Predadores do topo da cadeia alimentar podem ser os animais mais importantes do planeta
Humanos sempre tiveram uma relação complicada com outros predadores. Ursos, crocodilos, tubarões-brancos — estas são algumas das criaturas mais incríveis do mundo. E, obviamente, não queremos estes animais no nosso quintal. Mas evidências científicas revelam que precisamos deles muito mais do que imaginávamos.
Qualquer que seja a sua opinião sobre os animais mais poderosos da Terra, não existe dúvida acerca da importância deles para o nosso planeta. Os pumas estão fazendo mais do que controlar a população de cervos. As pegadas deles passam por ecossistemas, modelando desde o número e tipos de plantas e animais que vivem ali, até quais doenças vão eclodir.
Leopardo-das-neves expondo os dentes. Imagem: Wikimedia
Para entender por que os principais predadores da Terra são importantes (e por que eles são vulneráveis), precisamos começar do princípio. Todo ecossistema tem um limite de energia, ditado pelo número de produtores primários — plantas na terra, micróbios fotossintéticos no oceano. Se imaginarmos a cadeia alimentar como um escada, conforme damos passos mais elevados — ecologistas chamam essas escada de níveis tróficos — a energia disponível cai cerca de dez vezes para cada passo. Isso significa que, em um ecossistema com uma planta, um herbívoro e um carnívoro, as plantas terão 100 vezes mais energia em sua biomassa que os carnívoros.
É solitário estar no topo, conforme ilustra este gráfico da pirâmide trófica. Imagem: Wikimedia
Esse é a razão pela qual os predadores que estão no topo da cadeia alimentar são animais tão raros. Muitas cadeias alimentares consistem de meia dúzia ou mais de níveis tróficos, e até uma raça chegar ao topo, já não existe mais tanta energia disponível. Além disso, estes predadores são acumuladores de energia: eles são grandes e precisam de muitas calorias para caçar. O tigre siberiano — o maior gato do mundo — pesa cerca de 320kg e pode comer com facilidade 30 kg de carne em uma única refeição.
É a população naturalmente pequena destes predadores que os deixa vulneráveis. De fato, desde tempos pré-históricos, humanos ajudaram a levar estes predadores à extinção, incluindo tigres dente-de-sabre e répteis gigantescos. Mais recentemente, destruição do habitat e caça predatória deixaram muitos predadores-chave, incluindo o tigre siberiano, o tubarão-branco e o lobo etíope à beira da extinção; e quando predadores desaparecem, ecossistemas se desmancham.
O Crocodilo-de-água-salgada é o maior réptil de todos, chega a pesar 2.000 kg. Imagem: Mike / Flickr
Efeito cascata
Quando um ecossistema perde uma espécie-chave, abre-se caminho para o que ecologistas chamam de cascata trófica — um efeito borboleta que desce em espiral na cadeia alimentar. Um estudo de caso bem documentado sobre este fenômeno é o do lobo cinzento, que já foi um dos animais mais bem distribuídos do mundo. Historicamente, estes lobos percorreram todo o norte de metade das Américas, mas por volta do século XX, campanhas de caça eliminaram o animal de 48 estados dos Estados Unidos.
Antes da extinção, o lobo cinzento americano era o principal predador de cervos, alces, bisões e caribus, além de muitos outros mamíferos menores. Quando os lobos desapareceram, o número de cervos disparou, com algumas populações registrando seis vezes o tamanho original. Fora de controle, cervos são como cortadores de grama, destruindo cascas de árvore e acabando com certas plantas. Isso pode diminuir a quantidade de carbono que uma floresta armazena, impactando na diversidade das plantas, além de enfraquecer a resistência da floresta a futuros distúrbios. Conforme noticiado ano passado pela Science, a recente reintrodução de lobos ao Parque Nacional de Yellowstone permitiu que algumas das áreas anteriormente devastadas pelos cervos se reflorestassem, o que aumentou absorção de carbono da floresta.
Imagem: Wikimedia
Os lobos também mantêm o número dos herbívoros de florestas canadenses — dos alces, neste caso. Como mastigadores vorazes de árvores, uma população sem controle de alces pode comer folhagem o suficiente para minimizar uma floresta, reduzindo a habilidade dela de apanhar e armazenar carbono. Um estudo publicado ano passado pela Ecosystems concluiu que restaurar a população de lobos cinzentos ao seu tamanho original poderia, em teoria, aumentar a quantidade de carbono mantida na floresta boreal canadense em uma quantia equivalente à quantidade anual de carbono emitida pelo homem no Canadá.
