Quando um estranho decide destruir a sua vida

Atualizado às 10h de 10/8 Monika Glennon vive em Huntsville, Alabama, há 12 anos. Além de um forte sotaque polonês, ela se encaixa em um certo estereótipo da vida americana. Ela é loira. Seu marido é um fuzileiro naval veterano. Seus dois filhos, um menino e uma menina, foram para o exército quando adultos. Ela […]

Atualizado às 10h de 10/8

Monika Glennon vive em Huntsville, Alabama, há 12 anos. Além de um forte sotaque polonês, ela se encaixa em um certo estereótipo da vida americana. Ela é loira. Seu marido é um fuzileiro naval veterano. Seus dois filhos, um menino e uma menina, foram para o exército quando adultos. Ela vende casas – ela é uma corretora imobiliária na Re/Max– ajudando outras pessoas a alcançarem o seu próprio sonho americano.

Mas em setembro de 2015, ela foi subitamente colocada em um pesadelo americano. Ela recebeu uma ligação às 6 da manhã de um colega no Re/Max dizendo que algo terrível havia sido postado sobre ela na página da Re/Max no Facebook. Glennon pensou a princípio que um cliente havia deixado um comentário ruim, mas acabou sendo algo muito pior que isso.

Foi um link para uma história sobre Glennon no site She’s A Homewrecker, que existe com o único propósito de envergonhar uma suposta “outra mulher”. A autora do post no Homewrecker afirmou que ela e o marido contrataram os serviços de Glennon como corretora de imóveis e que tudo estava indo muito bem até uma noite, quando ela encontrou Glennon fazendo sexo com o marido no chão de uma casa que o casal foi visitar. A mulher não identificada entrou em detalhes sobre o ato sexual e alegou que ela tirou fotos posteriormente usadas para tirar tudo de seu marido em um divórcio. A única foto que ela postou foi o retrato profissional de Glennon, tirada de sua página no site da Re/Max.

Glennon foi mostrada em uma história em um site dedicado a envergonhar supostos adúlteros.Captura de tela: She’s A Homewrecker (documentos do Tribunal)

Glennon ficou horrorizada. A história foi completamente inventada e ela não tinha ideia de por que alguém teria feito isso. Alguém no Facebook chamado Ryan Baxter fez o post na página da Re/Max; Baxter também consultou a lista de amigos do Facebook de Glennon e enviou a postagem para seu marido, familiares e muitos de seus contatos profissionais.

“Desculpe-me ser a pessoa a te falar isso”, escreveu Baxter para o marido de Glennon, Scott, em uma mensagem no Facebook.

Glennon entrou na seção de comentários sobre a história de Homewrecker e escreveu que aquilo foi inventado. Uma mulher chamada Amy respondeu com ceticismo: “Hmmm, então por que alguém inventaria uma história tão extravagante?”.

A história foi postada novamente em outros sites, incluindo um chamado BadBizReport.is onde foi vista mais de 95.000 vezes. Ela rapidamente se tornou o principal resultado de pesquisa do nome de Glennon no Google. Dentro de um ano, Glennon estava enfrentando os problemas da repercussão: seu número de trabalhos caiu pela metade. Ela estima que perdeu cerca de U$ 200.000 em negócios desde 2015.

Ela ficou perplexa quanto ao autor do post. Glennon pensou que poderia ser um corretor de imóveis rival ou um conhecido que estava com raiva dela.

“Eu estava olhando para cada pessoa na minha vida, cada estranho e me perguntando quem fez isso comigo e por quê”, disse Glennon por telefone. “Isso faz você repensar cada relacionamento da sua vida”.

Depois de US$ 100.000 em contas de advogado, Glennon conseguiu desmascarar o culpado. Acabou sendo um completo estranho que se sentiu ofendido com um comentário que Glennon havia feito em uma reportagem no Facebook.

Em 2014, um adolescente do Alabama visitou Auschwitz e tuitou uma selfie sorridente no antigo campo de concentração. Ele se tornou viral, enquanto as pessoas em toda a internet debatiam o autorretrato do adolescente. A WHNT News, uma emissora de TV de Huntsville, Alabama, publicou uma reportagem sobre o incidente em sua página no Facebook pedindo aos leitores “compartilhem seus pensamentos”.

