Físicos teóricos e cosmólogos lidam com as grandes questões, como “por que estamos aqui?”, “quando o universo começou?” e “como?”. Outra questão que os incomoda, e provavelmente incomoda você também, é “o que aconteceu antes do big bang?”.
Para deixar claro, nós não podemos responder essa questão definitivamente, mas podemos especular, com a ajuda do físico teórico Sean Carroll do California Institute of Technology. Carroll fez uma palestra no mês passado no encontro bienal da American Astronomical Society em Grapevine, Texas, onde ele falou sobre diversas possibilidades pre-Big bang que resultariam em um universo como o nosso.
Lembrando que isso é especulação e não teoria. “Até o momento, essas não são leis estabelecidas da física que nós entendemos ou checamos de maneira alguma”, disse Carroll. Como Peter Woit, um físico teórico da Universidade de Columbia disse ao Gizmodo, “Um bom conselho para entender melhor os físicos, quando eles dizem ‘nós não entendemos o que está acontecendo aqui’, eles realmente querem dizer isso mesmo. Eles estão realmente no escuro”.
Então, vamos especular. Uma das propriedades mais estranhas do nosso universo é que ele tem uma entropia muito baixa, o que quer dizer que ele tem baixo teor de desordem, relativamente, ou uma grande quantidade de ordem, entre todas as suas partículas. Pense dessa forma: imagine uma bomba cheia de areia explodindo em uma superfície vazia, esse é o Big Bang. Você esperaria que a areia espalhasse em uma pilha bem uniforme depois da explosão, mas o nosso universo imediatamente a arruma em castelos de areia aparentemente por nenhum motivo e sem nenhuma ajuda, e nós não sabemos direito por que, Stefan Countryman, um estudante de PhD em física na Universidade de Columbia, explicou ao Gizmodo. O Big Bang poderia, e provavelmente deveria, ter resultado em uma massa de grande entropia uniformemente distribuída e desorganizada. Ao invés, nós temos sistemas solares, galáxias e aglomerados de galáxias, todos unidos por negros vazios entre eles. Nós temos ordem.
“Um bom conselho para entender melhor os físicos, quando eles dizem ‘nós não entendemos o que está acontecendo aqui’, eles realmente querem dizer isso mesmo.” – Peter Woit
Além do mais, entropia ou desordem pode apenas crescer com o tempo, sem ajuda exterior, os castelos de areia vão desmantelar. Na verdade, de acordo com Carrol, as nossas observações do tempo são dependentes do aumento da entropia desde que o universo começou. A entropia é uma propriedade física que é completamente dependente do tempo, indo no trem de uma mão em direção ao futuro.
Então: as leis da física dizem que a entropia só pode aumentar, e a entropia hoje em dia ainda é muito pequena. Carroll diz que isso quer dizer que o começo do universo tinha que ter ainda menos entropia, em outras palavras, ele devia ser ainda mais organizado. Isso tem implicações sobre como eram as coisas antes do Big Bang. “Tem muita gente que acha que o começo do universo era simples, calmo e sem muita coisa, com pequenas ondulações, e que esse é o lugar natural para o começo do universo”, diz Carroll. “Uma vez que você pensa na entropia… A sua perspectiva muda e você percebe que é algo que precisamos explicar”.
Deixando a entropia de lado, existem outros aspectos importantes dessas teorias que precisam alinhar com o universo onde vivemos agora. Em alguns casos, acabar com um universo com baixa entropia é menos importante do que outros.
Como veremos, possíveis explicações para o que aconteceu antes do Big Band vão de um “Big Bounce” a um multiverso infinitamente ramificado.
Um universo que quica
Uma ideia é que o nosso universo de baixa entropia veio de outro universo que desmoronou. Essa noção, às vezes chamada de “Big Bounce”, prediz que outro universo desmoronou para dentro, até um ponto de gravidade infinita chamado singularidade, e então quicou para fora para produzir o nosso universo. Tais modelos existem desde os anos 1960 pelo menos, com maiores considerações nos anos 80 e começo dos anos 90. É possível que isso tenha acontecido infinitas vezes, em um ciclo de expansão e retração cheio de Big Bangs como uma sanfona universal.
“Não existe nada na relatividade geral que diga que o universo se expandiria de novo se virasse uma singularidade” – Sean Carroll
As teorias do “Big Bounce” tem problemas, a ver, a ideia de uma singularidade explodir viola a relatividade geral de Einstein, as regras sobre como a gravidade funciona. Físicos acreditam que as singularidades provavelmente existem dentro de buracos negros. Mas as leis da física não nos dão um mecanismo pelo qual outros universos que desmoronaram até virar uma singularidade, explodam num Big Bang. Um “Big Bounce” então, precisaria de novas teorias. “Não existe nada na relatividade geral que diga que o universo se expandiria de novo se virasse uma singularidade”, disse Carroll.
E existe um problema ainda maior: universos que passassem por esse processo precisariam de tempo indo em frente com entropia que diminuisse, e como dissemos antes, a entropia aumenta com o tempo. Isso quer dizer que até onde as leis da física estabelecidas chegam, um universo de “Big Bounce” não pode existir.
