Como eram as viagens internacionais de avião na década de 1930
Hoje, viajar de avião para outro país é uma coisa normal e ir para qualquer uma das grandes cidades do mundo é relativamente fácil. Mas como era viajar através do mundo em 1930, quando o conceito de viagem aérea ainda era novo? Era incrível, desde que você pudesse pagar.
No início da indústria do transporte aéreo comercial, a Imperial Airways significava o meio de transporte da Grã-Bretanha para o resto do mundo. Como a única companhia aérea que fazia voos internacionais nas décadas de 1920 e 1930, a Imperial foi responsável por mostrar aos ricos e famosos todos os lugares que eram domínios da Coroa Britânica. E ao cumprir essa expectativa, a missão da companhia acabava sendo a de fazer com que os domínios do Império (e, por extensão, o mundo) parecessem menores.
E isso foi feito em grande estilo.
Um começo difícil
Durante a Primeira Guerra Mundial, os aviões se tornaram uma ferramenta essencial para a vitória, dando início a um admirável mundo novo de batalhas. Os aviões já eram o futuro da guerra, mas ainda precisavam provar que poderiam ser também o futuro da paz.
Depois da Guerra, a Grã-Bretanha tinha um excesso de aviões de guerra que representariam o início de sua indústria de aviação comercial. No entanto, o começo dos anos 1920 foi um período difícil para as empresas britânicas que fabricavam aviões. Durante os tempos de paz, ao contrário do que acontecia com as empresas de aviação da França, Bélgica, Holanda e dos Estados Unidos, o governo britânico investiu pouco nas viagens aéreas.
Ainda assim, o governo britânico resolveu juntar as poucas empresas aéreas que subsistiam para formar a Imperial Airways, que foi criada em 1924. A Imperial foi concebida como uma companhia privada e altamente subsidiada que operaria um monopólio com o apoio do governo. Eles levaram o correio e passageiros até os confins do mundo.
Tecnologia Moderna
Os aviões da Imperial nos anos 1920, que eram feitos de madeira e tecido, iriam lentamente se transformar nos aviões dos anos 1930, que seriam feitos de metal. Mas isso não aconteceu só porque os aviões mais modernos eram mais elegantes. Os aviões novos também combinavam melhor com a missão da Imperial Airlines de manter o Império Britânico.
Peter Fearon, em seu artigo de 1985 sobre a história da aviação britânica, explica que o tipo de material que estava sendo usado era de particular interesse para a extensão de um Império que abrigava uma incrível variedade de climas.
Na verdade, o Ministério da Aeronáutica incentivou os fabricantes a usarem metais na fabricação das estruturas não por conta das vantagens que poderiam ser obtidas através de designs mais aerodinâmicos, mas porque, especialmente em regiões tropicais, o metal era mais durável que a madeira.
A troca do biplano (foto acima) para o monoplano (foto abaixo) também tornou a experiência da viagem mais espaçosa e moderna. Viajantes endinheirados gostavam da sensação de já estar no futuro – de ser uma parte vital do esforço da Inglaterra para os dias que estavam por vir.
Mas a velocidade era a maior diferença entre os aviões de 1920 e os de 1930. Como Derek H. Aldcroft observa em seu artigo sobre a história da aviação britânica: “…enquanto na maior parte da década de 1920 a velocidade média de cruzeiro era de 160 quilômetros por hora ou menos, no começo de 1934 os aviões começaram a atingir velocidades de cruzeiro que variavam entre 225 e 320 quilômetros por hora.” Esse foi o tipo de melhoria que fez com que as viagens internacionais se tornassem não só possíveis, mas também práticas.
Voando em grande estilo
Com partes iguais de aventura angustiante e luxo indulgente, tomar um voo internacional em 1930 era uma experiência e tanto e as pessoas que podiam pagar se inscreveram em massa para viver essa emoção.
Aproximadamente 50 mil pessoas voariam pela Imperial Airways de 1930 a 1939. Mas esses passageiros pagaram preços incrivelmente altos para passear pelo mundo. Os voos mais longos poderiam cobrir uma distância de mais de 12.000 quilômetros e custar em torno de 20.000 dólares ajustados para a inflação.
Por exemplo, um voo de Londres para Brisbane, na Austrália (a rota mais longa disponível em 1938), levava 11 dias e incluía mais de vinte paradas programadas. Hoje, as pessoas podem fazer esse trajeto em 22 horas com uma única escala em Hong Kong, e pagar menos de 2.000 dólares por uma passagem de ida e volta.
A propaganda impressa foi imprescindível para que a Imperial Airways espalhasse sua mensagem de que luxo e aventura agora estavam disponíveis para o homem comum. E que o relativamente novo pássaro de metal era seguro o suficiente para que famílias inteiras pudessem viajar dentro dele.
