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Remoção de coral invasor deve ser evitada em períodos de alta liberação de larvas, alerta estudo

Pesquisadores da USP mostram que o método mais utilizado no Brasil para controlar o coral-sol pode provocar impactos negativos se não for feito no momento certo e se a colônia não for isolada logo após ser removida

Remoção de coral invasor deve ser evitada em períodos de alta liberação de larvas, alerta estudo

Texto: André Julião | Agência FAPESP

Estudo assinado por pesquisadores do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP) mostra que o método mais usado para controle do coral-sol (Tubastraea spp.) pode até mesmo ajudar o animal a se propagar se não for feito nos períodos corretos. O coral-sol é originário do oceano Pacífico, foi introduzido acidentalmente na região do Caribe no início dos anos 1940 e, no Brasil, é considerado uma espécie exótica invasora, sendo registrado no país desde o fim dos anos 1980.

Publicado na revista Marine Biology, o trabalho apoiado pela Petrobras, pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) e pela FAPESP aponta que, apesar de emitir larvas tipo plânula durante o ano todo, o coral invasor tem picos de liberação relacionados principalmente com o aumento da temperatura e da turbidez da água do mar. A emissão larval pode ocorrer em pouco tempo, como resposta ao estresse da remoção mecânica.

Os pesquisadores apontam que, nesses períodos, não deve ser feito o procedimento, pois as larvas liberadas em grande número podem se dispersar pelo ambiente. O método de remoção manual, que retira as colônias com marreta e talhadeira durante mergulho autônomo, é adotado em algumas unidades de conservação, como consta no Plano Nacional de Prevenção, Controle e Monitoramento do Coral-Sol (Tubastraea spp.) no Brasil.

“É a estratégia escolhida por algumas instituições brasileiras porque não utiliza produtos químicos e é direcionada exclusivamente ao coral-sol. A recomendação é tentar retirar as colônias íntegras, porque qualquer tecido remanescente tem a capacidade de regeneração”, explica Damián Mizrahi, que realizou a maior parte do trabalho durante pós-doutorado no IO-USP e foi bolsista da FAPESP no Centro de Biologia Marinha (CEBIMar) da USP durante a fase final de redação do artigo.

Segundo os pesquisadores, as colônias podem liberar larvas como resposta ao estresse da remoção, o que foi observado durante o estudo. Por isso, recomendam isolar os corais retirados do substrato natural em recipientes lacrados imediatamente após a remoção mecânica.

Uma única colônia pode liberar mais de 90 larvas como essa, aumentando as chances de colonização de substratos como rochas e mesmo píeres, navios e plataformas de petróleo (foto: Damián Mizrahi)

“O estudo demonstrou que o coral-sol emite larvas durante todo o ano, o que é associado a uma ampla variabilidade de condições ambientais, mas concentra o esforço reprodutivo durante períodos curtos, emitindo muitas plânulas simultaneamente. Outra capacidade do organismo é a regeneração, em que fragmentos diminutos podem dar origem a novos pólipos. A combinação dessas duas estratégias aumenta a probabilidade de dispersão”, conta Rubens Lopes, professor do IO-USP que coordenou o estudo.

Remover e isolar

Antes de realizar medições depois da remoção dos corais-sol, os pesquisadores coletaram 200 colônias e as transferiram para dois tanques de 500 litros na base do Instituto Oceanográfico em Ubatuba, cerca de 25 quilômetros distante da área de coleta, na Ilha dos Búzios, em Ilhabela. Os tanques possuíam duas redes de segurança, com malha de 200 micrômetros, o que impede a saída das larvas emitidas pelas colônias do sistema de cultivo.

Mantidos em condições de temperatura e exposição ao sol similares às colônias presentes na natureza, os corais puderam ser usados para monitorar a atividade reprodutiva da espécie. Os dados obtidos mostram que a dinâmica de emissão larval dos cultivos de coral-sol em laboratório se assemelha aos registros na natureza, indicando que o cultivo pode ajudar no monitoramento da atividade reprodutiva.

