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Por que a taxa de quadros é importante

Peter Jackson filmou O Hobbit a 48 quadros por segundo. Há uma grande discussão (e um enorme dilema) sobre as vantagens e desvantagens de taxas altas.

Todos nós sabemos que filmes são uma farsa. Aquele movimento na tela? É só um punhado de imagens estáticas que, quanto mais rapidamente “piscam”, mais realista e crível tornam a sensação de movimento. Quanto maior a velocidade, melhor, e a versão a 48 quadros por segundo de O Hobbit é apenas o começo.

O que é taxa de quadros, afinal?

Se você entende como a projeção de filmes funciona, saberá que as imagens estáticas que formam o rolo de filme são rodadas em um projetor e exibidas consecutivamente através de uma abertura iluminada que projeta a imagem na tela, o que em alta velocidade cria a sensação de movimento. Mágica cinematográfica! A taxa a que essas imagens (ou quadros) são exibidas é informada em quadros por segundo (ou frames per second, fps em inglês) para o filtro tradicional de celuloide, e como “taxa de atualização”, medida em hertz (Hz), para filmes digitais e monitores. Em ambos os casos, esse valor reflete o quão rápido as imagens estáticas podem “piscar” e quanto mais rápido isso acontecer, mais realista o movimento parece ser.

Fps e taxa de atualização são relacionados, mas não a mesma coisa. Está tudo ligado a um velho truque de projecionistas. Para ajudar a minimizar as tremulações dos filmes a 24 fps (a velocidade padrão que você vê em filmes), eles exibiam o mesmo quadro duas ou três vezes antes de passar para o próximo. A taxa de quadros é o número de imagens estáticas completas que são exibidas a cada segundo (isso seria, então, 24 fps), mas a taxa de atualização é o número total de vezes que qualquer imagem aparece dentro do período de um segundo, o que nesse caso seria 72 Hz. Então um filme de 24 fps poderia ter uma taxa de atualização de 72 Hz se cada quadro fosse exibido três vezes, ou uma taxa de atualização de 48 Hz se apenas duas vezes.

Isso é um pouco diferente da taxa de atualização que aparece nas configurações da sua TV ou monitor. As duas medem a mesma característica básica — o número em seu monitor só usa a perspectiva do hardware, em vez da mídia. Isso significa que a taxa de atualização de 60, 120 ou 240 Hz na sua TV indica a velocidade máxima que ela é capaz de exibir imagens, independentemente do que você estiver vendo na tela.

Como isso atinge seus olhos

O olho humano é capaz de diferenciar entre 10 e 12 imagens estáticas por segundo antes de começar a ver apenas como movimento. Ou seja, a 12 ou menos quadros por segundo, seu cérebro se liga que você está vendo apenas um monte de imagens em rápida sucessão, não uma animação suave. Quando a taxa de quadros por segundo fica entre 18 e 26, a sensação de movimento começa a funcionar e seu cérebro é enganado a acreditar que essas imagens estáticas são, na realidade, uma cena em movimento.

Um exemplo ilustrado da trepidação da taxa de quadros. Imagem: Reddit.

Então, se uma taxa de quadros for muito lenta, o movimento parece truncado, mas se for muito rápida você pode ter problemas também. Filmes de ação rodados a 48 fps tendem a ter um efeito parecido com novelas que o povo meio que odiou em O Hobbit.

Isso acontece porque o principal componente para que o movimento pareça realista é o borrão (“motion blur”). No mundo natural, o borrão é apenas a perda de detalhes que você tem quando está olhando para algo que se move muito rápido, ou quando seus olhos estão se movendo mais rápido do que o objeto que é observado. Seu ponto focal é, na realidade, do tamanho de uma moeda, mas quando seus olhos estão fixados em um objeto estacionário – ou o objeto está viajando lento o bastante para que seu olho o acompanhe –, não há perda de acuidade visual. Entretanto, quando seus olhos se movem rapidamente – olhando de relance da periferia esquerda do seu campo de visão para a direita, digamos –, seus olhos não têm tempo suficiente para captar a mesma quantidade de detalhes e informações visuais. Eis, então, o borrão.

No filme, o borrão acontece porque você está olhando para uma série de imagens estáticas exibidas em períodos de tempo curtíssimos. Para um filme de 25 fps, por exemplo, cada quadro aparece na tela por apenas 40 milissegundos. Quando cada um desses quadros é exibido, e então há um flash branco, e depois outro quadro novo entra, você ganha o efeito borrado. Você não tem isso (pelo menos, não da mesma forma) na vida real, motivo pelo qual, em parte, um filme se parece com um filme. Mas é também importante, especialmente nos filmes com retoques ou totalmente feitos com computação gráfica, porque sem o borrão a progressão entre os quadros poderia parecer “engasgada” (um efeito chamado “strobing”). Para ter uma ideia mais visceral do que estamos falando, dê um pulo no Frames Per Second e brinque com as variadas taxas de quadros.