O post que começou tudo. Crédito: Captura de tela do Facebook

Uma discussão acalorada se seguiu. Monika Glennon estava entre as que defendiam a adolescente, dizendo que as crianças cometem erros, que pelo menos ela estava visitando o local, e que a condenação de um linchamento na internet “mostra a mesma mentalidade preconceituosa e insensata que levou a esse tempo horrível na história”.

Uma mulher chamada Mollie Rosenblum discordou. Ela respondeu a vários apoiadores da selfie da adolescente, incluindo Glennon, dizendo que Auschwitz era um lugar sombrio para reflexão e não era apropriado para tirar selfies. Ela se identificou como sendo descendente de judeus e sugeriu que os outros não tinham uma compreensão completa do Holocausto. Glennon respondeu a Rosenblum, dizendo a ela que Auschwitz não é “seu” lugar, que “pertence a todos e foi uma antiga zona de matança de todos”, incluindo, originalmente, pessoas polonesas.

Se você já discutiu com alguém online, provavelmente não ficará surpreso ao saber que nenhuma das pessoas foi convencida pelos argumentos da outra pessoa

Se você já discutiu com alguém on-line, provavelmente não ficará surpreso ao saber que nenhuma das pessoas foi convencida pelos argumentos da outra pessoa. Glennon se esqueceu da conversa e continuou sua vida. Rosenblum, não.

Rosenblum ficou pensando sobre a conversa durante uma semana. Era um ponto baixo de sua vida; uma mãe solteira com dois filhos, ela estava, através de um relato próprio postado no Facebook, à época “à beira da completa dependência de metanfetamina” e fazendo decisões muito ruins (incluindo, em 2016, um sequestro). Ela passou algumas horas pesquisando Glennon na internet e logo aprendeu o suficiente para fingir tê-la conhecido na vida real. Foi a versão online de uma briga de trânsito; em vez de apontar uma arma contra outro motorista, Rosenblum decidiu soltar uma bomba sobre a reputação de Glennon. Rosenblum enviou sua história inventada para o She’s A Homewrecker, e depois, de acordo com uma declaração dada posteriormente a uma agência de notícias local, se esqueceu disso tudo.

Há uma constelação de sites na internet que existem apenas como lugares para as pessoas exorcizarem seus demônios e, mais importante, seus ressentimentos; She’s A Homewrecker é um deles. Ele oferece a oportunidade de divulgar os erros de uma pessoa, de modo que eles estejam disponíveis não apenas para um círculo interno com acesso às fofocas locais, mas para qualquer pessoa que pesquise no nome dessa pessoa.

Os termos de serviço especificam que as postagens devem ser factualmente verdadeiras, mas se não forem, não é um problema para o site. Ele é protegido pela Seção 230 do Communications Decency Act, da legislação dos Estados Unidos, que protege sites de serem processados ​​pelas coisas que seus usuários dizem.

Rosenblum escreveu e enviou a história em agosto de 2014, mas ela não foi publicada até setembro de 2015, muito tempo depois de Rosenblum ter se esquecido dela. Isso porque os envios para She’s A Homewrecker são revisados antes da publicação. Questionado sobre o motivo do atraso, o advogado do site, David Gingras, especula que a história de Rosenblum pode ter “ficado em uma fila por um ano”. O gatilho para a publicação provavelmente foi a venda do site. She’s A Homewrecker foi fundado em 2013 por Arielle Alexander, mas ela vendeu o site em agosto de 2015 para a Relic Agency, que é dirigido por Nik Richie, que também fundou The Dirty, outra importante estrela na constelação dos sites de rancor. A história sobre Glennon foi ao ar um mês depois que o site mudou de dono.

Isso tudo poderia ter morrido no escuro, se não fosse por uma pessoa identificada como Ryan Baxter no Facebook. Baxter foi quem postou a história na página do Re/Max no Facebook, mandou ela para os chefes de Glennon e muitos de seus contatos no Facebook. Aparentemente, uma leitora regular de She’s A Homewrecker, Baxter tinha o hábito de aumentar os danos às pessoas envergonhadas no site. Glennon encontrou numerosos exemplos de postagens de Baxter no Facebook de empregadores e amigos de outras pessoas. Esses são os estranhos hobbies da era moderna.

