Terceirizados que trabalham para o Google dizem que processo para denúncia de assédio segue falho

Na semana passada, milhares de funcionários do Google deixaram seus escritórios e marcharam pelas ruas no que foi, talvez, o maior protesto coletivo de trabalhadores da tecnologia na história. A manifestação, que incluiu escritórios do Google em vários continentes, foi desencadeada por denúncias de que a empresa oferecia pacotes de demissão lucrativos para vários executivos […]
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Na semana passada, milhares de funcionários do Google deixaram seus escritórios e marcharam pelas ruas no que foi, talvez, o maior protesto coletivo de trabalhadores da tecnologia na história. A manifestação, que incluiu escritórios do Google em vários continentes, foi desencadeada por denúncias de que a empresa oferecia pacotes de demissão lucrativos para vários executivos de alto escalão acusados de assédio sexual. A solidariedade impressionante entre a força de trabalho do Google marcou o grande momento de basta à cultura de assédio na indústria.

• Google promete melhorar a forma como trata casos de assédio sexual após protestos de funcionários

Os organizadores do protesto de “caminhada das mulheres” exigiram uma série de mudanças para criar um ambiente mais inclusivo e seguro. Entre suas principais demandas estão um processo melhorado de denúncia de assédio e abuso sexuais, que o Google prometeu, na quinta-feira (8), resolver pelo menos parcialmente. Porém, segundo fontes ouvidas pelo Gizmodo, para milhares de funcionárias prestadoras de serviços, o processo é particularmente frustrante e confuso, potencialmente desencorajando as contratadas a registrar queixas ou mesmo levantar preocupações sobre o problema. E, especificamente para as prestadores de serviços, não parece haver nenhum plano a curto ou médio prazo do Google em torno da situação.

Precisa haver um curso claro de ação e algum tipo de paz ou garantia de que, se você é um TVC (sigla para designar funcionários temporários, de fornecedores ou prestadores de serviços), o status do seu contrato não estará em risco se você denunciar algo.

Na quinta-feira, o CEO da empresa, Sundar Pichai, enviou um e-mail para todos os funcionários do Google, descrevendo uma série de mudanças que a empresa planeja lançar em resposta ao protesto e às demandas dos organizadores.

Isso inclui encerrar a arbitragem forçada para alegações individuais de assédio sexual e agressão, um processo melhorado para denúncias de má conduta e melhorias em torno do treinamento obrigatório acerca de assédio sexual e “mais detalhamento em torno de investigações sobre assédio sexual e seus resultados”.

A companhia também realizou uma reunião na quinta-feira para funcionários do Google em tempo integral. Trabalhadores temporários, fornecedores e prestadores de serviços foram excluídos do e-mail de Pichai e nem sequer foram permitidos dentro da sala durante as atividades do Google, de acordo com um prestador de serviços.

“Eu tive que ler na imprensa em vez de (ouvir) diretamente do CEO da empresa para a qual eu trabalhei no ano passado”, disse uma prestadora ao Gizmodo, na quinta-feira.

Cerca de metade da força de trabalho do Google é formada por funcionários temporários, fornecedores ou prestadores de serviço, mais conhecidos no setor como “TVCs”. Isso inclui indivíduos trabalhando em projetos com funcionários em tempo integral, assim como funcionários de serviços, como baristas, motoristas de ônibus e funcionários de cafeterias. Esses empregados não são oficialmente do Google e não têm os mesmos benefícios ou segurança de emprego que aqueles que são, de acordo com os prestadores de serviço que falaram com o Gizmodo. Além disso, os os prestadores afirmam que têm um processo separado para denunciar comportamentos impróprios que podem remover completamente o envolvimento do Google.

Dois prestadores de serviços que atualmente trabalham para o Google falaram com o Gizmodo sob condição de anonimato, por medo de retaliação. Eles dizem que o processo para pessoas nesse regime — que se sente mais vulnerável do que contratados em tempo integral — é confuso e injusto. Nenhum dos prestadores alegou ter feito ou precisado fazer uma denúncia por má conduta sexual, mas ambos expressaram frustração com o atual processo de denúncia, caracterizando-o como “difícil de navegar”. Eles também disseram que temem que denunciar qualquer má conduta possa afetar negativamente seu status de emprego, apesar da garantia da empresa de não haver retaliação.

