Há quase dois meses publicamos neste Gizmodo uma reportagem extensa e detalhada sobre uma loja paulista chamada Neon Eletro. A matéria, fruto de quase um mês de investigações, mostrava como consumidores, atraídos por preços muito abaixo dos praticados no mercado, estavam sendo lesados — muitos jamais receberam os produtos ou o reembolso dos valores pagos. Parece que, afinal, todo aquele esforço foi válido e a Neon Eletro não existe mais.
Há dias o site da Neon Eletro não abre. Quedas temporárias não eram raras; após a veiculação da reportagem, no final de fevereiro, chegamos a pensar que uma dessas interrupções no serviço tinha sido permanente. Não fora o caso. A diferença é que, agora, o servidor retorna uma página de erro, algo que nunca havia acontecido.
Em paralelo, a Neon Eletro figurou pela primeira vez na lista de lojas virtuais a serem evitadas, editada pelo Procon, junto com outras duas do mesmo grupo, a Ofertone e a New York Imports — sites também fora do ar. Na página oficial do Facebook, a última atualização data de 4 de março. No Twitter, nenhum sinal de vida também.
A gota d’água? O gráfico do Reclame Aqui. Cantamos a pedra na primeira reportagem, e foi tiro e queda: cerca de seis meses após começar a operar, a Neon Eletro parou de responder as reclamações dos clientes e o número delas explodiu.
Todos esses eventos se sucedem a outras baixas pesadas contra a loja, como a intervenção da Pro Teste, a apreensão milionária de produtos em um dos armazéns da empresa e o decurso das investigações cíveis e criminais das quais a Neon é alvo — três, para sermos mais exato. Podem ser fruto de mera coincidência, mas juntos eles reforçam a ideia de que é o fim da linha mesmo para a Neon Eletro.
Profissão: repórter
Não é todo dia que aquele papo de que o bem vence o mal, de que tanto nos falam quando somos criança e que, mais tarde, vemos que não é garantido, funciona. Saber que essa vitória contra a impunidade começou aqui, no Gizmodo, é bem gratificante.
Quando o Leo me passou a pauta apontando anúncios da Neon em grandes portais e emissoras de TV, a gente sabia que havia algo ali. No decorrer da apuração, vimos que era algo grande. Todo o processo, do recebimento da pauta à publicação da matéria, consumiu quase um mês de trabalho. E qualquer um acostumado com o jornalismo online sabe que isso é bem incomum. Queremos fazer mais disso, e torcemos para que muitos outros veículos o façam também. Pela saúde do jornalismo, repórteres precisam de tempo — para apurar, refletir, checar. Isso é importante.
Investigamos a empresa responsável pela Neon Eletro, as outras lojas que ela tivera, checamos o histórico disso tudo em sites de proteção ao consumidor e em serviços públicos disponibilizados pela Receita Federal. Ouvimos delegado, promotor público e assessores, atendentes da Neon, além de muitos (muitos mesmo!) consumidores indignados com o calote sofrido. Cruzamos dados, observamos padrões de comportamento das lojas do grupo, enfim, modéstia à parte, fizemos bem o dever de casa. O reconhecimento e a repercussão da matéria, que inclusive colaborou para as investigações do Ministério Público de São Paulo, foram apenas o reflexo desse trabalho.
Ainda não acabou
Antes de sumir do mapa, recentemente a Neon Eletro reajustou todos os preços, elevando-os a patamares aceitáveis, e tirou de circulação o iPhone 5 que, à época da matéria original, era vendido por impossíveis R$ 999. Não sabemos se foi a pressão, se a consciência pesou ou se foi uma última e desesperada cartada para se manter na ativa. Enfim, agora não importa mais.
Tentativas de se redimir (ao menos esse tipo de tentativa) ou o fechamento da loja não solucionam o problemão das pessoas que confiaram em preços claramente abaixo do mercado — um belo presente de grego. Uma grande parcela dos clientes da Neon Eletro ainda está sem o produto que comprou e sem a grana usada para pagá-lo. Isso significa que a luta ainda não acabou.
É difícil reaver o dinheiro ou ter o bem entregue em casa, mas sentar e lamentar o prejuízo não é a melhor saída. Se você, cliente lesado, ainda não o fez, vá ao Procon, procure o Ministério Público, consulte um advogado, corra atrás do seu direito. A nossa primeira matéria tem um punhado de informações sobre a Neon Eletro e seus responsáveis, ela é um belo ponto de partida.
Pensando em escala maior, a Neon Eletro não é a única. Era uma das mais ousadas, afinal não é qualquer empresa que consegue anunciar em UOL e SBT, mas a tática usada por eles está longe de ser exclusiva. Só a lista do Procon tem quase 300 lojas onde é desaconselhável comprar, e relatos de lojas suspeitas passaram a chegar a nós com regularidade depois da veiculação do caso Neon Eletro. A atenção deve ser redobrada, sempre.
Talvez um efeito colateral do nosso trabalho aqui, é legal e salutar ver que o pessoal está com o “desconfiômetro” melhor calibrado. Repetindo o que já dissemos, o capitalismo é cruel e não dá margem para descontos de cair o queixo; se alguém está vendendo algo muito barato, desconfie bastante.
E encaminhe os seus receios para quem pode fazer a diferença. Para nós, para o jornal da sua cidade, e também para as autoridades. O Ministério Público de Jaú foi bastante solícito conosco, não porque o pessoal de lá é legal (embora seja!), mas porque é o trabalho dele apurar e ver se tem coisa errada prejudicando a sociedade. Não tivemos privilégio algum na apuração do caso Neon, usamos ferramentas simples e largamente disponíveis e colhemos informações que estão ao alcance de qualquer um, o que significa que você também pode ajudar. Basta querer.