Glennon escreveu repetidamente para todos os sites que publicaram a história dizendo que era falsa, mas nenhum deles tirou a história. Sua única opção era ir ao tribunal, então ela entrou com uma ação em 2016 contra John Does (termo em inglês que significa pessoas desconhecidas), alegando difamação e infração de direitos autorais, porque o post usou seu retrato profissional, do qual ela era proprietária.

Através do processo, Glennon foi capaz de intimar o She’s A Homewrecker e o Facebook para conseguir endereços de IP, assim como os provedores de serviços de internet para descobrir as identidades das pessoas por trás dos endereços de IP. Alguns meses depois que ela entrou com o processo, outro post apareceu em outro site, “Report My Ex”, escrito por um homem alegando ser o marido que havia se relacionado com Glennon, detalhando novamente um ato sexual que nunca aconteceu.

“Isso realmente me assustou porque eu estava com medo que os homens que me contratassem como corretora de imóveis esperassem que eu fizesse sexo com eles”, disse Glennon por telefone. “Então, meu marido começou a ir comigo para mostrar as casas vagas. Instalamos um sistema de vigilância em nossa casa porque eu estava com muito medo”.

Por meio de intimações, Glennon descobriu que Ryan Baxter era uma estranho de Oxnard, Califórnia, chamada na verdade de Hannah Lupian. Pouco depois de Lupian ter recebido uma queixa legal, o perfil de Ryan Baxter desapareceu do Facebook. Glennon nunca ouviu falar de Lupian e não conseguiu entrar em contato com ela.

Depois de se saber de que sua identidade seria revelada por seu provedor de internet, Mollie Rosenblum se entregou. Ela enviou um e-mail aos advogados de Glennon, desculpando-se, mas dizendo que se Glennon continuasse a persegui-la legalmente, ela “se protegeria ao tornar público seu contato inicial”. Seis meses depois, em setembro de 2017, Rosenblum cumpriu sua ameaça e foi ao Facebook na seção de comentários do BadBizReport, onde pediu desculpas por mentir sobre Glennon ser adúltera, mas disse que o fez por causa do “antissemitismo velado” de Glennon.

“Embora a sra. Glennon não seja uma mulher adúltera, ela é culpada em minha opinião de trollar a pessoa errada no Facebook”, concluiu Rosenblum no Facebook.

“Ela é culpada, na minha opinião, de trollar a pessoa errada no Facebook”

Glennon ficou horrorizada. Ela não queria mais coisas terríveis escritas sobre ela online.

“Eu não sou um simpatizante nazista. Eu cresci em uma família pobre na Polônia comunista ”, disse Glennon. “Eu vi os comentários e fui atrás de [Rosenblum] no Facebook Messenger e disse: “Isso chegou a um nível terrível de dano que você causou a mim. Vamos nos encontrar. Por favor, pergunte-me o que você quiser me perguntar”.

Elas concordaram em se encontrar em um restaurante em Athens, Alabama, uma cidade a uma hora de distânciaonde Rosenblum mora. A reunião durou quatro horas.

“Ela tinha pensado que eu era essa vadia rica e má. Esse é o problema com as mídias sociais. Você faz essas suposições sobre as pessoas”, disse Glennon. “Depois de me conhecer, ela fez uma declaração admitindo tudo o que fez. Ela entendeu quem eu era”.

Rosenblum não respondeu às perguntas da mídia via e-mail ou Facebook Messenger. Ela esteve ativa no Facebook recentemente, em 4 de julho, mas foi condenada a quatro anos por sequestro e o site do Departamento de Correções do Alabama diz que ela iniciou seu mandado em novembro de 2017. Sua opinião, no entanto, está bem documentada online e em documentos de tribunal.

Conhecer Glennon pessoalmente pareceu desarmar a raiva de Rosenblum. Ela voltou mais uma vez para a seção de comentários do BadBizReport para retratar o que havia dito e se desculpar.

“Sra. Glennon é, de fato, uma pessoa gentil e compassiva com quem compartilho muitos valores comuns”, escreveu Rosenblum. “Por favor, aceite o meu mais profundo pesar pelo mal que eu trouxe para a vida dela e daqueles que a amam”.

Rosenblum queria derrubar as postagens, mas ela não conseguiu. Em sites de envios como o She’s A Homewrecker, não há nenhum botão de apagar, para não mencionar as cópias da postagem que apareceram em outros sites.