Um prestador de serviço disse que sua impressão sobre o Google não era de negligência óbvia ou de prioridades equivocadas. Em vez disso, afirmou que a empresa segue mantendo um sistema que pode apresentar obstáculos para prestadores de serviços.

“Acho que o Google diria … ‘Queremos proteger as mulheres, queremos proteger as pessoas, denunciar assédio sexual não comprometeria o seu contrato'”, disseram as fontes ouvidas, acrescentando que é comum os prestadores de serviço conhecerem alguém em sua equipe cujo contrato foi interrompido ou não renovado sem um motivo declarado. “Existem algumas inconsistências no que o Google diz e no que o Google faz, especialmente sobre os problemas de TVCs.”

Em resposta a um artigo do New York Times publicado no mês passado que detalhava como o Google teria mantido em silêncio denúncias de má conduta sexual contra vários executivos, o CEO da empresa, Sundar Pichai, enviou um e-mail para todos os funcionários do Google com o assunto “Denunciando e investigando assédio”. Ele incluiu algumas linhas explicando como os funcionários podiam encontrar mais informações sobre como expressar preocupações por meio de ferramentas internas.

Um prestador de serviço disse ao Gizmodo que os TVCs têm um portal online anônimo separado para preocupações sobre força de trabalho. “Tem algumas coisas para clicar, não é super claro no que devemos clicar primeiro”, disse a fonte, descrevendo o portal. “Não tenho visibilidade alguma de para onde vai, de como as coisas acontecem.”

De acordo com capturas de tela obtidas pelo Gizmodo da página de suporte do Google para denunciar problemas de assédio no local de trabalho, os indivíduos devem primeiro comunicar suas preocupações ao setor de recursos humanos, e não ao próprio Google. Se um incidente envolver outro TVC, a página explica, o Google informará o empregador do terceirizado. Se envolver um funcionário do Google, o Google declara que “garantirá que a equipe apropriada lide com o assunto e faça o acompanhamento quando o processo estiver concluído”.

Essa página também inclui informações de contato para uma linha de ajuda anônima, assim como uma seção que garante aos indivíduos que eles não enfrentarão retaliação por levantar uma preocupação. “Isso significa que o Google não tomará medidas que tenham um impacto negativo em alguém apenas por denunciar ou participar de uma investigação de uma possível violação do nosso Código de Conduta, da política do Google ou da lei”, afirma.

Um e-mail de uma agência de contratação de prestadores de serviço obtido pelo Gizmodo bate com o que diz a política do Google, afirmando que o funcionário TVC não deve entrar em contato com seu chefe no Google se precisar fazer uma reclamação. Em vez disso, é preciso entrar em contato com um e-mail de RH associado à agência. O Google trabalha com várias agências de recrutamento diferentes, e um terceirizado disse que a forma como os TVCs são tratados dentro da empresa “parece muito inconsistente”.

“Precisa haver um curso claro de ação e algum tipo de paz ou garantia de que, se você é um TVC, o status do seu contrato não estará em risco se você denunciar algo”, disse uma das fontes ouvidas pelo Gizmodo.

Eles são nossos funcionários, não do Google.

Um representante da Crowdstaffing, uma das agências de recrutamento que trabalha com o Google, disse ao Gizmodo que tem suas próprias diretrizes de funcionário e que serve como o principal contato dos prestadores de serviço, inclusive para queixas sobre o ambiente de trabalho. O representante disse que, em algum ponto do processo de queixa, eles podem incluir na investigação um cliente — o Google, no caso —, mas que isso aconteceria em “um estágio mais avançado”, depois de eles realizarem sua própria análise.

“Isso é projetado simplesmente como uma maneira de garantir que somos nós que oferecemos o apoio”, disse o representante. “Eles são nossos funcionários, não do Google.”

O porta-voz da agência apontou que, nos últimos anos, a Crowdstaffing empregou mais de mil pessoas no Google e que, embora os terceirizados tenham levantado vários tópicos ao longo de seu período de contratação, como pagamento, a agência “nunca teve um caso de assédio sexual”.