Os anúncios acima foram veiculado em 1937 nas páginas da revista Flight. “Voe para a África do Sul ou para a Índia em menos de uma semana!”, dizia um deles. “Faça o caminho para a Índia no navio voador da Imperial“, dizia outro.
Diagramas do interior do avião, como o mostrado abaixo, que apareceu na edição de 21 de janeiro de 1937 da Flight, mostravam aos potenciais passageiros quão espaçosas eram as acomodações.
O avião Armstrong Whitworth mostrado acima estava disponível em dois modelos: o European Class (para viagens curtas) e o Imperial Class (para excursões maiores). O modelo European acomodava 32 passageiros e incluía uma copa e três banheiros. Se o voo fosse noturno, o Empire Class acomodava apenas 20 passageiros, pois esse era o número de camas que a aeronave levava.
O modelo Empire também tinha três banheiros, embora eu não tenha encontrado nenhuma descrição de como era se aliviar em pleno voo naquela época. Dadas as turbulências extremas (os aviões podiam descer centenas de pés em questão de segundos), eu imagino que ir ao banheiro era algo evitado tanto quanto fosse possível.
Abaixo, uma foto do lounge de um Imperial Airways.
Em meados da década de 1920, a Imperial Airways exibiria alguns dos primeiros filmes de bordo. Mas o objetivo não era exatamente promover o entretenimento a bordo, mas mostrar as acomodações aconchegantes que seriam indulgentemente anunciadas nos anos 1930. É bom lembrar que as aeronaves melhoradas da Imperial estavam competindo com os mais suaves e silenciosos (embora às vezes mais inflamáveis) dirigíveis do período entre guerras.
De Londres a Singapura em apenas oito dias!
Viagens de avião podiam parecer luxuosas nas fotos da décadas de 1930 – e sem dúvida, de algumas maneiras, elas eram – mas não deixavam de ser uma forma incrivelmente cansativa de ir do ponto A ao ponto B. Ou, mais apropriadamente, do ponto A ao ponto Z, com todas as paradas possíveis entre eles.
Graças aos novos aviões, a expansão das rotas aéreas através do Império Britânico aconteceu relativamente rápido no começo da década de 30. No começo de 1932 havia voos para Cape Town, na África do Sul. Em 1933, os voos da Imperial Airways já chegavam a Calcutá, na Índia. E em 1934 teve início um serviço regular de voos para a Austrália.
O mapa acima mostra como os passageiros da Imperial em 1934 podiam ir de Londres a Singapura por 180 libras (que hoje seriam 10.900 libras ou 17.600 dólares, se ajustarmos a inflação). Que negócio! Especialmente se levarmos em conta que hospedagem, alimentação e praticamente tudo – menos as bebidas alcoólicas -, estava incluso no preço. Mas era uma dor de cabeça.
A viagem de 13.600 quilômetros levava oito dias e, de acordo com a historiadora Lucy Budd, incluía paradas em Paris, Brindisi, Atenas, Alexandria, Cairo, Gaza, Bagdá, Basra, Kuwait, Barém, Sharjah, Gwadar, Karachi, Jodhpur, Déli, Cawnpore, Allabad, Calcutá, Akgats, Rangoon, Bancóc e Alor Star.
Se isso é cansativo de ler, imagine de visitar. Mas ainda era o jeito mais fácil de ir de Londres a Singapura em 1930, mesmo levando em conta a ocorrência, bastante comum, de pousos de emergência.
Naquela época, oito dias era praticamente a velocidade da luz, mas a companhia aérea usava o senso de aventura enquanto tentava assegurar aos passageiros que todas as suas necessidades seriam supridas. Esse equilíbrio continuaria até que o luxo do Jet Set se tornasse o sonho do futuro depois da Segunda Guerra Mundial.
Cada canto do Império
Cairo se tornou um importante um importante polo de tráfego aéreo na década de 30. De acordo com Lucy Budd em um artigo de 2007, a cidade era o ponto de partida das rotas da Imperial Airways para o resto do mundo, fosse para a África do Sul, para o sudeste da Ásia ou a Austrália.
Devido à sua localização geográfica, Cairo se tornou um dos aeroportos mais movimentados do mundo e toda a frota da Imperial Airways, com destino à Europa, África ou Ásia convergiam para a capital do Egito.
A rota de quase 13.000 quilômetros que levava de Cairo a Cape Town realizou um sonho britânico do final do século XIX. Como Robert L. McCormack explica em seu artigo de 1976 sobre a histórica das viagens aéreas na África, os primeiros voos para a África do Sul eram um passo importante para afirmar a força do Império.
