Saara no Brasil: 200 cidades com umidade desértica nesta semana; veja reportagem do Giz
O Brasil enfrenta um cenário preocupante de tempo seco e altas temperaturas, com diversas cidades do país com níveis uma umidade relativa do ar que se comparam ao deserto do Saara.
Na última quarta-feira (4), o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) anunciou que 244 cidades brasileiras registraram umidade igual ou inferior à do deserto do Saara e a situação pode se agravar.
No Saara, a umidade do ar varia de 14% a 20%, e no Brasil, mais de 200 cidades registraram índices iguais e, surpreendentemente, inferiores, como no caso de Barretos.
A cidade dos rodeios, no norte do estado de São Paulo, registrou a menor umidade relativa do ar de 7%, assim como Gama (DF), Goiânia, Ituiutaba (MG), Marília (SP) e outras cidades de Goiás, Minas Gerais e do Mato Grosso do Sul.
Para entender a gravidade, essas cidades brasileiras chegaram a um nível muito além do Saara, se aproximando do Atacama, o deserto mais seco do mundo, com umidade de 5%.
Vale ressaltar que muitas cidades dessas regiões, além de capitais, como BH, estão há mais de 100 dias sem chuva.
Para entender a relação entre clima desértico dos últimos dias com o longo período sem chuva em diversas cidades do país, o Giz Brasil conversou com a pesquisadora Ana Paula Cunha, do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais), órgão do MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação).
Na última terça-feira (3), o Cemaden lançou o boletim de Monitoramento de Secas no Brasil, e a previsão é que a seca e a estiagem continuem.
O boletim da seca no Brasil utilizou o Índice de Precipitação Padronizado de Evapotranspiração (SPEI) para medir e monitorar a seca.
Período sem chuvas e seca severa
Como informamos aqui no Giz Brasil, mais de 75 cidades no Brasil estão sem chuva há mais de 100 dias. Isso ocorre especialmente em Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso e Bahia.
No norte de Minas, a situação é mais crítica, com cidades que já acumulam mais de 140 dias sem chuva e a capital do estado vive sob uma névoa que tende a aumentar nas próximas semanas.
“O que justifica essas mudanças de regime de chuva no Brasil são pelo El Niño superforte, além de uma continuação de uma seca muita prolongada. Agora, essa estiagem se mantém por um superaquecimento no Atlântico Norte. As previsões mostram que o Centro-Sul do país pode ter chuva no final deste mês e o outubro. No entanto, segundo as previsões, o Centro-Norte, que começa por Goiás, indicam chuvas abaixo do normal nos próximos três meses, o que aumenta a gravidade dessa situação”.
Além disso, a falta de chuvas piora o cenário atual, aumentando o risco de queimadas. Embora a maior parte dos incêndios seja causada pela ação humana, a falta de água acumulada potencializa a disseminação descontrolada das queimadas pela baixa umidade do solo, vegetação muito seca e baixa umidade do ar.
Fim do Pantanal não é invenção, diz pesquisadora
Com o aumento da gravidade da seca e falta de chuva, sem falar no número recorde de incêndios, o Pantanal poderia acabar. Pelo menos, foi o que disse a ministra Marina Silva, responsável pela pasta do Meio Ambiente, na última quarta-feira (4).
Coincidentemente, no mesmo dia em que as cidades registravam umidades desérticas, a ministra afirmou que o Pantanal pode deixar de existir até o fim do século. E isso pode, realmente, acontecer.
Sobre a fala da ministra, Ana Paula Cunha afirmou ao Giz Brasil que Marina Silva “tem razão”.
A pesquisadora se baseia nos dados que obteve em uma análise com índices de aridez, que considerava a divisão da precipitação pela evapotranspiração, similarmente ao SPEI, mas quantificando a disponibilidade de água das regiões.
“Nós fizemos essa análise com dados desde a década de 1960. Desde a década de 1960 até 2024, o sul do Pantanal, sobretudo, é uma região que apresenta essa redução de disponibilidade hídrica. Aliás, essa informação foi confirmada também pelo MapBiomas, através de mapeamentos de espelhos d’água. Contudo, nossa análise é bem mais abrangente, portanto, mostra o processo de redução em construção”.
Sobre a redução hídrica, seca e possível fim do Pantanal, Ana Paula Cunha é enfática ao apontar o responsável: a elevação das temperaturas.
No Pantanal, a elevação das temperaturas estão crescendo nas últimas décadas, de acordo com a pesquisadora. Isso contribui, portanto, para a perda de água pela evaporação e evapotranspiração.
“Então, há, sim, um processo de degradação. Claro que não será em dois anos, mas em uma escala de 30, 40, 50 anos, mudando sim a estrutura da vegetação”, diz a pesquisadora.
Seca onde não tinha seca
Ao comentar sobre a possibilidade do Pantanal deixar de existir, Ana Paula Cunha revela uma tendência preocupante das mudanças climáticas. As cidades com umidades desérticas enganam quem acha que o Saara no Brasil estaria no Nordeste.
Na verdade, muitas das cidades com menor umidade e com mais tempo sem chuva estão no cerrado e na Mata Atlântica. Aparentemente, os biomas estão se transformando.
“Em nosso último levantamento, encontramos, além daquela área do interior do semiárido, o aparecimento da seca fora dessa região, fora do nordeste, justamente ali no sul do Pantanal. Portanto, ocorre, sim, uma mudança de clima há, pelo menos, três décadas. E o clima afeta a vegetação. Se você tem um novo clima, com temperaturas mais elevadas e menos chuva, a vegetação vai se adaptando a esse novo clima”.
Desse modo, cidades do triângulo mineiro, oeste paulista e quase todo o estado de Goiás, enfrentam secas severas. 200 municípios estão em condição de seca extrema, com destaque para São Paulo, com 82 cidades, Minas Gerais (52), Goiás (12), Mato Grosso do Sul (8) e Mato Grosso (24).
Risco de seca excepcional existe, diz pesquisadora
O próximo passo para a calamidade é a seca excepcional, que ainda não apareceu no boletim da seca. No entanto, segundo a pesquisadora, já existem lugares com seca excepcional, que acontece uma vez a cada 50-100 anos.
No entanto, a pesquisadora explica porque o boletim não lista as cidades que já estão sofrendo com seca excepcional.
“Nossos dados não têm limite geográfico, então são vários pontinhos. Para transformar em informação por município, temos que pegar todos esses pontinhos de dados por municípios com valores em um município e fazemos a média para obter um valor único. Sem considerar essa média, ou seja, com o mapa sem limitações geográficas de município, já vemos, sim, condições de seca.”