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Transferir compulsão após a cirurgia bariátrica é um perigo real

Especialistas orientam que é fundamental tratar os quadros de ansiedade, depressão, compulsão alimentar e a própria impulsividade antes da cirurgia

Transferir compulsão após a cirurgia bariátrica é um perigo real

Texto: Ferraz Jr./Jornal da USP

Seja por ansiedade, depressão ou outros transtornos mentais, a compulsão alimentar está intimamente ligada à obesidade, um problema de saúde pública que acomete 31,8% da população, segundo o Ministério da Saúde (MS). Com acompanhamento psicológico, muitos desses obesos passam pela cirurgia bariátrica e se livram da compulsão alimentar, mas adquirem outros vícios, como consumo de álcool, drogas ou fazem compras em excesso. Esses pacientes, segundo especialistas, são vítimas da transferência de compulsão.

A Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM) reconhece, em nota, que há incidência de transferência de compulsão em pacientes pós-cirúrgicos, mas afirma que o transtorno não é reconhecido oficialmente. Leia a íntegra da nota no final desse texto.

Para evitar essas incidências, é fundamental que os quadros de ansiedade, depressão, compulsão alimentar e a própria impulsividade sejam avaliados e tratados antes da cirurgia bariátrica para que o paciente tenha sucesso no pós-operatório. É o que defende a médica nutróloga Camila Scalassara Campos, que atua na equipe do Centro de Cirurgia Bariátrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HC-FMRP) da USP.

“Se esses sintomas não estiverem controlados, o paciente pode evoluir mal, com insucesso no resultado da cirurgia, não perdendo o peso esperado ou  emagrecendo e depois voltando a ganhar peso ou, ainda, desviando a compulsão para drogas, álcool, compras e outros problemas”, afirma.

Camila Scalassara Campos – Foto: Divisão de Cirurgia Digestiva/FMRP-USP

Para evitar esse tipo de situação, é fundamental uma boa avaliação do paciente que se candidata à cirurgia bariátrica. “O paciente precisa de avaliação clínica e psicológica adequadas, para identificar qual é o paciente de risco e começar a tratá-lo com medicamento, com terapia, e assim ele vai para a cirurgia compensado desses sintomas emocionais. Com isso, a chance de sucesso é bem maior”, garante.

A psicóloga Helenice Brizolla Giampietro, também do Centro de Cirurgia Bariátrica do HC-FMRP, chama a atenção para a importância desses cuidados. “Os perigos da compulsão nos pacientes após a cirurgia bariátrica, que não são acompanhados por pessoas especializadas, principalmente psicólogos, são eles fazerem a troca da compulsão alimentar e caminharem para o alcoolismo, para drogas ou compras, por exemplo. Então é necessário manter a terapia após a cirurgia, para que os pacientes não troquem, mas eliminem toda e qualquer compulsão.”.

Helenice Brizolla Giampietro – Foto: Divisão de Cirurgia Digestiva/FMRP-USP

Compulsão por compras

Um paciente que é exemplo dessa transferência é o enfermeiro João Victor Quemera de Oliveira, de 27 anos. Em 2023, ele foi diagnosticado com obesidade mórbida, quando pesava 141 kg e, em junho do ano passado, passou por cirurgia bariátrica. Um ano depois, acumulou perda de 65 kg; está com quase metade do peso de antes da cirurgia, 76 kg.

“Antes de fazer a cirurgia, a gente tem todo um apoio psicológico para  trabalhar essa parte de compulsão alimentar. A psicóloga me ajudou a entender essa questão do transtorno alimentar. Hoje, eu vejo o alimento como uma fonte de nutrição, não como uma válvula de escape nos momentos de ansiedade. Reaprendi a me alimentar de forma mais correta. Eu comia de forma compulsiva, sem limites”, revela.

Oliveira garante que se livrou da compulsão por alimentos, mas transferiu o ímpeto para outro vício: compras. “Houve a transferência do transtorno. Eu sou uma pessoa muito mais compulsiva para compras, com o querer gastar. Mas eu trabalho nessa nova situação com a psicóloga para não virar algo que me prejudique, tanto financeiramente quanto emocionalmente.”

Realidade brasileira

Segundo levantamento da SBCBM, em 2022, foram realizadas no Brasil 74.696 cirurgias bariátricas. E a Sociedade informa que a incidência de transferência de compulsão após a cirurgia bariátrica é muito baixa. A seguir, a nota na íntegra:

“A Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM) informa que a transferência de compulsão, após a cirurgia bariátrica, não é uma entidade diagnóstica reconhecida oficialmente. Existem suspeitas e discussões em torno desse fenômeno; no entanto, há opiniões divergentes a respeito do tema dentro da comunidade médica e científica.

De acordo com alguns dados existentes na literatura da psiquiatria, cerca de 7% dos pacientes podem desenvolver uso problemático de álcool após a cirurgia bariátrica, sendo esses pacientes aqueles que já apresentavam histórico de uso abusivo de bebidas alcoólicas antes do procedimento cirúrgico.

Os indivíduos mais propensos a desenvolver uso problemático de álcool após a cirurgia bariátrica são geralmente homens jovens, com histórico de consumo excessivo de álcool e/ou uso recreativo de outras substâncias antes da cirurgia, e que pertencem a um grupo de baixo nível socioeconômico.

Em contrapartida, um estudo recente realizado por cirurgiões de São Paulo, com 200 pacientes, comprovou que o consumo de álcool caiu após a cirurgia bariátrica. Entre os entrevistados, 15% consumia muito álcool e, depois da cirurgia, passou a ser apenas 6%; 38% consumia de forma moderada e passou a ser 39%, e os 47% que bebiam pouco, se tornaram 55%. Além disso, 10% dos pacientes que fumavam abandonaram o hábito após a cirurgia.”

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