Como proteger aviões civis – e seus passageiros – de ataques aéreos?
Este não é um bom ano para a aviação: nesta semana, dois aviões caíram – um em Taiwan, outro no Mali – e na semana passada, o voo MH17 da Malaysia Airlines foi derrubado por um míssil no leste da Ucrânia, região atualmente ocupada por separatistas.
Os acidentes desta semana aconteceram devido a intempéries da natureza – o tufão Matmo e uma tempestade – mas a tragédia na Ucrânia, não. Muitos se manifestaram, pedindo por uma defesa melhor em aviões comerciais. Mas é mesmo possível proteger aviões civis contra armas de nível militar?
Para entender por que é tão difícil defender aviões civis, precisamos entender como é ampla a lista de ameaças que eles enfrentam.
>>> Os detalhes do míssil que provavelmente derrubou o avião da Malaysia Airlines na Ucrânia
Como funcionam os mísseis teleguiados e autoguiados
Quando aviões civis são derrubados – o que já aconteceu várias vezes nas últimas décadas – a arma em questão quase sempre é um míssil. Ao contrário de foguetes não-guiados, esses mísseis podem ser orientados até chegar ao alvo. Isto pode ser feito por uma pessoa, de forma remota; mas geralmente é feito com uma tecnologia que usa o próprio alvo para guiar o míssil.
Existem vários métodos de se fazer isto:
com localização ativa: trata-se de uma tecnologia tudo-em-um, que usa um radar interno e componentes eletrônicos. Isso permite criar mísseis que não precisam ser monitorados durante todo o voo, como o AMRAAM; mas exige um míssil muito maior, mais pesado e mais caro.
Além disso, o tamanho e a resolução do radar de bordo são muito menores do que um radar em terra. Isso limita severamente o tamanho dos alvos que um míssil ativo pode perseguir, essencialmente limitando-o a atingir navios e alvos aéreos. Um míssil desses poderia atingir um bombardeiro B-52, mas teria dificuldade para identificar um drone militar.
com localização semiativa: em vez de um radar a bordo, ele depende de um radar maior em terra – muitas vezes o mesmo sistema que identifica as ameaças dos inimigos. Com isso, o míssil fica menor, mais leve e mais barato de fabricar, e sua resolução de radar é melhor.
No entanto, o radar que a estação terrestre utiliza para guiar o míssil também pode detectada pelo alvo e destruída. Ainda assim, o sistema – conhecido tecnicamente como SARH – é o mais comum em operações para derrubar aeronaves.
Uma forma alternativa de homing semi-ativo, o SALH, substitui o radar por um designador laser, que identifica bombas e outras munições com precisão. Sistemas SALH são bastante encontrados em plataformas de mísseis ar-superfície, lançado por uma aeronave militar em alvos na terra ou no mar.
O que acontece quando uma aeronave militar, mesmo podendo combater e evitar buscadores de calor – é atingida por um MANPAD. Imagem via World Affairs Board
com localização passiva: este talvez corresponda à ideia de muitas pessoas sobre mísseis teleguiados, ou “buscadores de calor” (heatseekers). Sistemas de comando passivo não dependem de sinais de radar, e sim das emissões do próprio alvo: luz, calor e som podem ser usados para marcar um alvo e orientar o míssil.
O comando por infravermelho, por exemplo, percebe o calor gerado pelo escapamento de um avião e o usa para marcar o alvo. Buscadores de contraste, por sua vez, procuram pontos onde o contraste da imagem muda rapidamente, e são muito eficazes contra estruturas na terra e contra outros alvos que só podem ser identificados visualmente.
Medidas defensivas
A derrubada do MH17 não é, infelizmente, a primeira vez que um avião comercial foi abatido por mísseis superfície-ar. Mais recentemente, dois incidentes – em 2002 e 2003 – ilustram os perigos crescentes que companhias aéreas comerciais enfrentam em áreas de conflito.
O primeiro caso foi no Quênia, quando um Boeing 757 da Arkia Israel Airlines (AIA) foi alvo de um MANPAD (sigla para “defesa aérea portátil por homem”), um lançador de foguetes que se apoia no ombro. O segundo caso foi no Iraque, onde um avião de carga DHL A300 foi atingido na asa após a decolagem.
Infelizmente, muitos voos passam por áreas de conflito. Empresas aéreas só evitam alguns países mais problemáticos – como Síria, Coreia do Norte e Somália – mas a rota pela Ucrânia era bastante usada até o dia do acidente.
“Algumas pessoas dizem que aviões devem ser armados com dispositivos defensivos. Isso não vai levar a absolutamente nada”, disse Tim Clark, presidente da Emirates Airlines, ao site Arabian Business. “Se não podemos operar aeronaves de uma forma livre e desimpedida, sem a ameaça de serem derrubadas, então não deveríamos estar operando e ponto.”
Ainda assim, face a tragédias internacionais como esta, alguns membros do Congresso americano começaram a advogar defesas para aeronaves comerciais. O senador republicano Mark Kirk já solicitou o uso de algum tipo de defesa contra mísseis em aviões civis.
“Eles devem investir ativamente na implementação de defesas ativas em aeronaves civis que levam centenas de pessoas”, disse ele em comunicado. “Tecnicamente, não é muito difícil adicionar um sistema de aviso de radar em um avião, para o piloto… desviar um míssil guiado por radar.”
Várias empresas de defesa, bem como o governo de Israel, já desenvolveram tais sistemas. O Sky Shield, por exemplo, é um sistema baseado em lasers para confundir buscadores de calor (com localização passiva) emitindo luzes laser e guiando o míssil para longe do avião, antes que seu fusível de proximidade seja ativado.
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Isso evitaria outro incidente como no Quênia, mas este sistema não foi concebido para combater ameaças que usam radar – como o míssil Buk, que provavelmente derrubou o avião da Malaysia Airlines. Além disso, o Sky Shield custa US$ 1 milhão por avião – é algo excepcionalmente caro.
O NG Guardian. Foto por Akradecki/Wikimedia
O Northrop Grumman Guardian, desenvolvido em 2003, também defende contra mísseis de curto alcance guiados por calor, e foi aprovado pela FAA (órgão americano análogo à Infraero) para uso a bordo do Boeing 747, McDonnell Douglas DC-10/MD-10 e McDonnell Douglas MD-11, todos comumente usados como aviões de carga e de passageiros.
Também há o Flight Guard, da israelense Elta Systems, que dispara sinalizadores civis em vez de feixes de laser. No entanto, ele também é projetado para se defender contra ataques de MANPAD após a decolagem e pouso, em vez de mísseis supersônicos em altitude de cruzeiro.
De acordo com a Bloomberg, os EUA gastaram US$ 239 milhões na última década para criar sistemas contra MANPADs. A IATA (Associação Internacional de Transporte Aéreo) estima que equipar todos os aviões com esta tecnologia custaria até US$ 43 bilhões e levaria duas décadas. E os aviões ainda não poderiam se defender contra o tipo de ataque que abateu o voo MH17.
O fato é que não há uma solução única para esse problema, e as respostas fragmentadas que temos são proibitivamente caras. Assim, a menos que aviões comerciais sejam equipados com alertas de detecção de radar, talvez Tim Clark esteja certo: a maneira mais fácil de se defender contra mísseis é ficar bem longe de regiões de conflito. As empresas aéreas terão que ser mais abertas em relação às rotas que tomam. [Wikipédia 1, 2 –How Stuff Works – Wired]
Foto inicial por AP