“Esses sites devem permitir que as pessoas que fizeram as postagens sejam capazes de os retirar”, disse Glennon. “Eu vejo muitas pessoas nos comentários dizendo que se arrependeram e querem apagá-las, mas não conseguem”.

O advogado de She’s A Homewrecker, David Gingras zombou disso. “O fato de os autores não poderem remover seus próprios posts tem a intenção de reduzir a eficácia de ameaças como: ‘Retire isso ou eu processarei você até a sua falência’ “, disse Gingras por e-mail. “Embora a política do site não seja permitir costumeiramente que os autores removam suas próprias postagens, o site ainda considerará as solicitações de remoção de um autor caso a caso… isso depende apenas das circunstâncias. O site também costuma remover conteúdo que um tribunal considerou falso”.

Glennon ganhou seu processo contra Rosenblum e Lupian, com um tribunal federal no norte do Alabama decidindo a seu favor as alegações de violação de direitos autorais, invasão de privacidade, imposição intencional de sofrimento emocional e interferência em seus negócios. O juiz ordenou que os sites que publicaram a história de Rosenblum a removessem. She’s A Homewrecker já retirou o post, mas continua no BadBizReport. O site BadBizReport afirma que não responde a ordens judiciais e que “não há como sair do BadBizReport quando você está listado nele”, acrescentando que “os advogados americanos nos fazem rir”.

Felizmente, o juiz também ordenou que os mecanismos de pesquisa, como o Google, tirasse de seus índices de busca todas as versões do post para garantir que ele não apareça como um resultado de pesquisa quando o nome de Glennon for pesquisado. Na Europa, o direito de remover informações irrelevantes ou falsas de seus resultados de pesquisa é garantido por lei, como o “direito de ser esquecido“. Nos EUA, você precisa pagar por isso.

“Você deveria ser capaz de remover histórias falsas sobre você sem gastar US $ 100.000”, disse Glennon. “Seria impossível para uma pessoa ganhando um salário mínimo limpar a sua reputação”.

Ainda há a dúvida se o Google e outros atenderão à ordem.

“O Google normalmente cumpre as remoções judiciais nos EUA. No entanto, em 2017, o Google supostamente elevou seus padrões em honrar remoções judiciais, antes de relaxar algumas”, disse Eric Goldman, professor de direito da Universidade de Santa Clara. “Infelizmente, as remoções judiciais podem ser obtidas por razões ilegítimas de várias maneiras. Dessa forma, eu acho que o Google deve avaliar as remoções que o tribunal ordenou cuidadosamente em vez de honrá-las reflexivamente”.

Por exemplo, empresas de gestão de reputação têm ido aos tribunais para que posts sejam removidos dos resultados de pesquisa processando pessoas que na verdade não existem e em seguida, indo à corte por contumácia (quando um acusado se recusa a comparecer em juízo) contra eles. Goldman acrescentou que achava que o pedido de remoção de Glennon era legítimo, já que Rosenblum também queria que o post fosse removido.

“Faria sentido para o Google honrar essa liminar em particular, apesar de provavelmente exigir alguma pesquisa por parte deles antes que eles pudessem confirmar sua legitimidade –pesquisa que o Google realmente prefere não fazer”, disse Goldman por e-mail. Um porta-voz do Google disse que a empresa revisa todas as ordens judiciais solicitando que os links sejam removidos da pesquisa e prefere quando as partes resolvem entre si em juízo se uma página deve ser removida dos resultados da pesquisa. No ano passado, o Google removeu links de buscas nos EUA por difamação mais de 30 mil vezes.

O juiz ainda não decidiu quais danos serão concedidos a Glennon. Nem Rosenblum nem Lupian parecem ter muitos recursos, então ela provavelmente não vai recuperar muito do que gastou com o processo.

Glennon diz que a experiência a deixou mais cautelosa online. Ela trancou sua conta no Facebook para que estranhos tenham menos acesso a suas informações e, mais importante, não podem mais ver sua lista de amigos. Surpreendentemente, ela ainda comenta artigos de notícias.

“Mas nada muito provocativo”, ela me disse.

Ilustração do topo por Angelica Alzona/Gizmodo

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