Texto: Agência Bori
Os ecossistemas marinhos do Oceano Atlântico Sul têm experimentado um declínio significativo nas últimas décadas devido à sobrepesca e à degradação de habitats. Isso é demonstrado em estudo liderado pelo biólogo brasileiro Thiago Fossile, pelo Institut de Ciència i Tecnologia Ambientals da Universitat Autònoma de Barcelona (ICTA-UAB). O trabalho aponta para a magnitude do impacto humano nessas áreas marinhas, anteriormente prósperas, por meio da análise arqueológica de restos de peixes de vários sítios no Brasil. Houve diminuição significativa de muitas espécies, especialmente tubarões e raias.
O estudo, publicado na quinta (25) na revista científica Plos One, foi financiado pelo projeto TRADITION do ERC e liderado por pesquisadores do ICTA-UAB (Espanha), em colaboração com a Rheinische Friedrich-Wilhelms-Universität (Alemanha) e com a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade da Região de Joinville e as universidades federais de Pelotas (UFPel), Rio Grande (FURG) e Santa Maria (UFSM).
O trabalho mostra que as comunidades indígenas que habitaram a costa sul do Brasil por milhares de anos desfrutaram de ecossistemas marinhos abundantes e diversos, repletos de peixes de grande porte e alto nível trófico e predadores importantes que desempenharam um papel crucial em sua segurança alimentar. Esse fato permitiu a sua exploração regular pelas populações indígenas com tecnologia pesqueira simples ao longo de milhares de anos. Ao comparar os vestígios arqueológicos das espécies de peixes do passado com as populações existentes atualmente, os resultados mostram uma diminuição significativa em muitas das espécies, especialmente tubarões e raias, possivelmente relacionada ao aumento do impacto humano, como a sobrepesca e a degradação de habitats nas últimas décadas.
Fossile destaca as crescentes pressões antropogênicas enfrentadas pela fauna aquática no Brasil, um país conhecido por suas impressionantes praias e diversidade de fauna. “Muitas espécies documentadas em sítios arqueológicos estão agora ameaçadas de extinção, enquanto outras possuem dados insuficientes sobre sua distribuição e abundância. Ao utilizar dados arqueológicos, podemos obter um melhor conhecimento desses ambientes perdidos e redefinir as referências de conservação”.
André Colonese, autor senior e também pesquisador do ICTA-UAB e do Departamento de Pré-História da UAB, destaca a importância dos ecossistemas costeiros e marinhos na sustentação da pesca de subsistência ao longo de milhares de anos ao longo da costa brasileira. “Centenas de sítios arqueológicos fornecem informações valiosas sobre a biodiversidade do passado, contribuindo para os debates sobre o manejo e a conservação da pesca. Este estudo enfatiza a importância de incorporar dados arqueológicos nos debates sobre conservação no Brasil, fortalecendo a relevância dessa disciplina para questões ambientais”.
Para Mariana Bender, coautora da UFSM, o estudo oferece uma nova perspectiva na compreensão da exploração da biodiversidade pesqueira ao longo do tempo. “É surpreendente o que os sítios arqueológicos podem nos dizer sobre o impacto das antigas populações humanas na biodiversidade dos peixes. Ao observar as características dos peixes, encontramos evidências de que os grandes predadores de topo foram explorados por um longo período e que as pescarias recentes se deslocaram para níveis tróficos inferiores. Esse processo não é recente, mas ocorre há milhares de anos”.
A coautora Dione Bandeira, da Universidade da Região de Joinville, explica que “a gestão ambiental indígena serve como um modelo para a utilização sustentável dos recursos, e também desempenha um papel crucial na conservação da biodiversidade nas regiões tropicais e subtropicais da América do Sul. Além disso, os estudos focados nos vestígios arqueológicos da fauna fornecem conhecimentos valiosos sobre as origens e a evolução dessas práticas duradouras”.