“Uma vitória do intelecto humano”, diz astrofísico sobre nova foto de buraco negro
Nesta quinta-feira (12), o programa Event Horizon Telescope (EHT) divulgou a foto do buraco negro Sagitário A* (Sgr A*), localizado no centro da Via Láctea. Essa é apenas a segunda vez que uma imagem dessa região do espaço-tempo é revelada na história.
Mais de 300 cientistas de 80 instituições ao redor do planeta participaram da pesquisa, que foi publicada agora na revista científica The Astrophysical Journal Letters. Veja a foto:
Sgr A* foi descoberto em fevereiro de 1974 pelos astrônomos Bruce Balick e Robert Brown. Ele tem uma massa equivalente a 4 milhões de sóis, mas com um raio apenas 14 vezes superior ao do nosso estrelão. O buraco negro supermassivo está a 26 mil anos luz de distância da Terra, no coração da galáxia em que vivemos.
Em abril de 2019, cientistas haviam mostrado ao mundo o buraco negro M87*, que fica na galáxia Messier 87. Na época, a foto do Sgr A* já era esperada, mas provavelmente não foi divulgada devido à maior dificuldade em obtê-la. Por que? A resposta está no seu tamanho.
O buraco negro da nossa galáxia é mil vezes menor e menos massivo que o M87*. Apesar disso, o gás nas proximidades dos gigantes se move à mesma velocidade – quase tão rápido quanto a luz. E é esta matéria ao redor dos buracos que acaba sendo captada pelos telescópios.
O problema é que, devido ao tamanho do Sgr A* e do M87*, o gás completa uma órbita ao redor do primeiro em questão de minutos, enquanto leva dias para circundar o segundo. A maior estabilidade do buraco negro de outra galáxia foi o que permitiu que tivéssemos sua foto primeiro.
“Em uma metáfora, é uma dificuldade parecida em você tirar a foto de alguém correndo, só que aí quem está correndo são as partículas de gás ao redor”, explicou Rodrigo Nemmen, astrofísico e membro do grupo de buracos negros da Universidade de São Paulo (USP, em entrevista ao Gizmodo Brasil.
É esta mudança da dinâmica dos gases, inclusive, que torna as fotos dos buracos negros ligeiramente diferentes. Na imagem de 2019, é possível ser apenas um foco brilhante na extremidade, enquanto a revelação recente mostra três. Compare:
Como explicou Lucas Siconato, membro do grupo de buracos negros da USP, entre 2019 e 2022 os pesquisadores do EHT provavelmente “tiveram a possibilidade de analisar os resultados do M87*, ganhar experiência em cima disso e chegar à nova imagem.”
A poeira cósmica que existe entre o planeta Terra e o centro da Via Láctea também dificultou a obtenção da foto do Sgr A*. Como explicou Nemmen, essa interferência acaba espalhando a luz, “como se estivéssemos vendo o centro da galáxia através de um vitral de igreja”.
Mas as fotos também têm suas semelhanças, o que reflete o caráter universal da gravitação. “Eu acredito que é uma vitória do intelecto humano. O fato de que a gente conseguiu prever estes resultados e avaliar que são muito parecidos é a [prova da] universalidade da gravitação de Einstein no Universo”.
A foto, obtida com auxílio de oito telescópios distribuídos ao redor do globo, mostra uma imagem que jamais seria vista a olho nu. O EHT, afinal, capta um comprimento de onda da luz que é invisível aos olhos humanos. Essa cor que representa o disco de acreção do buraco negro é escolhida puramente com base em questões artísticas.
“Nós, enquanto astrofísicos, estamos emocionados com esse resultado, porque até 2019 o trabalho do nosso grupo, os buracos negros eram entidades abstratas. Só haviam representações artísticas, efeitos de computador, e agora nós temos duas imagens. São duas imagens de objetos concretos demonstrando que eles existem no Universo”, completou Nemmen.