Woz, sensacionalismo e leitura seletiva
Qualquer pessoa que acompanha a tecnologia e seja minimamente racional sabe identificar méritos e fraquezas de cada ecossistema. Steve Wozniak não é diferente, e ontem ele foi notícia em absolutamente todos os sites de tecnologia do mundo dizendo que o Android fazia algumas coisas melhor que o iPhone e que ele apreciava as possibilidades do sistema.
Até aí, nada demais, especialmente se você lembrar que Woz é um cara crescidinho e indepentente a essa altura: ele não está na Apple há 26 anos e já até foi diretor da empresa de Andy Rubin, pai do Android. A frase foi notícia pela honestidade de um “ex-Apple”, mas, de novo, que pessoa da computação não gosta das possibilidades do robô?
Daí para manchetes equivocadas, sensacionalistas e conclusões insanas foi um pulo. O pior é que ele provavelmente nem falou exatamente aquilo. Wozniak apareceu no Facebook para deixar a sua preferência clara:
O repórter original exagerou ao deixar partes que davam o contexto de fora, e outras reportagens ainda exageraram mais em manchetes enganosas que não eram verdadeiras. Para mim, honestidade vem em primeiro lugar na vida. O engraçado é que, se você conversar com as pessoas em volta de mim, eles dificilmente vão se lembrar de vezes que eu atendi uma chamada no Android, fiz uma ligação com o Android, ou fiz qualquer coisa no Android fora navegação por GPS. Mas estes artigos fazem parecer que eu desisti do iPhone. Ha ha.
O nosso gizmodiano honorário Rodrigo Ghedin fez uma boa compilação de manchetes na linha “cofundador da Apple prefere o Android”. O Globo.com foi mais longe e cometeu este título:
“Dono da Apple”. OK.
Nos comentários aqui e alhures as conclusões não foram muito diferentes, por aquela coisa de telefone sem-fio que vai aumentando a história até chegar ao que você deseja inferir. E tome “Wozniak disse que pessoas inteligentes usam Android, burros que não sabem mexer no computador usam iPhone” e coisas do tipo. Nada é mais estúpido que classificar uma pessoa pelo uso de uma tecnologia X ou Y (coisa que a Apple fez mais do que nas entrelinhas na campanha “I’m a Mac”), mas divago.
O ponto é que a notícia nem era para ter tido tanto destaque, por causa da fonte. Quando li a história em outro site e cheguei ao Daily Beast, pensei logo um “Mais uma abobrinha do Dan Lyons”. Mas veio aquela pressão enorme, gente mandando e-mail do tipo “Na hora de falar bem do Android vocês ignoram a notícia, né?” e coisas mais baixas. Resolvi escrever cheio de dedos, com um monte de “segundo o Daily Beast” e fazendo o parênteses que o autor da entrevista era “um dos críticos mais ácidos da Apple”. Seria claro que ele selecionaria todos os pontos que o interessassem.
Mas estava sendo generoso. Na verdade ele é deliberadamente anti-Apple, de uma maneira por vezes bizarra – Dan Lyons é um cara que ficou famoso pelo seu perfil de “Fake Steve Jobs”, e acha que a Samsung não copia a Apple de forma alguma, que as pessoas que gostam do iPhone são automaticamente fanboys, etc etc.
O mais engraçado é que há um ano e meio Wozniak esteve nas manchetes de uma forma bem semelhante que a de ontem. De acordo com um jornal holandês, ele teria falado que os smartphones com Android tem mais funcionalidades. Foi um auê na internet, até ele conversar com o Engadget e dizer que não era nada daquilo. Na época, Woz disse que sim, tinha previsto que o Android seria mais popular, como o Windows nos PCs, mas completou: “Eu não quero desmerecer o Android, mas não estou inferindo que ele é melhor que o iOS nem se forçar muito a imaginação. Ele pode vir a ter um marketshare melhor e ainda ser um lixo.”
Quando ainda mantinha o “Diário secreto de Steve Jobs”, Dan Lyons escreveu sobre o episódio, narrando a cena de Woz ligando para o Engadget a mando de Jobs, lendo os cartões preparados pela equipe para dizer o “certo”. Era “humor”, é claro, mas acho que a coisa é engraçada provavelmente apenas para os odiadores mais ferrenhos da maçã. É para esse público que Lyons sempre jogou, e acertou em cheio ontem, com uma quantidade enorme de visitas a seu site. Mas será que ele vai comentar algo parecido agora que Wozniak está o desmentindo? Será que ele vai dizer que foi “a mando da Apple”? Será que algum grande portal vai corrigir a informação agora que ela não tem mais o poder de criar uma guerra?
Isso não importa muito — mesmo que Woz de fato preferisse o Android (há motivos para isso!), e daí? Dilma tem um iPad, Obama um Blackberry, e isso quer dizer que…? A lição, no fim das contas, é que a opinião de Wozniak não é tão importante. É curiosa, de certo modo vale “notícia” por ser ele quem é (um cara honesto, importante para tecnologia, gente boa que não está na Apple há 26 anos!), mas não é importante. Se você precisa da opinião de uma pessoa famosa para legitimar o que você gosta, nunca mais zoe aquela menina que compra shampoo “porque a minha atriz favorita aparece no comercial da Seda”. Use o que faz mais sentido para as suas necessidades, e deixe essa guerrinha de “eu sou melhor que você porque A é melhor que B. Ou porque alguém importante disse”.