“Tivemos talvez uma ou duas situações em que tivemos trabalhadores que talvez não se davam bem com certos membros da equipe na organização”, disse o representante, acrescentando que não quer dizer com isso que “não existem queixas de má conduta sexual, mas, da minha perspectiva, tem sido uma situação muito boa lá”.

Os organizadores do protesto no Google exigiram especificamente “um processo claro, uniforme e globalmente inclusivo para denúncias de má conduta sexual de forma segura e anônima” — um que inclua os TVCs. O confuso e desconexo processo de denúncias pouco inspira fé em um sistema projetado para proteger e dar segurança aos trabalhadores de uma empresa, especialmente seus mais vulneráveis, disse um prestador de serviço.

“Não houve menção alguma sobre o processo de denúncias por parte de (funcionários) TVCs em nenhum dos e-mails do Sundar, nada do meu gerente ou em qualquer uma das reuniões de equipe”, disse um terceirizado ao Gizmodo.

Solicitado para comentar se as políticas implementadas na quinta-feira se aplicavam aos TVCs, o Google enviou para o Gizmodo uma citação de um anúncio interno, datado de 8 de novembro, que afirma que a empresa exige das agências de recrutamento com que trabalha os mesmos  padrões que a norteiam internamente. Abaixo, a citação:

Os T-V-Cs são uma parte importante da nossa comunidade estendida. Investigamos todas as questões em que uma reclamação é feita por um T-V-C contra um funcionário e exigimos que os fornecedores façam o mesmo com reclamações contra T-V-Cs, relatando para nós sobre quaisquer reclamações. Além disso, recentemente ampliamos o alcance do nosso Código de Conduta do Fornecedor e exigimos que os fornecedores do Google “demonstrem o compromisso de identificar, medir e melhorar uma cultura de diversidade e inclusão em todos os aspectos da gestão do ambiente de trabalho”. Esse acordo contratual também responsabiliza os fornecedores pela manutenção de “um programa que forneça aos trabalhadores um meio de fazer denúncias anonimamente e sem medo de retaliação, a menos que seja proibido por lei”. Continuaremos avaliando nossos fornecedores periodicamente para certificar que eles estão em conformidade com essas cláusulas. Para os fornecedores que empregam os T-V-Cs do Google, consideraremos os resultados dessas avaliações para avaliar se devemos continuar com nossos relacionamentos com fornecedores.

Em resposta ao anúncio de Pichai na quinta-feira de que o Google melhoraria seu processo de denúncia de assédio sexual para funcionários em tempo integral, os organizadores das manifestações disseram que os passos eram promissores, mas que não atendiam a todas as suas demandas. Eles também enfatizaram a necessidade de melhorar o processo para os TVCs, em um post publicado no Medium na quinta-feira que afirma que os TVCs “desempenham papéis essenciais em toda a empresa, mas recebem poucos dos benefícios associados a trabalhar em empresas de tecnologia. Eles também são, em grande parte, pessoas de cor, imigrantes e pessoas de origem da classe trabalhadora”.

Stephanie Parker, especialista em políticas do Google e uma das organizadoras do protesto, disse no post: “Exigimos uma cultura verdadeiramente equitativa, e a liderança do Google pode conseguir isso colocando uma representação dos funcionários no conselho e dando direitos e proteções para funcionário terceirizados, os nossos trabalhadores mais vulneráveis, muitos dos quais são mulheres negras e pardas”.

Embora ambos os prestadores de serviço com quem falamos tenham concordado com as diversas demandas destacadas pelos organizadores da manifestação, eles dizem que alguns funcionários em tempo integral podem não entender completamente o quão frágeis são suas posições. Um dos terceirizados disse que, durante o protesto em Nova York, eles ouviram outros prestadores — facilmente identificáveis por seus crachás vermelhos — apontando que a insegurança de seu emprego e como isso afeta sua motivação para denunciar má conduta não foram realmente abordados na imprensa ou durante os protestos.

“Sinto que eles cobriram as necessidades”, afirmou um terceirizado, acrescentando que ter uma linha clara de como os prestadores de serviço podem fazer denúncias não é “algo legal de se ter, é algo imprescindível”.

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