Cientistas estão pedindo cautela em relação a uma doença viral semelhante ao ebola, que parece ter se espalhado entre seres humanos durante um pequeno surto na Bolívia no ano passado. A doença, causada pelo vírus Chapare, matou três pessoas e acredita-se que tenha adoecido pelo menos cinco durante o surto, incluindo três profissionais de saúde que tiveram contato com os pacientes. Seus sintomas incluem sangramento interno, febre e danos generalizados a órgãos.
O nome do vírus, Chapare, vem do local onde ocorreu o primeiro surto conhecido da doença no final de 2003, próximo ao Rio Chapare, na Bolívia. Suspeita-se que muitas pessoas tenham contraído a doença entre 2003 e 2004, mas informações detalhadas e amostras de sangue foram coletadas apenas de um único paciente na época: um alfaiate e agricultor de 22 anos que vivia na aldeia rural de Samuzabeti.
Inicialmente, o homem desenvolveu dor de cabeça e febre que progrediram para dores nas articulações, vômitos e hemorragia interna. Este conjunto de sintomas é conhecido como febre hemorrágica e é um resultado familiar, muitas vezes fatal, de outras doenças virais muito perigosas, mas que são geralmente raras, como o Ebola. Em duas semanas, o homem morreu.
Os médicos puderam estudar o sangue do rapaz e isolar um vírus nunca antes documentado. Também foram descartadas outras doenças comuns na área, como a dengue.
Descobriu-se que o vírus misterioso era um membro da família arenavírus, um grupo de vírus que comumente infecta roedores e às vezes humanos. Seus parentes incluem o vírus Lassa, que é mais conhecido, e outros vírus encontrados pela primeira vez na América do Sul, como o Machupo, na Bolívia, e o Junin, na Argentina. Muitos deles podem causar febre hemorrágica nas pessoas.
Existe, inclusive, um arenavírus que foi encontrado pela primeira vez no Brasil: o vírus Sabiá, descoberto nos anos 1990. Em 2020, um novo caso foi identificado no interior de São Paulo.
Em 2019, o vírus Chapare reapareceu na Bolívia, primeiro sendo encontrado em um trabalhador rural que desenvolveu febre hemorrágica e acabou morrendo em consequência. Depois que ficou claro que os sintomas alarmantes do paciente não eram causados pela dengue ou por doenças mais comuns, as autoridades de saúde começaram uma investigação detalhada, eventualmente contando com a ajuda dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC). Especialistas do CDC confirmaram que o trabalhador tinha sido infectado pelo vírus Chapare.
Sabe-se que a maioria dos arenavírus que infectam humanos são transmitidos de roedores para pessoas. Normalmente, isso acontece quando as pessoas respiram aerossóis da urina seca ou de fezes de roedores contaminadas com o vírus ou entram em contato direto com estes animais. Durante este último surto, as autoridades de saúde encontraram traços virais do Chapare em roedores perto de onde o paciente trabalhava, de acordo com uma pesquisa apresentada esta semana no encontro anual virtual da Sociedade Americana de Medicina Tropical e Higiene.
Pelo menos três profissionais de saúde que interagiram com pacientes infectados — um médico residente, um paramédico e um gastroenterologista — também desenvolveram a doença, e dois deles morreram. As autoridades de saúde acreditam firmemente que o vírus foi transmitido de pessoa para pessoa nesses outros casos. Outra descoberta preocupante foi que traços virais puderam ser encontrados no sêmen de um sobrevivente mais de 160 dias após a infecção, algo que também foi documentado em outros vírus de febre hemorrágica, como o Ebola.
“Acreditamos que muitos fluidos corporais podem potencialmente transportar o vírus”, disse em comunicado Caitlin Cossaboom, epidemiologista da Divisão de Patógenos e Patologias de Alto Risco.
Dada a pandemia de COVID-19 e como ela começou, é compreensível ficar preocupado com esta notícia. No entanto, embora isso não seja totalmente injustificado, deve-se notar que a maioria dos surtos humanos de arenavírus tende a ser limitada. E sua principal via de transmissão ainda é predominantemente de roedores para pessoas. Mesmo que esse vírus possa se espalhar entre humanos, parece ser por meio do contato direto com fluidos corporais como sangue ou saliva, o que limita seu potencial de disseminação, assim como sua letalidade.
Dito isso, epidemiologistas e outros cientistas devem ficar de olho em ameaças potenciais como o vírus Chapare, especialmente em áreas do mundo onde certos recursos de saúde são limitados, aumentando o risco potencial de transmissão aos profissionais de saúde.
Até os vírus que só se propagam por meio do contato direto com fluidos corporais podem explodir e criar grandes surtos em determinadas condições: um surto de ebola na África Ocidental em 2014 infectou quase 30.000 pessoas e matou mais de 11.000. O vírus Lassa, relacionado ao Chapare, também infecta regularmente até 300.000 pessoas por ano nas áreas da África onde é encontrado, matando cerca de 5.000 anualmente.
Por enquanto, os cientistas planejam aprender o máximo que puderem sobre o vírus Chapare a partir desses últimos casos, incluindo seus prováveis hospedeiros roedores, de onde pode ter se originado e se está circulando no país sem o conhecimento dos médicos. Após o surto de 2019, os médicos documentaram três outros casos suspeitos — os pacientes sobreviveram.