Trabalhar para a Amazon é só para quem não tem interesse em manter uma vida pessoal
Os depósitos da Amazon, que trabalham com horários e cronogramas de entrega insanos, são conhecidos como péssimos locais de trabalho. Mas a vida na parte corporativa da empresa também não é nenhum piquenique. Ali, o tenebroso ambiente de trabalho do CEO Jeff Bezos permeia em todos os aspectos da vida.
Em um trabalho fascinante que entrevistou mais de 100 atuais e antigos funcionários da Amazon, o New York Times expõe um retrato detalhado de como é trabalhar nos escritórios de Seattle da gigante do varejo. Enquanto o Google e o Facebook motivam seus funcionários com academia, refeições e benefícios, a Amazon, diz o Times, “não dá a entender que cuidar de seus funcionários é uma prioridade”. Em vez disso, a empresa insiste que os funcionários deem sua performance máxima o tempo inteiro, extrapolando os limites da vida fora do trabalho e encorajando seus “Amabots” a criticarem a si mesmos e aos colegas de trabalho pelos erros.
“Bons” funcionários na Amazon trabalham por longas horas, raramente tiram férias e nunca reclamam sobre a carga de trabalho. Os gerentes esperam receber respostas imediatas para emails enviados após a meia noite, e buscarão uma resposta por mensagem de texto caso não sejam respondidos. Como as equipes são classificadas, e aquelas no final de cada ranking são eliminadas ao final do ano, éde interesse mútuo eliminar problemas e ser melhor que todos os outros. Isso é facilitado com a ferramenta “Feedback a Qualquer Momento” da Amazon, que permite aos funcionários dedurarem uns aos outros quando eles notam que alguém está demorando muito no almoço ou saindo mais cedo do trabalho.
Ah, e caso você tenha qualquer vestígio de vida pessoal ou alguma doença, a Amazon provavelmente não é o melhor lugar para se buscar um emprego. O Times apontas diversos casos perturbadores nos quais empregados foram criticados por diminuir as horas de trabalho para tratar alguma doença ou lidar com familiares com doenças terminais ou crianças pequenas. Uma mulher com câncer na tiroide recebeu um feedback de performance ruim depois de ter retornado do tratamento, enquanto uma outra mulher sofrendo de câncer de mama foi inserida no “plano de melhoria de performance” porque as “dificuldades” pessoais dela interferiam no cumprimento de objetivos no trabalho.
Isso pode soar desumano, mas conforme mostra o Times, é tudo uma consequência natural da cultura corporativa na qual empregados são vistos como dados em tabelas de performance.
E por falar em dados: os gerentes corporativos na Amazon fazem uso de um dilúvio de métricas em tempo real sobre os consumidores para determinar quando páginas não estão carregando rápido o suficiente, ou quando o estoque de algum produto fica baixo. O Times mostra ainda que empregados recebem impressões com detalhes sobre número de estoque regularmente e podem receber um quiz sobre estes dados em reuniões. Quando um empregado não se recorda quantas luvas de jardim estavam em estoque na semana anterior, ele é criticado.
Naturalmente, muitos funcionários da Amazon sofrem com a pressão, adquirindo doenças físicas ou sofrendo colapsos nervosos (“Vi quase todas as pessoas com quem trabalhei chorando em suas próprias mesas”, diz Be Olson, ex-funcionária da Amazon, que trabalhou no setor de marketing de livros). Ou, sabiamente, eles decidem abandonar a Amazon. “O padrão de entrada e saída da Amazon, que resulta em um número desproporcional de candidatos na porta da Amazon, é claro e consistente”, diz Nimrod Hoofien, ex-funcionário da Amazon e hoje diretor de engenharia no Facebook.
Mas talvez seja ainda mais perturbador saber que muitos funcionários internalizam este ambiente de trabalho darwinista, obcecando pela pontuação da performance e priorizando trabalho acima de qualquer outro aspecto pessoal.
“Eu estava simplesmente viciada em obter sucesso ali”, diz Dina Vaccari, ex-funcionária da Amazon, à Times. “Para nós que trabalhávamos ali, era como uma droga que nos dava valor”.
Um funcionário da Amazon respondeu ao artigo em um post de sua página pessoa no LinkedIn. Nick Ciubotariu, diretor de Desenvolvimento de Infraestrutura na Amazon, rebate diversos aspectos do texto da New York Times, como por exemplo o quiz em reuniões: ele não é obrigatório, pode ser feito a qualquer momento e o funcionário recebe um acessório de celular caso responda corretamente.
E o questionário não seria necessariamente sobre o estoque de algum produto, mas sim sobre questões sobre a experiência do usuário. Uma destas questões, por exemplo, questiona por que a Amazon informa ao usuário que ele já comprou determinado produto quando o cliente está prestes a comprá-lo novamente.
Ciubotariu afirma também que emails enviados por gerentes depois da meia noite e respostas cobradas por mensagem de texto não são algo encorajado pela companhia. “Vamos à reuniões e discutimos coisas, como qualquer outra companhia faz. Se chegarmos rapidamente a um consenso — ótimo. Ganhamos tempo e vamos embora mais cedo. Se não chegamos, debatemos — e debatemos de forma educada e respeitosa”, explica o diretor.
Você pode tirar suas próprias conclusões lendo o artigo completo da New York Times neste link e o texto completo de Ciubotariu neste link.
Foto de capa: Luke Dorny/Flickr