O padrão atual da indústria é 24 fps – número que foi escolhido mais por razões econômicas do que artísticas, mas veremos mais sobre isso depois – e foi isso o que determinou como os filmes se parecem. Mas isso nem de longe é o máximo que podemos enxergar. Tanto a tecnologia atual, quanto o poder do olho humano pode lidar com taxas mais altas do que vemos na TV.

Uma taxa de quadros para cada mídia

Desde o seu nascimento, as taxas de quadros cinematográficas têm sido diminuídas pelos interesses econômicos da indústria. Os primeiros filmes mudos eram rodados entre 16 e 20 fps – o mínimo para gerar a sensação de movimento contínuo –, mas também eram limitados pela força no braço dos cinegrafistas, que tinham que rodar uma alavanca manual do filme na câmera. Os cinemas da época frequentemente exibiam esses filmes em uma taxa de quadros levemente mais rápida do que a que eram filmados, mas o movimento na tela ficava brusco.

Thomas Edison foi um proponente pioneiro de taxas de quadros mais altas. Ele defendia o número 46 porque “qualquer outro menor cansará os olhos”, mas mesmo nos anos 1920 a taxa de quadros média havia subido para entre 22 e 26. Quando as falas chegaram, em 1926, os projecionistas não podiam mais mexer na taxa de quadros livremente, como vinham fazendo, porque isso deixaria o áudio fora de sincronia. Foi aí que a indústria teve que chegar a um padrão de projeção. Ficou convencionado os 24 fps, na maior parte porque era a taxa de quadros mais lenta (e, consequentemente, mais barato de produzir) que ainda suportaria áudio quando executado em um carretel de 35 mm. Da mesma forma, as primeiras câmeras domésticas filmavam em taxas baixíssimas: as câmeras Standard 8 filmavam a 16 fps, e a Super 8 elevou esse número para 18. Então da mesma forma que o atual padrão de 50 nits de brilho foi escolhido por serem as lâmpadas mais baratas e ainda visíveis que os cinemas conseguiram achar, nosso padrão moderno de taxa de quadros é baseado na opção mais em conta que a indústria do século XX conseguiu encontrar.

Hoje, temos três padrões de taxa de quadros principais (24p, 25p e 30p) e há uma nova leva de alternativas que constituem potenciais padrões para o futuro. As transmissões nos EUA (NTSC) são feitas a 24p e oferecem um efeito de borrão “parecido com o cinema”; as transmissões europeias (derivadas do PAL/SEACAM) entregam uma taxa idêntica aos olhos, mas diferente matematicamente de 25p, já que as TVs de lá funciona em uma base de 50 Hz em vez dos 60 Hz dos EUA. E 30p é o padrão de fato para filmes domésticos e câmeras pessoais por replicar com fidelidade a sensação dos rolos de 35 mm sem apresentar tantos artefatos.

As taxas de quadros alternativas são: 48p, que foi a que Peter Jackson usou para filmar O Hobbit. Acima disso, você tem o 90p e o 100p, que são opções na GoPro hero, e o 120p, que é o novo padrão nas TVs UltraHD (e parte do rec.2020). A maior taxa de quadros disponível comercialmente hoje é 300 fps, que a BBC vem experimentando em algumas transmissões esportivas (não, não para o cricket) e pode se provar bem útil no futuro por ser facilmente reversível a 50 Hz ou 60 Hz.

Qual é a melhor taxa de quadros?

Isso depende a quem você pergunta. Peter Jackson acreditou ter visto a luz, a verdade e a vida enquanto filmava O Hobbit, publicando o seguinte em novembro de 2011:

Puristas da cinema criticarão a falta de borrões e artefatos de strobing, mas todos da nossa produção – muitos deles puristas de cinema – foram convertidos. Você se acostuma a esse visual rapidamente e ele se torna muito uma experiência muito mais vívida e confortável. É similar ao momento quando discos de vinil foram suplantados pelos CDs digitais. Não há dúvidas em minha mente de que estamos indo em direção a filmes sendo rodados e projetados em taxas de quadros mais altas.

Infelizmente, pouca gente concordou. Será interessante ver como as sequências de Avatar, de James Cameron, ambas supostamente rodadas a 48 fps, serão recebidas. Talvez Edison estivesse errado ou então estamos muito acostumados aos borrões dos 24 fps que suavizam nossos filmes, os tornam mais como sonhos e tornam histórias e outras coisas não realistas parecerem mais confusas e, assim, mais fáceis de acreditar.

