Uma das obsessões da pesquisa em vacinas – a cura para o vício – está um passo mais próximo da realidade. Na semana passada, pesquisadores do Walter Reed Army Center publicaram um estudo mostrando uma vacina experimental capaz de bloquear em ratos os efeitos que induzem a euforia causada pela heroína e outros opioides. Tão importante quanto isso, a vacina não reduz os efeitos de outras drogas relacionadas, como a metadona, que é utilizada (de forma controversa) para tratar o vício em opioides.
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Olhando como um todo, a solução abre a possibilidade de que a vacina possa um dia se tornar uma ferramenta para a recuperação de pessoas viciadas em opioides. “Embora ainda estejamos em uma fase inicial, esse estudo sugere que a vacinação possa ser utilizada em conjunto com terapias padrões para prevenir os sintomas de abstinência e anseio associados à paralisação do uso de opioides”, disse o autor do estudo, Gary R. Matyas, chefe do setor de auxílio e formulações no Programa de Pesquisa de HIV do Exército dos Estados Unidos, em um comunicado.
As descobertas são muito animadoras, mas é importante saber que já passamos por uma situação similar no passado. Desde os anos 1970, cientistas tentam criar vacinas capazes de estimular o corpo a criar anticorpos que que impeçam que as moléculas de drogas consigam atravessar a barreira hematoencefálica e inicie o processo que deixa o indivíduo drogado. E, embora tenham existido alguns candidatos promissores que chegaram até os testes clínicos em humanos, todos foram deixados de lado.
O novo método é fundamentalmente diferente das medicações existentes para o tratamento de dependência de opioides, como implantes de grânulos cheios de naltrexona que são inseridos sob a pele. A naltrexona é uma antagonista do opioide, o que significa que ela entra no cérebro e ocupa (mas não ativa) os receptores que seriam ativados por um opioide. Os implantes, que atualmente estão disponíveis apenas na Europa, enviam constantemente uma dose de naltrexona que percorre todo o corpo e que dura entre dois a seis meses.
Uma vacina, em contrapartida, permitiria ao corpo reconhecer e destruir as moléculas de uma droga como a heroína, antes mesmo que ela chegasse ao cérebro. Além de ser mais específica, já que drogas como a naltrexona interferem na habilidade do nosso corpo de processar todos os opioides, até mesmo aqueles que produzimos naturalmente como analgésicos, uma vacina também causaria menos efeitos colaterais. Em testes anteriores de vacinas promissoras, os efeitos de bloqueio das drogas duraram apenas por alguns meses, mas ainda exigia apenas uma dose para a imunidade, sem a necessidade de um tratamento constante.
O desafio é criar uma resposta imunológica específica e poderosa. Como as moléculas que compõem a heroína e outras drogas não são reconhecidas como ameaças pelo sistema imunológico, os cientistas tentaram fazer com que a heroína possua um sinal negativo, ligando-a a um tipo de proteína que induz uma resposta imune. Eles também adicionaram produtos químicos chamados de adjuvantes, que contribuem com o sistema imunológico. A vacina desenvolvida pela equipe, por exemplo, introduziu a heroína em uma proteína que utilizamos para imunizar pessoas contra a doença bacteriana do tétano.
Fazer esse processo dar certo é apenas metade da batalha, no entanto. Ao contrário de uma dose típica de vacina contra a gripe, uma vacina contra o vício em drogas teria que lutar contra a nossa vontade mesmo depois de ser aplicada. Uma pessoa muito motivada poderia simplesmente sobrecarregar o sistema imunológico ao ingerir mais da droga, uma vez que o corpo consegue produzir um número limitado de anticorpos por vez. Não existe uma solução fácil para o problema.
“Esperamos abrir uma porta para que a pessoa supere o vício”, disse Matyas. O seu time mira em uma vacina que possa se juntar a outra capaz de prevenir o HIV, uma vez que pessoas que abusam de drogas possuem um risco mais alto de contrair o vírus.
Qual será o impacto de tudo isso no mundo real ainda é uma incógnita. Existe pelo menos mais um candidato à vacina contra heroína que está mais avançada e já foi testada com sucesso em outros primatas. Além disso, pesquisadores da Cornell estão em meio a um recrutamento de voluntários para a participação de um teste de uma vacina contra a cocaína. Cientistas brasileiros da Escola de Farmácia e da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) também estão em estágios avançados de uma vacina anti-cocaína e aguardam autorização para o testes em macacos.