Um antigo repertório de músicas perdidas desde o século XI foi reconstruído por pesquisadores da Universidade de Cambridge, no Reino Unido. Ele se chama Songs of Consolation, e foi uma releitura em música medieval da obra-prima A Consolação da Filosofia, do filósofo romano Boécio.
Naquela época, era comum atribuir uma melodia para os textos de obras clássicas, como as escritas por Horácio e Virgílio. Isto era feito para memorizar e ritualizar os textos, que muitas vezes consistiam de canções de amor e lamentos.
Você pode ouvir dois pequenos trechos da obra nos vídeos a seguir. É algo quase onírico, e a letra em latim evoca imagens de monges na Idade Média cantando em suas catedrais.
Reconstruir o Songs of Consolation não foi fácil, e exigiu muitos anos de trabalho árduo. As músicas foram registradas nele usando neumas, símbolos que representavam a notação musical na Idade Média, antes de surgir a forma moderna de notas musicais.
A reconstrução só foi possível devido à redescoberta de um manuscrito do século XI que foi roubado de Cambridge e esteve perdido por quase um século e meio.
O musicólogo Sam Barrett, da Universidade de Cambridge, passou as últimas duas décadas identificando as técnicas utilizadas nesses versos. A recuperação da folha que faltava, que esteve em uma biblioteca alemã desde a década de 1840, permitiu a Barrett reconstruir toda a obra.
“Depois de redescobrir a folha das Canções de Cambridge, só restava o salto final em som”, diz Barrett em comunicado. “Os neumas indicam o sentido melódico e detalhes da entrega vocal sem especificar cada passo, e isso representa um grande problema. Os vestígios de repertórios perdidos sobrevivem, mas não a memória auditiva que servia de apoio para eles. Sabemos os contornos das melodias e muitos detalhes sobre como elas eram cantadas, mas não o timbre preciso que compunha as músicas.”
Com a folha recuperada, Barrett conseguiu reunir cerca de 80% a 90% da melodia. Ele então recrutou o grupo musical Sequentia, que se especializa em música medieval, para ouvir como realmente eram as músicas, e para refinar seu trabalho inicial de reconstrução.
“Ben [Bagby, da Sequentia,] experimenta várias possibilidades e eu reajo a elas, e vice-versa”, diz Barrett. “Quando eu o vejo trabalhar com as opções que uma pessoa do século XI tinha, é realmente sensacional; às vezes você só pensa ‘é isso!’. Ele traz o lado humano do quebra-cabeça intelectual que eu estava tentando resolver durante anos de frustração contínua.”
A música inteira tem mais de uma hora, e foi tocada na íntegra neste sábado (23) na Universidade de Cambridge – foi a primeira apresentação ao vivo da peça em quase mil anos. Por enquanto, não há um vídeo do evento disponível na internet.
Foto: o manuscrito perdido (Biblioteca da Universidade de Cambridge)