A NET Mundial chegou ao fim com uma proposta de autoridades do mundo inteiro para a governança da internet, mas um ponto fundamental ficou meio que deixado de lado: a neutralidade de rede.
O evento foi realizado durante esta semana em São Paulo com representantes de 97 países para definir os rumos da internet. Quem será responsável pelo ICANN, órgão que cuida dos domínios, agora que o governo dos EUA aceitou abrir mão do seu controle? A ideia era discutir isso. Os líderes mundiais presentes até chegaram a algumas ideias, mas a nenhum consenso.
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Durante a abertura, a presidente Dilma Rousseff, além de sancionar o Marco Civil da Internet, também defendeu um controle “multissetorial, multilateral, democrático e transparente” da internet – e consequentemente do ICANN. Pelo que defendeu Dilma – e pelo que prevê o nosso Marco Civil – cidadãos, empresas, governos e entidades acadêmicas teriam voz nesse controle multissetorial. De certa forma, todos os países presentes concordaram com a ideia, mas com algumas pequenas discordâncias no papel de cada setor.
De acordo com o que diz a Folha, podemos dividir os projetos para a governança mundial em dois extremos. De um lado, EUA e Suécia defendem que governos não façam parte do controle da internet. Do outro, Arábia Saudita e Rússia acreditam que os governos devem ter papel forte neste órgão multissetorial. O Brasil, segundo Vírgilio Almeida, presidente da NET Mundial, não está nem de um lado e nem de outro – a posição do país seria algo como um meio termo. Almeida acredita que o modelo já experimentado no Brasil com o Comitê Gestor da Internet (CGI), com todos os setores defendidos por Dilma, é o melhor, já que “nenhum [dos setores] tem maioria, e tudo tem de ser negociado”.
Mas a questão do futuro do ICANN foi meio deixada de lado durante as discussões da NET Mundial, e o debate se concentrou na defesa da neutralidade de rede. Ao fim do evento, Fadi Chehadé, presidente da ICANN, leu um texto final sobre o evento. E este texto fez apenas uma menção meio indireta à neutralidade, dizendo que o tráfego de pacotes de dados deve ser “livre, de ponta a ponta, a despeito de seu conteúdo.” De forma tímida, ele defende o que o Marco Civil da Internet do Brasil tornou lei: que as operadoras não façam distinção do tráfego de dados de acordo com o conteúdo.
O texto ainda defende a governança da rede com participação de governos, empresas, sociedade civil, usuários e comunidades técnica e acadêmica, além de uma internet com administração aberta, participativa, transparente, fiscalizável, inclusiva e equilibrada. No geral, são conceitos bem vagos, e nada foi dito para, por exemplo, condenar a vigilância da rede, como a promovida pela NSA.
O debate sobre a Neutralidade
Apesar de não ser o propósito principal da NET Mundial, a questão da neutralidade de rede foi o tema mais debatido durante a conferência. Neelie Kroes, representante da União Europeia, disse que o conceito de neutralidade não está muito bem definido e que ainda falta uma longa estrada até que se chegue a um consenso.
De fato, o tema está sendo debatido atualmente no mundo inteiro. Duas propostas diferentes já foram aprovadas: nos EUA, a FCC (espécie de Anatel de lá) defende que provedores podem sim cobrar empresas por tratamento especial. Assim, se uma companhia fechar um acordo financeiro com uma operadora, o tráfego dos seus dados pode ter preferência para os clientes do provedor de acesso. E isso não é apenas em teoria: a Netflix paga a Comcast para os usuários da operadora acessarem os vídeos da Netflix com velocidades maiores. O The Verge disse que a proposta da FCC “destruirá a neutralidade de rede.”
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Por outro lado, temos o caso brasileiro. O Marco Civil da Internet tem como um de seus pilares a neutralidade de rede, dizendo que empresas devem tratar o tráfego de dados de maneira isonômica. Mas o Sinditelebrasil, órgão que representa as telecom, acha que não é bem assim. Diz o órgão que “há um acordo para que um decreto determine casos específicos em que a neutralidade da rede não deverá ser respeitada”, segundo a Folha.
Alessandro Molon (PT-RJ), relator do texto do Marco Civil da Internet, discorda, segundo a Exame. “O texto é definitivo. O conceito de neutralidade começa a valer a partir do dia 23 de junho. A partir dessa data, empresas que não cumprirem a lei, irão responder na justiça.”
Portanto, a ideia da neutralidade de rede ainda será bastante debatida nos próximos meses, assim como a questão da governança da internet. A NET Mundial foi apenas o começo: em setembro, será realizado na Turquia o IGF (Fórum de Governança da Internet), quando esses temas devem voltar às pautas. [Folha 1, 2, 3]