Sobre Michel Teló e as discussões rasas das redes sociais

Entre as milhões de coisas positivas que a internet nos trouxe, uma das mais importantes foi possibilidade de ter contato com as mais variadas opiniões. Ou pelo menos isso sempre pareceu ótimo. Mas ao longo do tempo, essa variedade tem descambado para o excesso, que por sua vez gera superficialidade. O pior, agora, é que […]

Entre as milhões de coisas positivas que a internet nos trouxe, uma das mais importantes foi possibilidade de ter contato com as mais variadas opiniões. Ou pelo menos isso sempre pareceu ótimo. Mas ao longo do tempo, essa variedade tem descambado para o excesso, que por sua vez gera superficialidade. O pior, agora, é que estamos na fase de obrigatoriedade de opinião: se você não tem algo a falar do último vídeo de crueldade absurda que aparece no Facebook, você é fraco.

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Isso se deve às ferramentas que escolhemos para falarmos com o mundo online. Em 140 caracteres ou um update no Facebook, que será lido por uma geração sem paciência para passar da primeira linha, o que cabe sobre qualquer assunto? Normalmente opiniões extremadas e/ou engraçadinhas. E como todo mundo entra na discussão, você se sente obrigado. O problema é que a curtida em um artigo polêmico ou o retweet de uma piada vira uma discussão sobre os valores culturais de um país. Discussão rasa, com frases curtas, ironias e blocks em quem discorda. Poucas coisas exemplificam melhor essa tendência horrorosa do que o caso Michel Teló.

Sim, Michel Teló. O cara cantou uma música grudenta, bem produzida, que caiu nas graças de gente famosa do mundo todo, de Cristiano Ronaldo a Rafael Nadal. Eu nunca colocaria esta chanson em uma playlist minha, mas músicas dançantes, grudentas, que falam de balada sempre foram as que ficaram em primeiro lugar das paradas de qualquer lugar do mundo nos últimos 50 anos. Não há muita novidade aí a não ser o estouro internacional – o vídeo teve 100 milhões de visualizações no Youtube! Se não estivéssemos superconectados, o assunto nunca apareceria em conversas de bar (no tempo que as pessoas conversavam mais ao vivo) dos, digamos, grupos que eu participo. Na era pré-internet, meus amigos roqueiros não sentavam e discutiam Macarena, se ela empobrecia a cultura ou se todo mundo que ouvia era idiota. O raciocínio é simples: se você não gosta, pra quê discutir? Se você gosta, pra que discutir também? Vá dançar, diabos.

Depois do fim de ano, era impossível não ver o Teló na minha timeline

Mas com a internet tudo muda, porque notícias que as pessoas outrora ignorariam se amplificam. E elas estão ali na sua timeline, diabos, como virar a cara? A revista Época saiu com o Mike T (ou pelo menos esse é o apelido que eu quero fazer pegar) na capa. A manchete, sensacionalista como qualquer manchete de revista é, diz que ele “representa nossa cultura”, o que causou revolta em setores do Facebook. “Chico que representa nossa cultura”, bradaram alguns. Outros resolveram superanalisar a letra, uma bobagem por completo, devidamente rebatida pelo Gravataí Merengue.

O mais incrível é que a reportagem da Época era de fato boa. Acompanharam o cara, a sua rotina, conversaram com especialistas de música, antropólogos e sociólogos que sustentaram de maneira bem convincente porque Mike T representa uma parte importante da nossa cultura – não apenas pelo lado “música festiva” que existe desde sempre, mas por trazer um ritmo e estética originalmente C/D/E repaginado que pode entrar em todas as classes, agora que temos signos comuns, do Twitter às baladas country.

Mas, de novo, na internet só vemos a capa, ou o título de um post, e discutimos em cima disso. E se tuitarmos “acho que a reportagem está correta, mas discordo da escolha de palavras da capa”, ninguém vai ligar. Mas se viermos com algo mais impactante, tipo uma bizarra comparação com os Beatles, teremos dezenas de retweets, alguns unfollows, alguns novos seguidores, amigos de verdade que ficaram profundamente bravos.

E esse tipo de discussão reducionista é tentadora para nossa vaidade – cria-se um círculo vicioso de polemistas do Twitter, com opiniões cada vez mais extremadas e, o que eu acho mais perigoso, uma necessidade de opinião. Lembra do caso Belo Monte? O vídeos dos globais tinha uma ou outra bobagem, mas uma tese razoavelmente sólida. E aí alguns universitários fizeram um vídeo-resposta que também tinha seus méritos (mais técnicos) mas também alguns buracos de argumentação. O embate no Youtube se amplificou nas redes sociais: de repente o povo se viu obrigado a escolher um lado: “ecochatos celebridades” ou “racionais progressistas” (ou pelo menos essa era a simplificação). Cada like no Facebook era um voto, em uma discussão que está muito longe de acabar e é muito mais complexa do que os argumentos apresentados.

Então, amiguinho, cuidado. Discutir assuntos variados é fundamental para qualquer pessoa. Mas correr sem argumentar ou ler, apenas para virar partidário de qualquer ideia e ser mais cool entre um círculo de amigos que você nem conhece na vida real pode ser tentador, mas não nos enriquece de forma alguma. O ambiente bélico de algumas discussões da internet tem, em última instância, empobrecido as opiniões, pela quase necessidade de ser raso — o Meio é a mensagem, como disse McLuhan, e neste caso a mensagem é rápida e sem espaço para críticas. Este meio tem feito todo mundo ficar meio avesso a discordâncias. Hoje há rótulos para os que pensam diferente: quem discorda da gente é instantaneamente troll, quem é de oposição vira golpista-fascista, quem defende a legalização da maconha vira maconheiro vagabundo, e por aí vai.

Não sei onde isso vai dar. Mas ao ver uma agitação maluca por causa de uma música inocente fazer gente pacata subir o tom nas minhas redes sociais, fiquei preocupado. Discutam.

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