Cientistas sustentaram embriões humanos em uma placa de Petri por 13 dias, superando o recorde anterior de nove dias. A novidade vai permitir que eles estudem o início do desenvolvimento fetal em detalhes nunca vistos antes, e também nos levará um passo mais próximos a “úteros artificiais.” Mas isso está iniciando um novo e acalorado debate ético.
Dois diferentes artigos publicados nesta semana, um na Nature e um na Nature Cell Biology, relatam a cultura de embriões humanos por quase duas semanas, indo muito além do que esforços anteriores conseguiram. Não há motivos para acreditar que embriões não podem sobreviver além da marca de duas semanas, mas o experimento precisou ser encerrado para aderir ao acordo internacional que limita a pesquisa com embrião humano a um período de 14 dias.
Antes desse estudo, cientistas só eram capazes de estudar esse estágio misterioso do desenvolvimento humano até o sétimo dia. Eles então tinham que implantar os embriões no útero da mãe para que ele sobrevivesse e se desenvolvesse normalmente. Usando um método de cultura desenvolvido na Universidade de Cambridge, os pesquisadores conseguiram ampliar isso para 13 dias.
“Implantação é um marco no desenvolvimento humano, pois a partir desta fase o embrião começa a realmente tomar forma e o plano geral do corpo é decidido,” explicou Magdalena Zernicka-Goetz, responsável pelos dois estudos. “Mas até agora era impossível estudar isso em embriões humanos. Esta nova técnica nos oferece uma oportunidade única de ter um entendimento profundo do nosso próprio desenvolvimento durante esses estágios cruciais e nos ajuda a entender o que acontece, por exemplo, durante o aborto espontâneo.”
Além disso, a técnica pode permitir que cientistas entendam melhor as consequências da síndrome alcoólica fetal, a causa de condições como o autismo, e por que certos compostos químicos afetam o desenvolvimento embriônico. Ela também pode ser usada para estudar os efeitos neurológicos de doenças transmissíveis como o vírus Zika.
Duas coisas são importantes sobre essa pesquisa. “Em primeiro lugar, o avanço tecnológico permitiu o crescimento de embriões em laboratório além do tempo que muitos cientistas acharam ser possível,” disse o biólogo celular Peter Donovan, da Universidade da Califórnia, que não está envolvido no estudo. Em segundo, aspectos críticos do início do desenvolvimento fetal não são dependentes dele estar ligado à mãe. “Então agora a ciência tem um método de estudar um período chave do desenvolvimento humano que até agora era misterioso,” concluiu Donovan.
Esse novo estudo também reacende o debate sobre a necessidade de tais desenvolvimentos, e se a regra dos 14 dias precisa ser revista e expandida. Ele desafia as noções convencionais da viabilidade fetal e embriônica fora do útero.
Na marca dos 14 dias, o embrião forma uma estrutura chamada “linha primitiva” que significa o momento em que ele desenvolveu uma cabeça e cauda discernível. Antes desse estágio, o embrião é um amontoado de células que tem o potencial de se dividir em múltiplos indivíduos. Muitos dizem que é neste momento que o embrião se torna um indivíduo.
Outros defendem que essa “individualidade”, ou pessoalidade, não surge até muito depois, como no ponto em que ele se torna viável fora do útero (normalmente cerca de 23 semanas). Então a possibilidade de sustentar um embrião fora de um útero nesse estágio adiciona um novo desdobramento nesta discussão controversa e acalorada.
O especialista legal Frank Greely, da Escola de Medicina de Stanford, não está convencido da eficácia científica desta pesquisa nem da necessidade de ir além do limite de 14 dias.
“Se não usarmos a regra dos 14 dias, qual limite usaremos? Doze semanas como muitas leis de aborto europeias? A viabilidade, como a lei de aborto nos EUA?”, ele questionou. “O desenvolvimento humano é um processo contínuo, mas linhas precisam ser desenhadas mesmo quando – especialmente quando – elas não existem naturalmente. Não vejo uma linha politicamente, ou moralmente, aceitável além dos 14 dias. Dado o valor científico questionável da pesquisa, nenhum caso foi feito para que a linha seja revista, nem que seja modificada.”
Greely talvez tenha ido longe demais ao dizer que essa pesquisa tem “valor científico questionável”, mas ele está certo em dizer que regras precisam existir para esse tipo de pesquisa. As regras, mesmo que restritivas, garantem segurança e eficiência. Assim que cientistas souberem lidar com os limites criados por suas pesquisas, as restrições podem ser modificadas para permitir o avanço da ciência.
É uma conversa que não pode simplesmente ser jogada para debaixo do tapete. Estamos nos aproximando mais e mais do dia que finalmente será possível desenvolver um bebê completamente fora do corpo humano.