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Truque antigo melhora a memória de longo prazo e altera o cérebro

Pesquisa sugere que o chamado “método de loci” é boa tanto para a memória de curto prazo quanto para a memória de longo prazo.

Foto de arquivo de um scanner de cérebro de fMRI. Crédito: Keith Srakocic (AP)

Imagine o caminho que você costuma fazer até o supermercado. Agora imagine os muitos marcos identificáveis ​​que existem entre sua casa e o estabelecimento — como um parque específico, uma placa de “pare” ou um posto de gasolina.

Pegue esses pontos de referência e associe-os a coisas que você está tentando lembrar, como os itens da sua lista de compras. Então, para o parque, vamos atribuir mostarda. Para o sinal de “pare”, adicionaremos ketchup e, para o posto de gasolina, usaremos picles. Uma vez no supermercado, você será capaz de relembrar esses itens simplesmente reimaginando sua viagem ao supermercado e os pontos de referência associados.

Esse mnemônico, chamado de “método de loci”, existe há séculos e é surpreendentemente eficaz. Uma nova pesquisa publicada na Science Advances na quarta-feira (3) sugere que essa técnica é boa tanto para a memória de curto prazo quanto para a de longo prazo. Além do mais, o método dos loci reconfigura o cérebro e aprimora o armazenamento e a recuperação de memórias de longo prazo, de acordo com as novas descobertas. O estudo foi conduzido pela neurocientista Isabella Wagner, do Radboud University Medical Center, na Holanda.

“É tão eficaz que os atletas de memória, aqueles que treinam e têm memória superior, também os usam”, explicou Jeni Pathman, professora assistente da York University em Toronto, por e-mail, referindo-se à técnica.

Esse método, que remonta à Grécia antiga, funciona bem porque nos permite usar lugares ou rotas bem conhecidas que servem como uma espécie de “andaime”, como Wagner explicou em um e-mail. Isso nos permite incorporar informações novas — mas completamente não relacionadas — em uma “estrutura” que já conhecemos, disse ela.

“Além disso, definitivamente ajuda a formar associações incomuns, novas ou mesmo bizarras que chamam a atenção”, disse Wagner. “A combinação de conhecimento prévio e novidade é muito poderosa para aumentar a memória.”

O fato de o método de loci ser bom para a memória de curto prazo já é algo bem conhecido, mas seu efeito nas memórias de longo prazo é pouco compreendido, assim como o efeito dessa técnica no cérebro. Para descobrir, Wagner e seus colegas recrutaram 17 importantes atletas de memória — todos especialistas no método — e 50 não especialistas. Esses 50 indivíduos foram divididos em três grupos, um que passou por um rigoroso curso de treinamento de seis semanas no método, um grupo que recebeu treinamento de memória de trabalho (que permite o armazenamento temporário de informações) e um grupo que não recebeu nenhum treinamento.

“Queríamos ver se os novatos poderiam treinar o método de loci a tal ponto que alcançassem níveis de desempenho próximos aos verdadeiros campeões de memória, e também se seus processos cerebrais se tornariam semelhantes aos dos campeões com treinamento”, explicou Wagner.

Todos os participantes foram submetidos a scanners de ressonância magnética funcional antes e depois do treinamento, que foi feito para avaliar o desempenho de sua memória e estudar a função cerebral.

Com escaneamentos cerebrais, os cientistas podem “indiretamente criar imagens da atividade dos neurônios no cérebro”, permitindo-lhes identificar regiões que estão “envolvidas durante o estudo de novas informações, durante a lembrança ou durante o repouso, o que é importante para estabilizar as informações no cérebro por um prazo mais longo”, disse Wagner. “É também por isso que uma boa noite de sono ou um cochilo são muito importantes!”

Em termos da tarefa de memorização, os participantes foram convidados a decorar listas de palavras aleatórias. Em seguida, foram mostrados trios de palavras, ou seja, três palavras por vez, e os participantes foram questionados se as palavras foram apresentadas na mesma ordem ou em ordem diferente em relação à forma como apareceram durante o treinamento.

Quatro meses depois, os participantes realizaram o teste para ver se ainda eram capazes de lembrar algumas das palavras memorizadas das sessões de treinamento. O método do grupo loci recordou em média 50 palavras, o grupo da memória de trabalho recordou cerca de 30 palavras e o grupo não treinado recordou apenas 27 palavras em média.

“O desempenho ainda era notavelmente bom após quatro meses, mostrando que os participantes ainda eram capazes de utilizar com sucesso o método de loci para melhorar sua memória”, disse Wagner. “Isso não nos surpreendeu muito, pois já esperávamos que o treinamento tivesse um efeito duradouro.”

A análise das imagens cerebrais mostrou diminuição da atividade nos córtices pré-frontal lateral, parahipocampal posterior e retroesplenial — áreas associadas à ativação baseada em tarefas. Por “ativação baseada em tarefas”, os cientistas estão se referindo aos processos cerebrais que aconteceram durante o estudo e a lembrança de listas de palavras aleatórias. Isso foi observado tanto em atletas de memória quanto em não especialistas que receberam treinamento.

“Descobrimos que o treinamento levou à diminuição da ativação do cérebro em regiões que normalmente estão envolvidas no processamento da memória (espacial) e que são importantes para a memória de longo prazo”, explicou Wagner. “Isso foi um tanto surpreendente para nós, já que um melhor desempenho está normalmente associado a um maior envolvimento de diferentes regiões do cérebro. O que vimos aqui é o oposto: o treinamento diminuiu a atividade nessas regiões, de modo que a ativação cerebral mais baixa leva a uma memória melhor.”

Isso pode ser interpretado como “eficiência neural”, disse ela, já que menos recursos podem ser necessários para alcançar um desempenho aprimorado.

Ao mesmo tempo, o treinamento resultou no aumento das conexões neurais entre o hipocampo e o córtex. Isso ajuda no armazenamento de memórias de longo prazo, o que poderia explicar por que a memória dos participantes era tão boa quatro meses depois.

“Este estudo é importante porque não apenas mostrou que pessoas comuns podem praticar o uso dessa técnica para criar memórias duradouras, mas também mostrou como ela pode afetar seus cérebros”, Jeni Pathman, professora assistente da York University em Toronto, disse em um e-mail. “Aqueles que estavam no grupo de treinamento de memória mostraram atividade no cérebro durante o aprendizado e a lembrança que era mais semelhante aos atletas de memória.”

A única ressalva de Pathman foi o tamanho relativamente pequeno da amostra, que ela disse ser “compreensível, dada a natureza deste trabalho”. Em termos de trabalho futuro necessário, Pathman disse que seria “importante estender este estudo sobre a criação de memórias duradouras para outras faixas etárias ou para grupos que podem ter mais problemas com a memória”, pois eles podem ser capazes de se beneficiar também.

Bom ponto.

De fato, o método de loci pode ser útil para pessoas com declínio cognitivo relacionado à idade, mas pesquisas futuras terão que descobrir isso. Por enquanto, podemos aproveitar essas novas descobertas enquanto vamos ao parque, paramos e colocamos gasolina no caminho até o supermercado.

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