Isso não quer dizer que um universo desses não aconteceu, pode apenas significar que as nossas teorias correntes estão incompletas. Afinal de contas, as leis que estabelecemos cobrem apenas o universo que podemos observar.
Um universo hibernando
Talvez antes do Big Bang, o universo fosse um pequeno espaço fixo que evoluísse lentamente, como teorizado por físicos como Kurt Hinterbichler, Austin Joyce e Justin Khoury, entre outros. Esse universo pre-Bang teria sido metaestável, o que quer dizer que era estável somente até ele perceber que existia um estado mais estável ainda. Como analogia, imagine uma bola parada em uma depressão vibrando ao lado de uma montanha. Qualquer empurrão faria a bola rolar até o fundo, ou, no caso do nosso universo, começaria o Big Bang.
De acordo com algumas teorias, o universo pre-Bang simplesmente pode ter existido em um estado plano de alta pressão por um longo período de tempo. Eventualmente, esse período metaestável acabou, causando a expansão do universo (como explicaremos em breve) até se transformar no que vemos hoje.
A teoria do universo hibernante tem seus próprios problemas, explicou Carroll: Também sugere que o nosso universo teve um começo de pouca entropia, sem oferecer nenhuma explicação do por que. Hinterbichler, físico teórico da Case Western Reserve University, não acha que o começo de baixa entropia seja um problema. “Nós apenas estamos procurando uma explicação para as dinâmicas que aconteceram antes do Big Bang que conta uma história do que nós enxergamos”, ele disse. “Isso é o melhor que podemos esperar”.
Mas Carroll acha que outra teoria pre-Bang pode produzir um universo de baixa entropia como o nosso.
Um Multiverso
Teorias de multiverso evitam problemas de entropia decrescente em relação ao tempo associadas com o “Big Bounce”, e explica o universo de baixa entropia que nós observamos hoje em dia, disse Carroll. Esse teoria vem de uma ideia bem aceita mas incompleta chamada de “inflação”. O físico Alan Guth, atualmente no MIT, cunhou o termo inflação em 1980, que descreve que o espaço no universo expandiu a velocidades incríveis logo depois do Big Bang, muito mais rápido do que a velocidade da luz. A mecânica quântica diz que o espaço constantemente experiencia pequenas flutuações aleatórias de energia, e durante o período de inflação, esses picos e quedas de energia podem ter aumentado e se transformado nas galáxias e vazios, a estrutura de grande escala e baixa entropia que vemos no universo hoje em dia.
Cientistas desenvolveram o modelo inflacionário ao observar o fundo de microondas cósmico, a luz mais antiga e mais distante que podemos observar, de algumas centenas de milhares de anos após o começo do Big Bang, e descobriram que a inflação prediz perfeitamente sua existência.
Alguns cientistas acham que um multiverso também é uma consequência da inflação. Essencialmente, existe uma grande sopa inflacionária da onde universos menores, de menor entropia, surgem como bolhas. Esses universos são incapazes de se comunicar com os outros. Como o escritor da PBS Nova, Marcus Woo explica:
No começo dos anos 80, físicos descobriram que a inflação segue para sempre, parando somente em algumas regiões do espaço. Mas entre essas bolsas, a inflação continua, expandindo mais rápido que a velocidade da luz. Essas bolhas então se isolam umas das outras, efetivamente se transformando em universos isolados.
Carrol prefere esse modelo em particular, apesar de suas visões dos multiversos serem um pouco diferentes do que descrevemos acima. “É uma versão da teoria do multiverso, mas a diferença aqui é que o universo pai pode ter alta entropia”, com universos de baixa entropia saindo dele. Este modelo implica que antes do Big Bang, existia um grande espaço inflando, da onde o nosso e outros universos emergiram. Os outros universos estariam além dos limites da nossa visão, e podem ter surgido antes do nosso.
Woit se preocupa que a teoria dos multiversos, embora atraente de um ponto de vista de ciência popular, possa fazer com que os físicos parem de procurar pelas respostas das perguntas mais básicas como por exemplo; por que as constantes físicas do nosso universo são como são.
“Teóricos tem essa ideia que talvez exista um número infinito de universos, e nós podemos aparecer com modelos onde os números” como as propriedades fundamentais das partículas que observamos, “são diferentes em cada universo infante”, disse Woit. Ele quer que os teóricos evitem dizer que nós apenas tivemos sorte que acabamos nesse universo aleatório onde tudo por acaso é do jeito que é, já que existem possibilidades infinitas, então podemos parar de teorizar. Carroll por sua vez prefere o multiverso, mas muitos outros preferem o universo do “Big Bounce”.
Para resumir, muitos físicos são pagos para discutir e escrever livros sobre que modelo do Big Bang e do pre-universo pode descrever o que vemos hoje em dia. Nós temos simplificado de mais a matemática (e explicações), mas o fato no final das contas é que precisamos teorizar muito mais antes de entendermos como o nosso universo veio a ser.
“É importante simultaneamente deixar as pessoas saberem que nós não sabemos do que estamos falando”, diz Carroll. “Essas são ideias especulativas que estão começando a serem levadas a sério, mas existe esperança! Eu acho que conseguiremos entender se continuarmos”.