Encontrado em todo o norte e nordeste brasileiro, o peixe niquim (Thalassophryne nattereri) é conhecido popularmente por ser perigoso — mas, desde a década de 1990, ganhou também um interesse científico. Tudo por conta das toxinas poderosas que carrega no corpo. Agora, um novo estudo provou que seu veneno pode ser um grande aliado no tratamento de asma e esclerose múltipla.
A descoberta veio com o trabalho de equipes de pesquisadores do Instituto Butantan. Eles encontraram uma proteína no veneno de um peixe que contém uma molécula com potencial para o tratamento de doenças inflamatórias.
Identificada em 2007 pelo Laboratório de Toxinologia Aplicada (Leta) do Butantan, a proteína deu origem a uma série de peptídeos (cadeias de aminoácidos) sintéticos produzidos pelo Leta.
Desde então, pesquisas conduzidas pela equipe têm apontado os benefícios da molécula. Um peptídeo derivado do veneno do peixe niquim, que recebeu o nome de TnP, apresentou resultados promissores para o tratamento da asma em testes em modelos animais. A pesquisa que descreve o efeito foi publicada na revista Cells.
O Butantan estuda desde 1996 o veneno do peixe niquim. A espécie costuma se esconder em buracos na areia e é capaz de sobreviver por até 18 horas fora d’água, podendo provocar acidentes graves. O contato com seus espinhos causa dor aguda, sensação de queimação, inchaço e necrose.
Quais os próximos passos
Agora, os cientistas compararam grupos de animais com asma tratados com TnP e com dexametasona, medicamento comumente utilizado para tratar a doença, e animais não tratados.
E os resultados são promissores: assim como o tratamento convencional, o TnP reduziu em mais de 60% o número de células totais que causam inflamação e dano tecidual no pulmão. No caso dos eosinófilos, responsáveis pela inflamação em cerca de metade dos pacientes com asma, a redução foi de 100%.
A principal vantagem é que não foram identificados efeitos colaterais. Algo bem diferente dos remédios atuais que podem causar sintomas como taquicardia, agitação, dor de cabeça e tremores musculares.
Anteriormente, em um estudo pré-clínico publicado em 2017 na revista PLOS One, a molécula TnP também apresentou potencial contra a esclerose múltipla, atrasando o aparecimento dos sintomas e reduzindo a gravidade da doença em camundongos.
A próxima etapa, segundo a pesquisadora Mônica Lopes-Ferreira, responsável pelo estudo, é testar o tratamento em modelos de doenças oculares.
Outros benefícios do veneno do peixe
Além disso, o tratamento com TnP também atenuou a remodelamento das vias aéreas e reduziu o muco presente no pulmão. Essa é a característica que contribui para a redução da função pulmonar e obstrução do fluxo aéreo.
“Nós submetemos o veneno do peixe a uma cromatografia para identificar peptídeos e testamos várias moléculas. Essas toxinas provocam dor, edema, necrose. Até que chegamos a uma fração de peptídeos que não causava nenhuma ação danosa e isso nos chamou atenção. Esse tipo de descoberta é o outro lado da moeda”, diz a pesquisadora.
O passo seguinte foi fazer o sequenciamento genético do TnP para permitir a produção dos peptídeos sintéticos em laboratório. Assim, os pesquisadores não dependem mais da extração do veneno do peixe e podem testar as moléculas sintéticas em diferentes doenças.