Os lobos também providenciam outros serviços essenciais, como a diminuição da propagação de doenças infecciosas. Em décadas recentes, a Doença de Lyme, transmitida por carrapatos e encontrada em todo território norte americano, está em ascensão, com mais de 1000% de crescimento em algumas áreas. Um estudo de 2012 publicado no Proceedings of the National Academies of Sciences demonstrou como a propagação da Doença de Lyme é resultado de uma complexa cascada trófica desencadeada no topo da cadeia alimentar. Desde o desaparecimento dos lobos, os coiotes receberam o status de predadores principais. Coiotes caçam carnívoros menores, incluindo raposas, que, por sua vez, caçam pequenos herbívoros e mamíferos — principais transportadores dos carrapatos. Mais coiotes significam menos raposas, causando o crescimento de populações inteiras destes transportadores de carrapatos.
Estudos ecológicos tornam clara a importância dos lobos, que vai muito além de controlar a população de cervos — eles são os alicerces daquele ecossistema. Mas falando de predadores do topo da cadeia alimentar, existem outros casos fascinantes, alguns deles acontecendo em partes do planeta com as quais não somos muito familiarizados.
Predadores oceânicos
A baleia Cachalote reina no Oceano Antártico, na Antártica. Classificado como o maior predador com dentes do planeta, esse cetáceo pode atingir até 15 metros de comprimento e mergulhar a 2.250 metros de profundidade para caçar lulas gigantes. Entretanto, mais do que um poderoso caçador, a cachalote é um importante fertilizador. Quer dizer, pelo menos o excremento dela é.
Depois de se alimentar nas profundezas, a cachalote volta à superfície para defecar excrementos ricos em ferro. Chamadas de “cocô-namis”, eles são como fertilizantes para os fitoplânctons, os micróbios fotossintéticos que, coletivamente, são responsáveis por 50% da retirada de carbono da nossa atmosfera todo ano. Um estudo publicado na Proceedings of the Royal Society B descobriu que o excremento da cachalote é responsável por absorver cerca de 200 mil toneladas de carbono das profundezas do oceano. Duzentas mil toneladas — tudo graças ao cocô de baleia. E este número poderia ser 10 vezes maior caso a caça não tivesse diminuído a população das cachalotes (alô, Melville).
E, é claro, não seria justo falar de predadores oceânicos sem mencionar tubarões. Para compreender melhor o mais icônico dos peixes dentados, conversei com David Shiffman, ecologista marinho da Universidade de Miami e defensor de tubarões que escreve na Southern Fried Science. Tubarões também têm diversos papéis em um ecossistema.
“É muito comum pensar que os tubarões influenciam a cadeia alimentar porque devoram outros animais”, diz Stiffman. “Mas muitas pesquisas mostram que os tubarões têm um impacto muito maior ao influenciar o comportamento das presas”. Basicamente, eles convencem as criaturas do oceano a manter distância.
Um tubarão-tigre jovem nas Bahamas. Imagem: Wikimedia
Saber que a mera presença de tubarões dita em que lugar outros organismos vão ficar é uma descoberta relativamente nova, com a qual os ecologistas ainda estão aprendendo a lidar. O fenômeno foi muito bem documentado na Shark Bay, Austrália; essa região é moradia para uma das maiores populações de tubarões-tigres, um predador que pode atingir 5 metros de comprimento e 630 kg.
“A presença de tubarões-tigre pode influenciar o comportamento de golfinhos, tartarugas, peixes e até de pássaros”, diz Shiffman. “As áreas nas quais os herbívoros se alimentam são determinadas pelos tubarões e isso pode influenciar a cadeia alimentar inteira”. De fato, estudos em andamento na Shark Bay Ecosystem Research Project mostram como a localização dos tubarões pode impactar indiretamente no crescimento de plantas marítimas, que formam a arquitetura física do ecossistema.
Futuro Incerto
O Tigre-siberiano este é um dos grandes felinos mais ameaçados da Terra. Imagem: Ross Elliot / Flickr
Existem diversos estudos que expõem o impacto de outros predadores além destes mencionados. Mas os mais comuns são sobre os predadores que não compreendemos muito bem, por ainda não termos estudado o suficiente sobre o papel deles no ecossistema. Infelizmente, muitas dessas espécies estão desaparecendo enquanto aprendemos a apreciar as muitas maneiras que eles administram ecossistemas.
Dos 31 dos maiores mamíferos da ordem Carnivora — uma lista que inclui lobos, felinos, ursos e hienas — 61% são listados como ameaçados pela União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais. 77% estão em declínio. Um grupo de cientistas ambientais escreveu na Science como o desaparecimento dos predadores do topo da cadeia alimentar pode afetar ecossistemas em todo o mundo. “Devemos esperar surpresas, porque estamos começando a entender a influência destes animais na natureza”.
Incluídos nas surpresas deste impacto estão as maneiras como o desaparecimento destes carnívoros pode nos afetar. Os maiores predadores da Terra inspiraram nossas histórias, mitologias e arte desde o início da cultura. Perdê-los é mais do que uma derrota para o meio ambiente — é uma derrota para a humanidade.
Imagem de capa via Travelbag Ltd