Tecnologia da USP protege compostos bioativos de alimentos durante a digestão

Pesquisadores da USP usaram substâncias extraídas de resíduos de frutas e do ovo para criar Invólucro que evita a degradação da molécula
Tecnologia criada na USP protege os compostos bioativos dos alimentos durante a digestão
Foto: Acervo dos pesquisadores

Texto: Karina Ninni | Agência FAPESP

Os compostos bioativos, presentes principalmente em frutas e hortaliças, exercem diferentes ações biológicas no organismo associadas à promoção da saúde e ao aumento do bem-estar. A eles são atribuídos efeitos antioxidante, antidiabético, antienvelhecimento e anticancerígeno, entre outros.

Cientistas vêm estudando maneiras de otimizar a absorção desses compostos no trato digestivo, aumentando sua biodisponibilidade. Uma dessas maneiras é nanoencapsular as substâncias para que sejam liberadas lentamente, resistindo ao processo digestório e à ação das bactérias da microbiota intestinal.

É o que vêm fazendo dois cientistas do Departamento de Ciência dos Alimentos e Nutrição Experimental da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP) em diversos trabalhos, o mais recente publicado no International Journal of Biological Macromolecules. Ambos são integrantes do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP.

“Utilizamos a pectina extraída de resíduos do albedo [a parte branca] e da casca de frutos cítricos, com grau de pureza que permite o consumo alimentício. Elas foram preparadas por métodos que excluem qualquer componente químico prejudicial à saúde humana”, conta João Paulo Fabi, coautor do trabalho e professor da FCF-USP.

No artigo de revisão, os cientistas descrevem o uso das pectinas como material para encapsulação de compostos bioativos. Além disso, apresentam uma nova tecnologia desenvolvida pelo grupo. “Formamos um nanocomplexo de pectina com lisozima, substância segura para consumo alimentício extraída da clara do ovo, que dá mais estabilidade ao produto. E, assim, formamos uma rede protetora para um composto bioativo muito sensível: a antocianina”, resume.

Antocianinas são pigmentos solúveis em água pertencentes ao grupo dos flavonoides, compostos fenólicos presentes em vegetais e responsáveis por uma grande variedade de cores observadas em flores, frutos, folhas, caules e raízes de plantas, cuja coloração pode variar do vermelho carmim ao violeta/azul.

A metodologia sugerida pela dupla pode ser usada para encapsular outros compostos bioativos solúveis em água. “Testamos com a antocianina porque é um composto muito desafiador e sensível a muitos fatores, como, por exemplo, luz, temperatura, pH e bactérias intestinais”, informa Thiécla Katiane Osvaldt Rosales, primeira autora do artigo.

O trabalho também recebeu financiamento por meio de outros dois projetos (19/11816-8 e 12/23970-2).

Vantagens

De acordo com os pesquisadores, a vantagem principal do método desenvolvido é que, além da pectina, da lisozima e do material encapsulado (a antocianina), não há nenhuma substância adicionada. “Usamos três compostos de fontes naturais e misturamos em laboratório formando um produto novo, sem adição de sais, ligantes, ou nada que possa ser potencialmente tóxico. Além disso, as nanopartículas não são tão pequenas. Quando são muito pequenas, elas vão ultrapassando as barreiras e membranas das células e entram no DNA, podendo ter efeito tóxico. O tamanho que conseguimos é seguro”, resume Fabi.

Rosales explica resumidamente o processo de obtenção das nanopartículas. “A pectina e a lisozima são aquecidas separadamente, pois o aumento da temperatura provoca uma alteração parcial da estrutura, possibilitando que as substâncias tenham melhor interação. Depois do aquecimento é feito um resfriamento rápido, para aproveitar essa estrutura molecular mais afeita à interação, e misturamos com o material que será encapsulado quando a pectina e a lisozima atingem uma temperatura que não será nociva à antocianina, um composto bastante sensível e instável. Misturamos as três em suspensão aquosa e, após uma hora de agitação, o que resulta já é a antocianina nanoencapsulada. Então, a suspensão passa por um processo de filtração para que o conteúdo não encapsulado seja separado.”

Segundo ela, há um cuidado especial com fatores como temperatura e pH. “Testamos a otimização dos parâmetros, principalmente o pH. Não pode ser alto, porque degrada a antocianina, e nem muito baixo. O pH final foi 5, considerado ótimo para a interação entre as moléculas. Também o tempo e a intensidade da agitação foram testados. Procuramos atentar a todos os detalhes pequenos, mas que fazem a diferença para a formação de partículas estáveis. Já fizemos o depósito da patente da metodologia.”

Resultados

Ao final, a eficácia do encapsulamento foi testada in vitro, em um sistema de digestão simulado que imita a fase gástrica e a fase intestinal.

“O resultado é que uma parte da antocianina foi liberada durante o processo digestório, já no final da fase gástrica, e uma parte ficou presa à nanoestrutura, com possibilidade de liberar o restante no ambiente intestinal ou então ser absorvida integralmente como parte da nanoestrutura. Acreditamos que é um bom resultado”, comemora Rosales.

O próximo passo será testar em animais. “Testamos in vitro e encontramos resultados que indicam que as nanopartículas são seguras para o consumo. Temos indícios de que as células podem absorvê-las de uma maneira não tóxica e de que as pectinas protegem as antocianinas e suas propriedades. Agora, temos de testar em animais. Observar o processo desde a ingestão oral para saber como será a absorção das antocianinas, usando marcadores específicos de absorção, para entender o trajeto que fazem no organismo e o destino biológico”, diz.

A ideia principal dos cientistas é usar as nanopartículas como suplementação alimentar. “Podem ser adicionadas a alimentos e suplementos dietéticos. Mas seria necessário escalonar industrialmente para incluí-las em um suplemento”, pondera Fabi.

A esse respeito, vale ressaltar que a estratégia não demanda equipamentos ou procedimentos caros. “Além disso, o material utilizado para as nanocápsulas, que vem de subprodutos da casca de frutos cítricos, tornaria o custo ainda menor para a indústria. Essa pectina que utilizamos no trabalho é um produto que existe comercialmente, utilizado pela indústria de alimentos, geralmente para formar gel em geleias, ou usado como espessante”, complementa Rosales.

O artigo Pectin-based nanoencapsulation strategy to improve the bioavailability of bioactive compounds pode ser acessado em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0141813022032159?via%3Dihub.

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