Colônias mantidas em tanques foram usadas para monitorar atividade reprodutiva do coral-sol no campo. Na imagem, larvas boiam na superfície da água (foto: Damián Mizrahi)

Entre dezembro de 2017 e fevereiro de 2020, os pesquisadores realizaram dez campanhas para a remoção mecânica e coleta dos corais, com cerca de três meses de intervalo entre elas. Dados ambientais foram utilizados para avaliar as influências oceanográficas sobre a liberação larval dos corais.

Durante os mergulhos, cada colônia retirada do substrato era acondicionada individualmente com água do mar em um saco plástico lacrado, segundos após sua remoção. Já na embarcação, elas eram depositadas em recipientes individuais imersos na água do mar do local.

Uma vez em laboratório, foram contabilizadas as larvas emitidas por cada colônia em até duas horas após as amostragens. Nos dois dias seguintes, os recipientes continuavam a ser inspecionados, mas não continham mais larvas, o que sugere que a liberação larval ocorreu devido ao estresse provocado pela remoção mecânica dos corais.

Durante os dois anos dessa fase do estudo, 977 colônias foram coletadas. Durante a maior parte do tempo em que foi desenvolvido o trabalho, o número de larvas liberadas se manteve baixo, confirmando estudos em outras regiões do litoral brasileiro – no país, o coral-sol se distribui do Ceará a Santa Catarina, se concentrando no litoral sudeste.

As exceções foram duas campanhas, em dezembro de 2017 e outubro de 2019, quando a liberação foi mais alta do que o normal. “Durante esses períodos específicos também foram detectados máximos de emissão larval nos tanques onde se desenvolveram os cultivos de laboratório com colônias reprodutoras de coral-sol”, esclarece Lopes.

Os pesquisadores observaram ainda que temperaturas da água do mar entre 24,5° C e 27° C favorecem a liberação de larvas, enquanto a água mais fria limita a fecundidade. Os ciclos da lua e o tamanho das colônias não se mostraram estatisticamente significativos para serem utilizados como parâmetros para maior ou menor liberação de larvas.

“A turbidez é um indicativo de presença de matéria orgânica na água, ou seja, de alimento. Nesses momentos, o coral-sol abre os pólipos para comer e acaba liberando as larvas que estavam dentro deles”, sublinha Mizrahi.

Monitoramento

Os pesquisadores observam, a partir dos resultados deste estudo, que manter culturas do coral-sol nas proximidades das áreas invadidas pode subsidiar protocolos de controle e monitoramento, que devem ser implementados somente em períodos de menor liberação de larvas.

Em apenas algumas campanhas houve liberação de muitas larvas na natureza não acompanhada por uma atividade similar nos tanques, na base em Ubatuba. Segundo os pesquisadores, essa pode ser mais uma evidência de que o estresse causado pela remoção estimulou a liberação, reforçando a necessidade de seguir o protocolo de isolamento do ambiente após a remoção.

Indivíduos juvenis de coral-sol (Tubastraea spp.): nativo do Indo-Pacífico, provavelmente chegou a outros oceanos em águas de lastro e cascos de navios e plataformas de petróleo (foto: Damián Mizrahi)

“O método vem sendo utilizado em algumas unidades de conservação no Brasil, mas ainda não se havia olhado com atenção para a dinâmica da atividade reprodutiva do coral-sol para programar essas remoções. Esperamos poder realizar novos estudos para entender melhor os processos de liberação de larvas do coral-sol e os impactos em sua dispersão no ambiente marinho”, aponta Lopes.

Recentemente, a remoção mecânica foi abandonada por um santuário marinho no Golfo do México. Os gestores da unidade de conservação nos Estados Unidos argumentam não ter observado efetividade no método, uma vez que o menor fragmento que permanece no substrato depois da remoção dá origem a uma nova colônia.

O artigo Sun coral larval release following mechanical removal: a 2‑year study on the southeast Brazilian coast pode ser lido por assinantes em: https://link.springer.com/article/10.1007/s00227-023-04296-z.

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