Um papo sobre carreira, estilo e IA na dublagem com a dubladora do filme “Barbie”

Dubladora brasileira da Barbie médica, Alexia Vitória falou sobre representatividade trans no filme de Greta Gerwig - e como a inteligência artificial já afeta a dublagem
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Imagem: Reprodução/Instagram

Alexia Vitória é dubladora há apenas dois anos e, em julho, teve sua voz ouvida em cinemas de todo o Brasil. Mulher transexual, ela dubla a Barbie médica do filme “Barbie”, interpretada originalmente pela atriz trans Hari Nef.

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Em um bate-papo com o Giz Brasil, a dubladora falou sobre a experiência no longa-metragem de Greta Gerwig, representatividade trans, o uso da inteligência artificial na dublagem e mais. Vem ver:

A primeira chance como dubladora

Nascida em Tupã, no interior de São Paulo, Alexia é bibliotecária de formação. Durante um período de licença do trabalho como bibliotecária em Angra dos Reis (RJ), onde mora atualmente, decidiu seguir também com sua paixão pelo trabalho com voz.

Depois de participar de workshops de dublagem no Rio de Janeiro, a dubladora recebeu indicação para o seu primeiro papel: Sacha, na série “Veneno”, na HBO Max, em abril de 2021. Outro papel de destaque veio com Sasha Colby, na 15ª temporada de “RuPaul’s Drag Race”, que estreou em janeiro de 2023.

Meses depois do primeiro papel, uma outra indicação colocaria o nome de Alexia na mesa de Flávia Fontenelli, diretora de dublagem de “Barbie” no Brasil. O projeto ainda era secreto. “Eu já sabia que a Flávia era a diretora de dublagem do filme da Barbie, eu pensei ‘ai, meu Deus, será?’”, relembra.

A participação no filme não só seria uma conquista importante para a sua carreira, mas também uma chance de dublar novamente uma atriz familiar. Isso porque Alexia já havia sido a voz de Hari Nef no spin-off de “Sex and the City”, “And Just Like That”, como a rabina Jen.

Criação da voz e desafios

Para se tornar uma Barbie, Alexia precisou abandonar momentaneamente sua voz natural e adotar um tom mais grave, próximo ao de Nef. Suas falas levaram cerca de uma hora para serem gravadas.

“Porque não só teve a questão de a gente ajustar algumas interpretações, mas também a gente gravou versões com inflexões diferentes para dar a mesma fala, das mesmas falas para poder ser usado depois. Por exemplo, no trailer, acabou ficando ela gritando o pé chato, né? Mas no dia da gravação do filme, a gente gravou pé reto, o que é uma curiosidade. E acabou indo pro filme a primeira versão do pé chato”, contou.

Além disso, apesar de gravar quase sempre eu seu home studio, de forma remota, Alexia conta que o trabalho em “Barbie” exigiu a modalidade presencial. “Cinema sempre é presencial por causa da confidencialidade mesmo. O cliente não pode arriscar acontecer qualquer tipo de vazamento. E muitas vezes não é nem pela gente, eu moro sozinha. Mas muitas vezes vai que… se manda um e-mail com script para um e-mail errado, sabe?”

Representatividade em “Barbie”

Alexia já assistiu “Barbie” quatro vezes. A última, aliás, em uma sessão privada para os dubladores no Rio de Janeiro, nesta terça-feira (1º). “Quando eu vi pela primeira vez a minha voz na tela do cinema, passou muita coisa [na cabeça], porque a minha voz ali, num papel de representatividade…”.

Ela, inclusive, gosta da forma que a Barbie de Hari Nef foi introduzida no longa: “Uma coisa que eu achei bacana no filme é que não ficou colocando isso. É uma atriz trans fazendo uma Barbie. Ponto. Chore, quem quiser, esperneia, quem quiser, espernear. Mas é isso. E não precisa ficar falando, apontando toda hora. Tem gente que fica querendo polemizar, ah, tem Barbie trans no filme. Não, não tem Barbie trans, a atriz é trans”.

“Uma menina me reconheceu no cinema, veio falar comigo, tirou foto, e esse tipo de reconhecimento eu acho bacana. Acho que uma das coisas mais legais é que tem muito realmente esse estereótipo da Barbie, né? Tem a Barbie estereotipada, mas tiveram várias Barbies, né? E mexeu muito com várias meninas, várias mulheres que brincaram de Barbie ao longo da vida, ou que não, mas foi muito bonito ver” diz Alexia Vitória, dubladora que trabalhou em “Barbie”.

Lidar com haters na internet pode ser difícil, mas para a sorte de Alexia, ela não precisou. Segundo ela, o trabalho em “Barbie” deu um boom em suas redes sociais, sobretudo o Instagram – e ela só recebeu mensagens de carinho.

“Por incrível que pareça, nas minhas redes, eu só recebi mensagens cor-de-rosa, mensagens de parabéns. Gente me mandando mensagem de voz no direct chorando, dizendo o quanto se sentiu representada. Tem uma amiga minha trans que me mandou mensagem de voz no ‘zap’ chorando também, dizendo o quanto ela se viu ali. Então várias meninas trans têm me dito isso, muitas pessoas cis, hétero, também têm me dito isso, sabe? Lógico que tem haters por aí, mas que bom que não tá me chegando”, disse.

A inteligência artificial na dublagem

Como nem tudo na vida é cor-de-rosa como a Barbielândia, quem acompanha a indústria do cinema sabe que Hollywood está em greve. Uma das causas dessa movimentação é o uso da inteligência artificial para substituir atores e roteiristas. E, segundo Alexia, os dubladores correm o mesmo risco.

“Tem duas questões: uma, pegarem a nossa voz, colocar em contrato que a gente autorize o uso da nossa voz para produções futuras, tanto em audiovisual quanto em games e até em publicidade. E a outra, que é mais grave ou tão grave quanto, é converter a voz original do ator, da atriz, no filme, nos idiomas, e fazerem tipo um deep fake, fazer a boca bater junto e falar em português”, explicou.

Além disso, o uso “eterno” da voz já está se tornando uma realidade no meio. E além de afetar a fonte de renda dos dubladores, pode interferir também na qualidade das produções. “Eu leio os contratos e não identifiquei nada ainda, mas tem colegas relatando que já viram isso e aí não estão assinando. […] Só que tem um detalhe, né? Uma máquina não transmite emoções. E por mais que copie fielmente a interpretação do ator, tem toda a questão da prosódia do idioma. Pode ser que um dia, com o avanço, possa vir a conseguir emular, mas fazer igual nunca vai”.

Para Alexia, além de mexer com a memória afetiva das pessoas, a dublagem também é importante devido à acessibilidade. “Tem muita gente metida a desmerecer, a ser detrator da dublagem, trata como arte menor. E a dublagem é o trabalho do ator mais difícil. Tem muito bom ator que não consegue se dublar. Então é considerado, sim, parte da obra”, pontua, citando como exemplo o trailer acessível de “Barbie” (veja abaixo).

Isabela Oliveira

Isabela Oliveira

Jornalista formada pela Unesp. Com passagem pelo site de turismo Mundo Viajar, já escreveu sobre cultura, celebridades, meio ambiente e de tudo um pouco. É entusiasta de moda, música e temas relacionados à mulher.

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