde mental daquelas que foram vítimas de abusos sexuais online, mas alguns especialistas acham que deveríamos reavaliar a forma com que classificamos o pornô de vingança.

Agora, médicos pesquisadores e pessoas que oferecem apoio para sobreviventes de pornô de vingança estão pedindo por mais estudos a respeito dos traumas experimentados por pessoas que sofreram com esse tipo exposição, notando que os efeitos na saúde mental são similares àqueles experimentados em abusos sexuais físicos.

A pornografia de vingança pode ter consequências mais severas na saúde mental das sobreviventes do que achávamos até agora. E é um problema crescente. Para cada sobrevivente como Juliett – que aparece na mídia e ficamos sabendo – existem milhões de outros casos que não chegam à superfície.

Sobreviventes podem recorrer legalmente, dependendo de onde vivem; e dependendo da plataforma em que as fotos foram compartilhadas, elas podem relatar o caso às redes sociais.

Mas as autoridades e as gigantes de tecnologia ainda estão aprendendo a lidar com pornografia de vingança, e é importante explorar não apenas como evitar os casos e como punir legalmente os infratores, mas saber também mais sobre como o ato impacta as vítimas.

Uma publicação de blog de janeiro deste ano, incluindo pesquisas sobre o tema da Escola de Serviço Social da University of Southern California argumenta que deveríamos considerar classificar o compartilhamento não consensual de imagens íntimas como abuso sexual.

A publicação lista uma série de consequências mentais compartilhadas tanto por vítimas de pornô de vingança como vítimas de abusos sexuais, incluindo perda de confiança, culpa, ansiedade, depressão, pensamentos suicidas e estresse pós-traumático, para citar algumas.

Mais estudos sobre os impactos na saúde mental

Kristen Zaleski, professora clínica associada na University of Southern California, que trabalhou com essa publicação que citamos, disse que não tem conhecimento de nenhum estudo que explora especificamente a sintomatologia do estresse pós-traumático e do trauma relacionado à pornografia de vingança. Zaleski disse que até 2019, ela planeja iniciar uma análise qualitativa sobre questões focadas na intersecção entre a agressão sexual e outras formas de violência sexual, incluindo pornografia de vingança.

Zaleski também está trabalhando com Jessica Klein, professora adjunta da University of Southern California (que também trabalhou na publicação do blog post anteriormente citado), em um artigo sobre pornô de vingança direcionado para médicos, que segundo Zaleski irá identificar “as considerações importantes no tratamento de pornografia de vingança em psicoterapia no que se refere a estresse pós-traumático e sintomas de depressão”.

A pesquisadora disse ao Gizmodo por e-mail que a sua experiência profissional como médica e estudiosa sobre violência sexual “os sintomas associados a uma agressão sexual, vergonha, auto-responsabilização , estimulação do sistema nervoso (incluindo distúrbios do sono e de alimentação, medo de espaços públicos) se aplicam a indivíduos que tiveram fotos íntimas compartilhadas não consensual”.

“Para mim, pornô de vingança é agressão sexual”, disse Zaleski. “Eu não vejo uma distinção”.

“O que estamos vendo é um processo muito paralelo”, disse Klein ao Gizmodo. “No sistema nervoso, é um ato que tira uma pessoa da zona de conforto, da zona estável, e deixa ela em estado vermelho, em modo de fuga, sentindo-se totalmente insegura. É a mesma coisa que aconteceria com trama de agressão sexual”.

Klein aponta que existem situações em que as sobreviventes de casos de exposição sexual online e de agressões sexuais experimentam o trauma da mesma maneira. Ambas podem sentir vergonha, e que suas virtudes e seu trabalho “foram minados e impugnados de alguma forma”. E a vergonha e a traição atribuídas ao pornô de vingança podem elevar os tipos de sintomas vistos em sobreviventes de agressão sexual. Mas, dado o pequeno número de estudos feitos sobre o assunto, Klein disse que ainda não sabe o suficiente “para dizer que esse é o caso para todas as pessoas”.

“Há aspectos sobrepostos/convergentes na agressão sexual e na pornografia não consensual, particularmente nas consequências”, disse Klein. Ela explicou que a pornografia não consensual e outras formas de traumas e perseguições sexuais podem deixar a sobrevivente com sentimentos de “perda de controle, sensação de violação da integridade corporal, medo e vergonha”.

Tratamentos

Zaleski disse que terapeutas treinados para lidar com sobreviventes de agressões sexuais seriam “mais apropriados” no tratamento envolvendo vítimas de pornografia de vingança. Ela listou várias opções de tratamento usadas com sobreviventes de violência sexual que também podem ser aplicadas com as vítimas de pornografia não consensual, uma vez que ajudam a lidar com sintomas de vergonha, constrangimento e autocensura com a “reestruturação cognitiva”. Essas terapias incluem psicoterapia sensório-motora, EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento do Movimento dos Olhos) e terapia psicodinâmica centrada na pessoa.

Mary Anne Franks, uma professora de direito da Escola de Direito da Universidade de Miami e diretora da Cyber Civil Rights Initiative, que advoga para sobreviventes de pornô de vingança e combate o abuso online, disse ao Gizmodo que ser diagnosticada com estresse pós-traumático é “uma das coisas mais comuns que ouvimos” das vítimas nas iniciativas em que ela trabalha.

Além do estresse pós-traumático, muitas das vítimas também desenvolvem o medo de sair de casa e de seguir suas rotinas diárias, também sofrem com ataques de ansiedade, depressão e pensamentos suicidas. Franks disse que isso sinaliza que há muitas semelhanças entre as vítimas de pornografia de vingança e as vítimas de agressão sexual no rescaldo de suas experiências, incluindo mudanças no relacionamento com seus corpos, liberdade de expressão sexual, seu senso de autoestima e um sensação de segurança no mundo.

“Precisamos olhar para o pornô de vingança pela mesma lente, no mínimo”, disse Juliett. “Não é apenas um ato de cyberbullying ou cibercrime. É um crime sexual”.

O que é claro é que existe uma necessidade vital de continuar explorando os efeitos na saúde mental causados pelo pornô de vingança e como esses traumas se relacionam com os impactos mentais de agressões sexuais para que possamos compreender totalmente as implicações que as vítimas podem sofrer.

“Se pensarmos que temos agora uma espécie de um eu virtual e um eu físico, e que nossos eus virtuais e físicos estão muito mais intimamente interligados do que costumavam ser, acho que essa também é uma razão convincente para se pensar mais amplamente sobre o que a agressão sexual realmente significa “, disse Franks,” e pensar em análogos offline”.

Ilustração: Chelsea Beck (Gizmodo)

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