Finalmente, depois de mais de uma década de esperanças frustradas, a Imperial Airways, o “instrumento escolhido” do imperialismo aéreo britânico, estava ligando Cairo a Cape Town, as cidadelas gêmeas do poder e da presença britânica na África. Grande parte da África estaria agora a dias (em vez de semanas) de distância de Londres enquanto o velho sonho de Cecil Rhodes de conexão “Cape to Cairo” havia se tornado realidade.
O mapa acima, de 1938, vem do artigo de 2005 de Peter J. Rimmer’s sobre a história das viagens aéreas na Austrália. Nele, podemos ver o incrível alcance que a Imperial havia atingido ao final de década de 1930. Novamente, o voo – ou melhor, série de voos – angustiante de Londres para Brisbane levava onze dias na melhor das hipóteses. Mas compare esse tempo com mais de um mês para se fazer a mesma viagem de navio (42 dias pela SS Stratnaver, por exemplo), e é difícil reclamar.
Conforto e desconforto
A Imperial Airways apelava para o consumidor que desejava a maneira mais luxuosa de viajar. Mas nem sempre era muito agradável, embora se tratasse da tecnologia mais avançada da época. Às vezes as pessoas ficavam doentes e recipientes eram colocados discretamente debaixo dos assentos para garantir que os passageiros tivessem onde vomitar. A pressurização das cabines não ocorreria até os anos 1950, então as pessoas ficavam enjoadas por conta da altura e muitas vezes precisavam receber oxigênio.
A temperatura dentro da cabine era outro ponto a ser considerado, uma vez que verdadeiras histórias de terror sobre voos muito frios eram comuns no final de década de 1920.
Em 1939, a Imperial Airways esperava assegurar aos passageiros que esses desconfortos estavam todos no passado: “Não há necessidade de agasalhar e se enrolar em cobertores. Todos os aviões têm aquecimento e ar-condicionado… e não se preocupem com o barulho: todas as paredes são acusticamente isoladas, o que permite conversar num tom de voz normal.”
Abaixo, as acomodações com espaço para dormir dos passageiros nos voos internacionais da Imperial Airways.
Nova missão
Em 1938, a Imperial Airways tinha uma rede de cerca de quarenta mil quilômetros e chegava a cada canto do vasto Império Britânico. E como Gordon Pirie nota em seu artigo de 2004 sobre as viagens aéreas britânicas, no começo da Segunda Guerra, as rotas internacionais da Imperial Airways eram responsáveis por 90% das distâncias percorridas pela empresa.
Com o início da Segunda Guerra Mundial, voar com os ricos e famosos através do mundo já não se encaixava no ideal britânico para a aviação. A Imperial se fundiu com a British Airways em 1939 para criar a British Overseas Airway Corporation. Não é preciso dizer que a maior preocupação era o esforço de guerra.
De muitas maneiras, a Imperial Airways e suas rotas através do mundo em 1930 eram os últimos suspiros de um império decadente. Uma missão única durante um momento único de prazer e perseverança. Mas a Imperial, de fato, fez o mundo parecer muito menor. Para melhor e para pior.
Fontes: The Growth of Aviation in Britain por Peter Fearon (1985); On being aeromobile: airline passengers and the affective experiences of flight por L. Budd (2007); Passenger traffic in the 1930s on British imperial air routes: refinement and revision por Gordon Pirie (2004); The Formative Years of the British Aircraft Industry, 1913-1924 por Peter Fearon (1969); Global Networks Before Globalisation: Imperial Airways and the Development of Long-Haul Air Routes por L. Budd (2007); Britain’s Internal Airways: The Pioneer Stage of the 1930’s por Derek H. Aldcroft (1964); The Air Route to Cape Town 1918-32 por Robert L. McCormack (1974); Airlines and Empires: Great Britain and the “Scramble for Africa,” 1919-1939 por Robert McCormack (1976); Australia Through the Prism of Qantas: Distance Makes a Comeback por Peter J. Rimmer (2005); Struggle for Prominence: Clashing Dutch and British Interests on the Colonial Air Routes, 1918-42 por Marc L. J. Dierikx (1991).
Imagens: Todas as fotografias em preto e branco via Getty Images; anúncio da Imperial Airways na edição de 4 de novembro de 1937 da revista Flight; anúncio da Imperial Airways na edição de 2 de dezembro de 1937 da revista Flight. Ilustrações coloridas dos cortes dos aviões via Vintag.es; mapa de viagem colorido de Londres a Singapura por Michael Hession; cronograma aéreo da Imperial via Flickr; pôsteres de divulgação da Imperial via Smithsonian.