De acordo com Simon Cooke do Grupo de Tecnologias Avançadas da Microsoft, mais rapidez é de fato melhor por causa de como o olho humano trabalha mecanicamente falando. A explicação de Cooke mergulha em um punhado de matemática e terminologias biológicas complexas (você pode tentar a sorte aqui), mas basicamente o ponto dele é que seus olhos se agitam apenas um pouco – não como gelatina, definitivamente – mesmo quando você foca em um ponto fixo. Essa agitação, conhecidas como microtremores oculares, ocorrem em uma taxa média de 84 Hz e, ele propõe, isso ajuda seu cérebro a discernir melhor bordas dentro do seu campo de visão oferecendo aos cones na sua retina duas visões anguladas levemente diferentes do mesmo objeto. Com o dobro da quantidade de informações chegando ao seu córtex visual, seu cérebro é capaz de formular uma imagem visual melhor com mais bordas definidas.

Mas com o padrão atual de 24 fps, as agitações dos seus olhos não estão fazendo nada, na verdade, porque a imagem não muda rápido o bastante para que o efeito de amostragem dos microtremores faça seu trabalho. A essas taxas, “seu olho processará a mesma imagem duas vezes, e não será capaz de extrair qualquer informação espacial extra das oscilações,” escreve Cooke. “Tudo parecerá meio como um sonho, e em resolução menor.”

Cooke recomenda exibir conteúdo acima de 41 Hz (no mínimo 43 fps) ou cerca de metade da taxa de oscilação do olho humano. Para filmes, especificamente, Cooke defende os 48 Hz, embora não sem algumas ressalvas.

A 48 Hz, você será capaz de extrair mais detalhes do que a 24 Hz, ambos em termos de movimento e detalhes espaciais. Será mais do que 2x a informação que você esperaria de apenas dobrar a frequência espacial, porque você também terá informações de movimento integradas ao sinal junto à informação espacial. É por isso que em cenas com muito movimento, você terá resultados muito melhores junto à audiência com taxas de quadros mais elevadas.

Infelizmente, você também verá que a audiência extrairá muito mais detalhes daquela cena do que a 24 Hz. O que, infelizmente, deixará tudo com um visual meio falso (porque eles verão que o set é… bem, um set) e se parecerá com um vídeo, em vez de um sonho – por causa da extração de movimento extra, que pode ser feita quando seu sinal muda para 40 Hz ou mais.

Em resumo, taxas de quadros mais altas se parecem mais reais, mas ela deixa coisas que não são reais ainda menos reais.

Ou Hollywood investe mais em efeitos especiais melhores, ou o público que frequenta os cinemas terá que elevar sua suspensão da descrença. Mas o acréscimo de informações visuais que vem com uma taxa de quadros mais alta ainda pode se provar valiosa para a experiência cinematográfica, especialmente em grandes formatos como o IMAX.

Como a empresa Red Camera diz, como o campo visual na tela IMAX é muito grande, algumas ações na tela (quando exibidas na taxa atual de 24 fps) trepidam mais visivelmente e contém mais artefatos visuais, simplesmente devido ao tamanho físico da tela em que as imagens são projetadas.

“Objetos que se movem podem balançar ou ter uma aparência de ‘cercado’ quando eles aparecem em uma tela enorme,” diz o blog da empresa. “A 24 fps, uma tela de 15 metros mostra um objetivo saltando a 60 cm aumenta se aquele objeto leva um segundo para atravessar a tela.”

Mas com uma taxa de quadros mais alta, o incremento no movimento diminui significativamente – bem como as piscadas da tela e o cansaço ocular. A questão é se os estúdios pegarão carona no novo método como diretores como Cameron e Jackson estão fazendo. Afinal, o maior efeito de altas taxas de quadros que os espectadores tendem a demonstrar é que o visual é “estranho” e “errado”.

Acima de tudo, a indústria parece estar gradualmente aceitando o valor de taxas de quadros elevadas. O YouTube passou recentemente a oferecer vídeos selecionados (a maioria de jogos) a 60 fps e foi ovacionado por isso. E com câmeras de ação como a GoPro Hero 3, que agora oferece 120 fps a 720p (e 60 fps a 1080p), a quantidade de conteúdo sendo gerada nessas taxas só tende a crescer. Vale notar que vídeos de jogos são totalmente falsos, e que os da GoPro, totalmente reais; nenhum deles precisa misturar o real e o falso tão cuidadosamente como os cineastas.

E são esses caras que liderarão a mudança. Nós provavelmente veremos conteúdo filmado em altas taxas de quadros crescer na medida em que legiões de cinegrafistas amadores começarem a pedir por um meio online para compartilhar suas aventuras de quintal – não apenas os diretores de Hollywood. [Extreme Tech – Wiki 1,2 – CMU – Accidental Scientist – Red Camera – Web Archive – BBC – High Def Digest –Frank Schrader – Sony]

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