Profissões intensivas em matemática são as que mais crescem no mundo. Brasil ainda está defasado
Texto: José Tadeu Arantes | Agência FAPESP
Atividades que utilizam intensivamente a matemática respondem por 4,6% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, geram 7,6% dos empregos, pagam o dobro da média salarial nacional e são mais resilientes em momentos de crises. Estes dados – levantados pelo estudo “Contribuição dos trabalhos intensivos em matemática para a economia brasileira”– foram apresentados pelo matemático Marcelo Viana na 5ª Conferência FAPESP 2024, intitulada “Quanto vale a matemática para o Brasil?”.
Pesquisador titular e diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e ao Ministério da Educação (MEC), Viana é especialista em sistemas dinâmicos e teoria do caos. Foi presidente da Sociedade Brasileira de Matemática e vice-presidente da União Matemática Internacional. E tornou-se o primeiro brasileiro e primeiro matemático, juntamente com François Labourie, a receber o Grand Prix Scientifique Louis D., principal premiação científica da França, oferecido pelo Institut de France.
“Fiz uma conta para podermos entender do que estamos falando. Em 2022, o PIB do Brasil foi R$ 9,9 trilhões. A contribuição efetiva da matemática, de 4,6%, correspondeu a R$ 455 bilhões. É um percentual baixo, comparado ao dos países avançados, mas, aqui entre nós, R$ 455 bilhões não são brincadeira. A matemática está colocando na pilha da riqueza brasileira R$ 455 bilhões. Porém, se estivéssemos no patamar francês, de 18%, a matemática estaria contribuindo com R$ 1,782 trilhão. A diferença é de R$ 1,327 trilhão”, disse Viana, e sublinhou que tal valor é anual.
“Essa diferença é a mina de ouro, a oportunidade que a gente tem de, agindo, gerar ao menos parte desse recurso que estamos deixando de produzir”, falou.
Ele direcionou sua conferência para o papel que a universidade pode desempenhar para a realização dessa meta, que colocaria o Brasil no mesmo patamar de países desenvolvidos quanto à contribuição econômica da atividade matemática. O pesquisador identificou dois papéis fundamentais: formação e transferência de conhecimento para o setor produtivo. E enfatizou a necessidade de que a comunidade acadêmica saia de sua torre de marfim. “A grande maioria das empresas não tem a menor ideia do que conversar conosco. Nem que seja relevante conversar. Precisamos mostrar que estamos abertos ao diálogo”, afirmou.
Viana citou uma pesquisa do Escritório de Estatísticas de Trabalho dos Estados Unidos, o Occupational Outlook Handbook, que afirma que o emprego global em profissões ligadas à matemática deve crescer mais rapidamente do que a média de todas as profissões de 2022 a 2032. E insistiu que, no Brasil, falta correspondência entre o que a academia está fazendo e o que o mercado está demandando.
“Nosso ensino superior está crescendo, o que é bom, mas não está crescendo bem. O dado relevante, positivo, é que, atualmente, 19,7% dos brasileiros têm formação universitária, índice ainda baixo em relação a países desenvolvidos, mas o dobro dos 7,9% do início da década passada. Por outro lado, esse aumento de frequência e de titulação universitária está acontecendo, me perdoem, nos lugares errados. Segundo o Inep [Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira], Pedagogia, Administração, Direito e Enfermagem são, há uma década, os cursos com maior número de matrículas no país”, afirmou.
Acrescentou que o que está sendo vendido para os estudantes que ingressam nesses cursos é uma miragem, porque o grau de empregabilidade dos egressos é baixíssimo. “Quem se forma, por exemplo, em Administração tem uma chance de 3,4% de exercer a profissão na área em que se formou. Nas outras três áreas, os percentuais são menos dramáticos, mas também baixos: Pedagogia (15,5%), Direito (8,9%), Enfermagem (7%)”, informou.
Viana sustentou que o problema não se restringe ao ensino universitário. Citando um artigo dos professores Fernando Paixão e Marcelo Knobel, mostrou que o gargalo na formação de engenheiros no país não é a falta de cursos de engenharia, mas a baixíssima proficiência em matemática dos alunos egressos do ensino médio. Enquanto a Austrália tem 38,1% dos seus alunos no nível superior da avaliação de matemática do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa); o Canadá, 43,3%; e a Coreia do Sul, 51,8%; o Brasil possui apenas 3,8%. “Isso geralmente é visto como um problema educacional. Claro que também é. Mas é principalmente um problema estratégico nacional. Sem profissionais capacitados a utilizarem ferramentas matemáticas na resolução de problemas reais não há desenvolvimento”, argumentou.
O pesquisador apresentou um gráfico de crescimento e declínio das matrículas de mestrado e doutorado por área, no período 2015 a 2022, mostrando um forte crescimento em Humanas e Ciências Sociais, um crescimento quase nulo em Saúde e um declínio muito acentuado em Exatas, Biológicas, Agrárias e Engenharias. “Não estou fazendo uma comparação de valor entre as diferentes profissões, mas uma ponderação sobre as necessidades do país. Esta é a direção errada na qual estamos avançando”, resumiu.
O tema foi intensamente debatido na seção de perguntas e respostas. O professor Marco Antonio Zago, presidente da FAPESP, presente no evento, ressaltou que essa situação extremamente preocupante se insere em um quadro maior de retração não apenas dos cursos de pós-graduação, mas até dos cursos de graduação do país, que encolheram 16%.
A professora Esther Império Hamburger, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), lembrou que as “mudanças nas opções profissionais estão ligadas a transformações muito profundas que vêm ocorrendo no mundo”.
Quanto à imagem de “bicho-papão” que a matemática ainda tem para muitos estudantes, Viana destacou que “é preciso dizer para que a matemática serve; mostrar que ela é útil, que faz sentido e que é fundamental para o desenvolvimento do país”.
Além da fala de abertura do professor Zago, a conferência teve a moderação dos professores Oswaldo Baffa Filho, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP), e Paolo Piccione, do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP).
A 5ª Conferência FAPESP 2024, “Quanto vale a matemática para o Brasil?”, pode ser assistida na íntegra no canal da Agência FAPESP no YouTube.