Sistema faz a captura de CO2 da atmosfera
Texto: Domingos Zaparolli/Revista Pesquisa Fapesp
Em janeiro deste ano teve início a instalação da primeira estação experimental na América Latina de captura de carbono direta do ar (DAC) no campus da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), em Porto Alegre. É resultado de uma parceria entre a instituição de ensino e a petroleira Repsol Sinopec Brasil. A unidade começou a operar com um reator capaz de remover 15 toneladas de dióxido de carbono (CO₂) por ano. Quando estiver em plena operação, prevista para julho, a capacidade de captura anual será de 300 toneladas de CO₂. Estudos estão sendo conduzidos para avaliar o potencial de armazenamento do gás nas formações rochosas da bacia do Paraná, uma das regiões com maior potencial de armazenamento de CO₂ do país.
A petroleira também desenvolve um segundo projeto, denominado DAC 5000, com o Senai Cimatec, de Salvador, na Bahia, dimensionado para capturar 5 mil toneladas por ano. A expectativa é de que entre em operação em cinco anos. O Senai Cimatec é responsável por elaborar o projeto de engenharia e a estratégia de implementação da unidade. Todo o processo será abastecido por energia renovável, garantindo a negativação das emissões. Segundo a engenheira Cassiane Nunes, gerente de suporte e portfólio de pesquisa da Repsol Sinopec, a unidade-piloto deverá ser implementada na bacia do Paraná.
Os projetos de captura de carbono diretamente do ar são classificados como tecnologias de emissão negativa. Eles se diferenciam dos demais sistemas de captura, utilização e armazenamento de carbono (CCUS) por visar reduzir os estoques de CO₂ presente na atmosfera, enquanto as demais tecnologias evitam lançar carbono no ar. Algumas empresas no mundo já fazem a captura de carbono diretamente do ar, como a norte-americana Heirloom, na Califórnia, e a suíça Climeworks, com unidades em operação na Islândia.
“Enquanto as estratégias de CCUS foram concebidas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa de produtos e processos existentes, sem, contudo, atingir neutralidade ou negativação de emissões, a tecnologia DAC tem como meta remover emissões de carbono ocorridas no passado. Assim, visam reduzir a concentração de CO₂ na atmosfera”, explica o engenheiro Felipe Dalla Vecchia, diretor do Instituto do Petróleo e dos Recursos Naturais da PUC-RS e coordenador do projeto na universidade.
Os sistemas DAC lidam com concentrações de CO₂ na atmosfera de cerca de 415 partes por milhão (ppm), enquanto os sistemas CCUS que fazem captura e separação de CO₂ diretamente na fonte de emissão do gás trabalham com concentrações acima de 50 mil ppm.
Os sistemas DAC consomem mais energia e apresentam um elevado custo de operação, entre US$ 200 e US$ 700 por tonelada de CO₂ capturado. O custo para viabilizar a implementação comercial em larga escala é por volta de US$ 100 a tonelada de CO₂ capturado, o que significa que o valor precisa ser reduzido consideravelmente para que a operação seja economicamente viável. Para Dalla Vecchia, acelerar o desenvolvimento e reduzir os custos da tecnologia motivaram a PUC-RS a entrar no projeto.
A unidade experimental na PUC-RS utiliza uma tecnologia criada pela startup alemã DACMa GMbH. Ela emprega o processo de captura por adsorção, pelo qual moléculas de carbono ficam retidas na superfície de um material sólido por meio de interações químicas ou físicas. Posteriormente, promove a separação e a concentração do CO₂ por meio de sistemas de oscilação de pressão e aumento da temperatura para algo entre 80 e 120 graus Celsius. Para garantir o balanço negativo de emissão de CO₂ no processo, a unidade experimental na PUC-RS será alimentada por um sistema de energia solar com capacidade de gerar 10 mil quilowatts/hora (kWh).
Parlamento brasileiro discute regulamentação da gestão e do controle de armazenamento de carbono em reservatórios geológicos
A viabilidade da atividade dos sistemas de captura e armazenamento de carbono no Brasil está condicionada ao estabelecimento de uma regulamentação federal. No Congresso Nacional tramita o projeto de lei (PL) nº1.425, de 2022, de autoria do ex-senador Jean Paul Prates, atual presidente da Petrobras. A proposta regulamenta a gestão e o controle do armazenamento de dióxido de carbono (CO₂) em reservatórios geológicos.
O PL foi elaborado com base em estudos focados na legislação internacional sobre o tema realizados por pesquisadores vinculados ao Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI). A advogada Isabela Morbach, uma das autoras dos estudos e diretora da CCS Brasil, associação que visa estimular o segmento, destaca dois pontos da regulamentação. Um é o estabelecimento do regime de outorga pública das áreas de armazenamento. Os reservatórios geológicos em terra ou no mar encontram-se no subsolo, ou seja, são um bem público, sob domínio da União, que precisa autorizar seu uso, como ocorre com a exploração mineral.
As outorgas poderão ser realizadas por dois meios. O poder concedente, no caso, a União, poderá mapear o território e indicar locais possíveis de armazenamento e autorizar a exploração da área. Ou um ente privado poderá fazer a pesquisa geológica de sua área de interesse e solicitar a autorização do uso dela. “Nos dois casos, a autoridade pública precisará garantir a competitividade para acesso aos reservatórios, o que poderá ser feito por um chamamento público para a exploração da área”, detalha Morbach.
Outro ponto destacado pela advogada no PL 1.425/22 é a definição da responsabilidade sobre a área de armazenamento. O projeto prevê que as concessões das áreas terão um prazo de 30 anos, prorrogável por igual período. O operador será responsável por manter um inventário do CO₂ e deverá se responsabilizar por eventuais danos ambientais, como a poluição atmosférica causada pelo eventual escape do gás. O monitoramento do depósito permanecerá por um período após o término da injeção e o fechamento do poço.
O PL também estabelece que a fiscalização e a regulamentação da atividade ficarão a cargo da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). O projeto já foi aprovado no Senado e em dezembro de 2023 recebeu o aval da Comissão das Minas e Energia da Câmara dos Deputados, mas ainda precisa do aval das comissões de Meio Ambiente, de Finanças e Tributação, e de Constituição e Justiça, antes de ser encaminhada para votação no plenário.