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Precisamos falar sobre líderes…

Seleção Brasileira é o reflexo de um país sem líderes, onde os que vestem a braçadeira vêem nela somente uma coisa a mais da qual tirar vantagem.
Imagem: Reprodução/CBF

Você já parou para se perguntar como chegamos a um ponto em que jogadores que vestem a camisa da Seleção Brasileira acabam envolvidos nas histórias mais escabrosas como estupros, bullying, falsificação e afins? Você acha que o problema vem do excesso de dinheiro ganho rápido demais, más companhias, aproveitadores ou que reflete a sociedade que permitimos que os outros criem? Se você pôs a mão na consciência, você já ganhou um ponto. Temos a liderança errada em todo lugar.

Quando Telê Santana assumiu a Seleção em fevereiro de 1980, herdou uma Seleção em crise. Telê queria mais que jogadores – queria homens de verdade. Ele tinha um certo preconceito contra o capitão corintiano, Sócrates, por sua vocação para questionar a hierarquia e principalmente pela vida extra-campo do Doutor, que fumava e não bebia pouco (que em última instância, levou à sua morte). Telê o convocou mesmo assim. Sócrates era extraordinário em campo, Telê tinha de testá-lo. Depois de conhecer Sócrates de perto, não só o chamou de novo – fez dele seu capitão, mesmo num grupo no qual sobrava caráter.

Sócrates, quando chegou na Seleção, entendeu que não estava no Corinthians. Se pôs à disposição do grupo. Apesar de ter líderes de sobra como Zico, Falcão, Cerezo ou Júnior, Telê viu em Sócrates o líder nato: o que não ganha no grito, mas na autoridade moral. Não me lembro de Sócrates humilhando colegas em campo aos gritos.

Por que razão não temos mais líderes na Seleção? A questão é que não se trata da Seleção. Não temos mais líderes em lugar algum. Pegue nossas “lideranças” políticas. Os dois reis no tabuleiro hoje mostram o tamanho do problema. Lula é um grande líder (bem no estilo Kim Il-sung), mas só para seus seguidores. Quem não o venera é inimigo. Ele ganhou pinta de estadista épico porque sucedeu uma das criaturas menos inteligentes na face da Terra. Até Tião Macalé no episódio da Pindureta seria um Winston Churchill em comparação. Lula e Bozo não lideram – eles dividem. 

Nos últimos 20 ou 30 anos, nossos líderes na Seleção tiveram a cara de Zagallo, Parreira e outros paus-mandados. Seus “capitães” adoravam posar de machões berrando com colegas, hostilizando jornalistas, fazendo danças patéticas após gols ou sendo puxa-sacos. É o DNA da CBF. A entidade é formada em cima de uma lagoa de lodo podre.

A palavra “Seleção” dá a ideia errada de que são chamados os 23 melhores jogadores naquele momento, mas grandes grupos precisam tanto de craques quanto de líderes. Na verdade, me lembro até de grupos que foram campeões com menos craques, mas de nenhum campeão sem líderes. O Brasil de hoje carece de lideranças – também – no futebol.

O líder que o Brasil precisa não é o Dunga de 1998 dando testadas em Leonardo, o Lúcio da Olimpíada de 2000 quase batendo em Roger, Thiago Silva aos prantos em 2014, ou Daniel Alves em 2019 (desnecessário explicar a razão). Eu já disse aqui que Dorival precisa ser temido pelos seus jogadores se não quiser entrar na cova dos leões. Outro desafio é montar um grupo que tenha líderes e os aceite incondicionalmente. No fim, esse é o nosso desafio na política também. Você deve estar de saco cheio de assediadores, trolls e haters defendendo o político de estimação deles. Eu estou e acho que qualquer um equilibrado também está.

Point Blank

Liderança 1 Quando chegou ao PSG para ser parceiro de Neymar, os dois ficavam tirando sarro de Killian Mbappé (que apelidaram de “Tartaruga Ninja”), falando a todo momento, em tom de tiração de sarro: “Como ele é ráááápido”. O tom era de brincadeira, mas maliciosamente, os brasileiros tentavam diminuir a bola do francês. 

Liderança 2 Um está para assinar o maior contrato da história do Real Madrid, outro está encostado no deserto na 784a. lesão em X anos e o outro está preso sob acusação de estupro. 

Liderança 3 No dia da final da copa de 1950, o capitão uruguaio, Obdúlio Varela, acordou mais cedo e foi dar uma volta ao redor do hotel. Ao passar na frente de uma banca de jornais, um deles tinha o título “Esses são os campeões do mundo”. Varela comprou todos os jornais e levou ao hotel, espalhando os mesmos no banheiro. Chamou seus colegas e ordenou: “orinen en los diarios”. O Uruguai bateu um adversário muito superior por conta do veneno de Obdúlio, que depois do apito final, passou minutos berrando apoplético, mas não com seus companheiros – com o país que o tinha dado por morto.

Liderança 4 Nem sempre os líderes de um grupo são exemplos de caráter. Roy Keane era unanimidade no Man Utd de Alex Ferguson, mas fora de campo era tão mala quanto todo mundo sabe. Ryan Giggs, o maior externo de meio campo que vi jogar, foi processado por bater na esposa. Bryan Robson, lendário titular da camisa 7 do United, bebia até cair na noite anterior aos jogos. Liderança e exemplo não andam sempre juntos.

Liderança 5 “Paolo visivelmente tinha um talento fora do normal. No seu primeiro treino com a gente, isso já estava claro. Era muito mais talentoso do que todos os outros. Mesmo assim, chegava antes de todo mundo e era o último a sair do treino. Nunca chegou atrasado ou levantou a voz para intimidar, nem desrespeitou treinadores na frente de ninguém”. Alessandro Costacurta falando de Paolo Maldini.

Cassiano Gobbet

Cassiano Gobbet

Jornalista, vive na trilogia futebol, tecnologia e (anti) desinformação. Criador da Trivela, ex-BBC, Yahoo e freelancer em três continentes. Você o encontra no Twitter, Bluesky ou por aí.

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